Passaporte de vacinação e o futuro das viagens internacionais
A ampla reabertura do turismo passa pela criação de um documento que associe vacina e teste de covid ao passaporte do viajante
Não bastasse amargar prejuízos estimados em US$3 trilhões, o setor de viagens de lazer vem tendo que lidar com um arsenal de protocolos sanitários inéditos. Na esteira, empresas já trabalham no desenvolvimento do que vem sendo chamado informalmente de “passaporte de vacinação”, um documento, aplicativo, caderneta – não se sabe o formato ainda –, que armazena dados do viajante como imunização e testes contra a Covid-19. Especialistas afirmam que este é um passo fundamental para voltarmos a viajar com segurança.
Estar imunizado significa estar menos propenso a sofrer complicações da doença em caso de contágio e, a principal delas, é não precisar de hospitalização. “Se a pessoa for vacinada é improvável que desenvolva um quadro grave, tenha ela trazido o vírus do país de origem ou sido contaminada na primeira semana de férias”, disse ao The Guardian o médico Paul Hunter, professor na University of East Anglia, na Inglaterra.
Um documento que comprove a vacinação pode eliminar a necessidade de quarentena na chegada, que hoje é o maior entrave para a retomada do turismo internacional, disse ao The New York Times, Zurab Pololikashvili, secretário-geral da Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas. Quando o assunto é imunização pode haver posições ainda mais radicais: a aérea Qantas anunciou que não admitirá em seus voos rumo à Austrália passageiros que não tenham sido vacinados – simples assim.
O passaporte de vacinação
Imagine que um avião lotado aterrissou em um país que exija uma documentação específica referente à Covid-19. Cada passageiro carrega consigo um tipo de comprovante diferente. Um grupo possui uma carteira de vacinação, um outro tem em mãos um aplicativo e um terceiro traz apenas um certificado em papel emitido pelo órgão de saúde do país de origem. Como seguir um padrão de admissão sem grandes demoras?
O vice-presidente da Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), Nick Careen, disse ao NYT que a ideia da criação de um passe eletrônico é uma “tentativa de digitalizar o que já acontece”. A maioria dos países já requer que o viajante apresente teste negativo de Covid-19, inclusive o Brasil. E brasileiros que visitam o Peru, a Colômbia, a África do Sul e a Tailândia já viajam com um Certificado Internacional da Vacina contra a Febre Amarela. Um documento unificado inibiria fraudes e fecharia o cerco às empresas que vêm lucrando com a venda de exames de Covid-19 falsos.
Países como Dinamarca e Suécia começaram a desenvolver certificados digitais em que constam dados de imunização do cidadão e que servirão tanto para viagens quanto para admissão em eventos esportivos. Isso significa que daqui para frente estar vacinado também poderá ser um requisito para frequentar espaços públicos, como shows, festivais, feiras e campeonatos.
Aplicativos que estão em fase avançada de testes
A IATA representa cerca de 290 empresas aéreas que abrangem 82% do tráfego global, o que significa que a entidade tem grande influência na criação de novos protocolos. O IATA Travel Pass é um aplicativo de celular que armazena dados de imunização do viajante. Um teste piloto foi realizado pela Singapore Airlines em dezembro de 2020 em voos entre Singapura, Malásia e Indonésia. Passageiros que fizeram testes de covid em clínicas selecionadas receberam certificados digitais ou em papel que puderam ser lidos por QR-code na hora do check-in. Um número cada vez maior de aéreas vem demonstrando intenção de usar o aplicativo, como a Emirates, a Etihad e a Qatar.
Desenvolvido por uma multinacional de tecnologia especializada em serviços para a indústria da aviação, o Health Protect é um aplicativo que também permite que companhias aéreas e passageiros compartilhem informações sobre exames de saúde ou vacinas. A ferramenta emite alertas ao passageiro sobre os requisitos que devem ser cumpridos no aeroporto para o qual o viajante se destina.
Desenvolvido pela IBM, o aplicativo funciona como uma carteira digital. Com ela, o viajante pode guardar informações pessoais de saúde e compartilhá-las, segundo a empresa, de forma segura e verificável. Deve servir tanto para viagens internacionais quanto para eventos de entretenimento.
Entraves para a criação de um passaporte de vacinação
O desafio agora é criar um documento ou aplicativo que seja aceito no mundo inteiro, ao mesmo tempo que proteja a privacidade do viajante e seja acessível a todos. Mas, em um mundo onde pessoas não conseguem provar que existem porque não possuem documentos, o surgimento de mais burocracia pode deixar um rastro de desigualdade ainda maior.
Para quem não tem smartphone, há a preocupação em padronizar os comprovantes em papel. “Há como fazer isso de um jeito correto ou terrivelmente errado e as maneiras erradas podem nos levar a uma distopia tecnológica”, disse Jenny Wanger, diretora da Linux Foundation Public Health, uma fundação com foco em tecnologia que desenvolve aplicativos de credenciamento de vacinação que sejam acessíveis e equitativos.
Para a pesquisadora, é importante que o aspecto de desenvolvimento de uma tecnologia sobre esta documentação seja feito de forma transparente e não fique no controle de qualquer governo ou empresa. “A tecnologia deve ser de código aberto e acessível aos tecnólogos, não importa quem ou onde estejam estas pessoas”, afirmou.
O que pode ser prematuro para se estabelecer um passaporte de vacinação no curto prazo é o desconhecimento da ciência se os imunizantes atuais oferecem proteção adequada para as novas variantes descobertas recentemente no Reino Unido, na África do Sul e na Amazônia. O Brasil, aliás, não deverá protagonizar nenhuma das ações que estão em curso no momento para a criação de um documento global e tudo indica que apenas reproduzirá o que for decidido fora daqui. E, caso o país não acate decisões internacionais, tudo indica que seguiremos impedidos de viajar.