As apostas do The New York Times para o futuro do turismo
O jornal americano conversou com especialistas em mais uma tentativa de prever tendências para o setor, e a VT traz um balanço das principais mudanças
A vida de quem costumava viajar, uma vez ao ano que fosse, virou uma incógnita. O que o muita gente tem feito para compensar a frustração é visitar acervos de museus na internet; cozinhar, (com níveis variados de sucesso), e sobretudo fazer previsões para o futuro das viagens – a VT, claro, fez as suas.
No início de maio, foi a vez do The New York Times publicar uma grande reportagem sobre os aspectos da indústria de turismo que irão mudar, principalmente com o fantasma de um novo surto irromper em qualquer lugar do mundo enquanto não se descobre uma vacina.
O diário americano ouviu diversos especialistas do setor, de acadêmicos a operadores de turismo, e trouxe exemplos do que já está acontecendo nos Estados Unidos. Selecionamos algumas ideias que poderiam mais claramente dialogar com a realidade brasileira e também com a de outros países, que, aos poucos, reabrem fronteiras e retomam a atividade turística. Confira a seguir:
Companhias Aéreas
Algumas aéreas têm bloqueado o assento do meio a fim de propiciar uma distância social maior entre passageiros em um ambiente onde o contato físico é quase inevitável. A medida tem sido aplicada do mundo inteiro enquanto os voos estão com a demanda bastante reduzida. No entanto, a prática é inviável a longo prazo porque não paga a conta das empresas. Ao mesmo tempo, passageiros não se sentem seguros de entrar em uma cabine lotada. No Brasil, Azul, Gol e Latam já se posicionaram contrárias ao bloqueio do assento do meio.
Levando em conta esse cenário, o NYT vê o conflito entre a necessidade de estabelecer o distanciamento social em aviões e a necessidade de manter a rentabilidade das empresas aéreas como um dos principais desafios do setor – ou pelo menos enquanto não for desenvolvido uma vacina para a Covid-19. Porém, o jornal americano prevê que esse dilema não impedirá as companhias de anunciarem tarifas baratas para atrair viajantes.
Para R. W. Mann, um analista e consultor da indústria do turismo, as promoções surgirão primeiro na classe econômica, mas depois devem migrar para as classes superiores. Isso porque os clientes que costumavam viajar na executiva nem voando estão. Alguns migraram para jatos privativos, concorrentes da classe executiva e da primeira classe das companhias aéreas.
As passagens baratas, porém, não devem durar. O setor só deverá se recuperar em 2022. Uma pesquisa feita pelo site de alerta de passagens Dollar Flight Club corrobora com essa ideia: a plataforma aponta que os voos poderão ficar 35% mais baratos em 2021, mas 27% mais caros nos cinco anos seguintes.
Aeroportos
Já é esperado que a configuração dos aeroportos e a rotina dos passageiros mudem. Termômetros infravermelhos, que identificam à distância se um indivíduo está com febre, já são uma realidade em aeroportos no exterior desde o início da pandemia. A Emirates foi a primeira aérea do mundo a fazer testes rápidos de coronavírus antes do embarque, mas dois meses depois descontinuou a ação quando descobriu que os kits de coleta não eram 100% confiáveis. Ainda assim, há indícios de que é uma questão de tempo para que testes rápidos confiáveis façam parte da rotina.
O NYT, porém, sinalizou uma outra possível tendência, que é a da expansão dos aeroportos. Esse espaço extra é importante para que os passageiros não fiquem aglomerados em filas. Em entrevista ao jornal americano, o arquiteto especializado em desenhar terminais aéreos, Ty Osbaugh, afirmou: “O espaço nos dá a habilidade de lidar com uma pandemia de uma nova maneira. Os aeroportos podem se expandir verticalmente. As garagens de estacionamento podem ser reaproveitadas como centros de check-in e triagem para que todos os espaços vazios possíveis sejam usados”.
Cruzeiros
O setor de cruzeiros foi um dos mais afetados pela pandemia de coronavírus e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), órgão de saúde dos Estados Unidos, chegou a proibir as navegações de navios turísticos no país. O mesmo aconteceu no Brasil no dia 19 de março, quando as embarcações que faziam temporada aqui ficaram proibidas de prosseguir com os roteiros.
Segundo o jornal americano, grandes armadoras como a Carnival e a Royal Caribbean possuem condições financeiras de esperar por uma retomada do setor até 2021. Porém, as tarifas promocionais e as políticas de cancelamento flexíveis não durarão muito e servirão apenas para atrair os turistas de volta ao mar.
O professor da faculdade de hotelaria da Cornell University, Robert Kwortnik, disse ao NYT que acredita que o verdadeiro desafio das armadoras será “reduzir os conhecidos riscos de embarcar em um navio, o que exigirá mudanças operacionais”. Entre essas novas práticas, ele levantou a possibilidade de as armadoras exigirem exames médicos dos passageiros e criarem planos de contingência para casos de pessoas estarem infectadas a bordo.
A especialista no setor de cruzeiros, Ross Klein, acrescentou que acredita em uma mudança no modo de usar dos navios, que podem se tornar hotéis flutuantes. Em vez de navegarem de um porto ao outro, eles ficariam atracados em determinado destino, o que deixaria o passageiro mais autônomo para desembarcar e voltar para casa de avião se assim preferir.
Sobre esse assunto, o CDC também se pronunciou, orientando as empresas a assumirem uma responsabilidade maior na gerência de possíveis surtos dentro do navio, seja tendo testes laboratoriais a bordo, implementando protocolos de desinfestação ou providenciando equipamentos de proteção individual.
A Crystal Cruises já anunciou novas medidas, que incluem o fim dos buffets self-service, medições de temperatura no embarque e desembarque e solicitação de atestado médico para os passageiros com mais de 70 anos.
Destinos
Já é um fato que o turismo doméstico irá se recuperar antes do internacional. Pesquisas voltadas para o público brasileiro indicam que 26% dos entrevistados pretendem viajar para a região Nordeste do país quando a situação se normalizar. A intenção de ir para os Estados Unidos ou a Europa, comparativamente, é só de 8%.
É por isso que o NYT também espera um boom nas viagens de carro. A reabertura dos países em momentos diferentes pode ser confusa para os viajantes, que também se sentirão desmotivados pelos entraves sanitários que devem surgir para cruzar fronteiras. Já até foi lançado um mapa interativo que informa as restrições de viagem em cada país.
Além disso, as famílias estarão, mais do que nunca, inclinadas a fazer viagens econômicas e, consequentemente, mais curtas. Isso favorece os destinos nacionais que podem ser alcançados de carro. No caso do Brasil, as praias regionais tiveram 14% das intenções, perdendo só para as já mencionadas viagens ao Nordeste.
Hospedagens
Um pouco mais incerto é o futuro de plataformas como Airbnb e Alugue Temporada. Se por um lado o aluguel de temporada permite uma estadia mais privativa, por outro os protocolos de higienização não são tão rígidos quanto os da hotelaria.
O Airbnb lançou um novo programa de higienização das acomodações e dará um selo próprio para identificar os anfitriões que seguem as recomendações. Mas um selo não basta, o difícil talvez seja confiar num esquema desse tipo. Enquanto isso, o grupo Marriot, com milhares de hotéis pelo mundo, anunciou que já está usando produtos hospitalares e pulverizadores na limpeza. Só resta aguardar para saber qual será a preferência dos viajantes no pós-pandemia.
Para o NYT, quem sairá na frente nessa disputa são os resorts. Redes como o Club Med, que possuem tarifas all-inclusive e programação de atividades para todas as idades, poderão ser as pioneiras no lançamento de novos protocolos de saúde e higienização, principalmente por conta das crianças. Carolyne Doyon, presidente da cadeia de resorts na América do Norte e no Caribe, disse que “saúde e segurança serão prioridade para os viajantes; isso vai mudar como as famílias escolhem os seus destinos e vai mudar como as empresas de turismo operam”.
O presidente do sindicato Unite Here, que reúne trabalhadores de hotéis, restaurantes e cassinos, concorda com essa ideia. Ele declarou que não se surpreenderia se os viajantes começassem a dar nota para higiene e limpeza com o mesmo rigor que costumam avaliar a comida ou a vista do quarto, por exemplo.
Seguros de viagem
Como a VT noticiou em uma reportagem, quase todas as seguradoras do mercado brasileiro têm em comum uma cláusula que as isenta de auxílio em casos de surtos, epidemias ou pandemias. Isso deverá mudar.
A partir de agora, clientes devem querer saber se de fato o seguro cobrirá duas situações que não estão livres de acontecer: o viajante ser diagnosticado com coronavírus antes ou durante uma viagem, e o destino das férias ser acometido por uma nova onda de contaminação. No caso do Brasil, os seguros talvez lancem mão de cláusulas opcionais ou acessórias para cobrir tais ocorrências, mas é o viajante que deve estar atento a elas.
Para Anna Gladman, proprietária da seguradora World Nomads, a partir de agora os clientes estarão mais atentos às letras miúdas antes de contratar um seguro. Além disso, a demanda por uma apólice que cubra cancelamentos por qualquer motivo deve aumentar, mesmo custando mais caro.
Sustentabilidade
Os produtos descartáveis são mais higiênicos, mas também menos sustentáveis. Por isso, o NYT lançou a pergunta: em um mundo cada vez mais germofóbico, como fica a sustentabilidade?
De acordo com a diretora do programa de turismo sustentável da Universidade de Cornell, Megan Epler Wood, “o trabalho de redução do plástico ficará para trás em relação à questão maior da segurança e da saúde dos viajantes”.
Porém, outros tipos de sustentabilidade terão uma guinada. Megan aponta que, com as medidas de distanciamento social, haverá um aumento no combate ao overtourism, ou seja, o excesso de pessoas, como é o caso de Veneza e Amsterdã.
Além disso, a pandemia veio mostrar a importância de apoiar o comércio local. O professor de turismo sustentável da Universidade de Purdue, no estado de Indiana, disse que será importante carregar esse aprendizado aos lugares para onde viajamos, levando em consideração se o dinheiro que estamos gastando ficará ou não nas comunidades.
Em alguns destinos da África, por exemplo, os safáris e as entradas de parques nacionais são destinados a fundos de conservação do meio ambiente. “Esses lugares possuem um modelo econômico que apoia a proteção da natureza e nós precisamos restaurar economias baseadas na experiência, e não na extração”, defende Gregory Miller, diretor executivo do Centro para Viagens Responsáveis.