Com uma malha aérea reduzida em mais de 90%, os aeroportos do Brasil inteiro estão à míngua, sem o frenesi a que estamos acostumados. Acordei na quarta-feira (2) com algum entusiasmo porque faria meu primeiro voo em plena pandemia. Viagem curta, de Cumbica para Florianópolis.
Na manhã da viagem, consultei o site da CPTM para confirmar o horário do trem direto para Guarulhos, que parte da estação da Luz: serviço suspenso por tempo indeterminado. Poderia pegar a versão pinga-pinga, mas implicaria fazer quatro baldeações, que nem me importaria se eu estivesse apenas com uma mochila. No site do Airport Service, traslado que sai da Praça da República, só dois ônibus por dia estão fazendo a rota: às 10h20 ou 19h30. Sem chance, meu voo era no meio da tarde. Cogitei a linha que sai do Tatuapé, mas a chuva lá fora foi a desculpa que eu precisava para decidir por um Uber, mesmo que o preço fosse a facada de R$ 82.
Mala fechada, Uber a caminho, hora de vestir a máscara. Quem usa óculos tem uma chatice a mais para lidar, que é o embaçamento das lentes. Pois eu mal conseguia ver o trajeto do carro na tela do aplicativo. A máscara tripla, 100% polipropileno, “tecido não tecido”, segundo a embalagem, foi um péssimo investimento que eu tinha feito na véspera no supermercado Pão de Açúcar. No aeroporto, joguei-a fora e troquei por uma de tecido que eu por sorte também levava.
Do Largo da Batata até Guarulhos foram 31 minutos. Antes da pandemia, Cumbica recebia em média 255 mil passageiros por dia. Na chegada, nem uma pessoa na calçada. No saguão do Embarque C, a cena foi essa abaixo.
Na entrada para a área do embarque, uma placa anunciava a triagem de temperatura. Em frente aos bloqueios, uma mulher paramentada dos pés a cabeça se aproximou empunhando uma pistolinha, mirou na minha testa e logo me liberou.
No raio-x, foi vapt-vupt. No meio daquela tarde, o painel de decolagens anunciava 10 voos programados até o fim do dia – sim, 10 voos!
No corredor para o portão de embarque, uma viva alma.
Na loja Dufry Shopping, o único indício de alguma presença humana em um raio de 5 metros de onde eu estava foi um display do Antonio Banderas em tamanho natural.
Na rampa logo na saída da loja rumo aos portões, mais desolação.
Na chegada ao portão de embarque, aí a coisa ficou um pouco mais parecida com o “velho normal”. Não era uma multidão, mas dava para encher um avião. E de fato foi o que aconteceu. Nos alto-falantes, chamaram o Latam 3662 e foi enfatizado que pessoas sem máscara seriam proibidas de embarcar. Na fila em frente ao portão, adesivos amarelos colados no chão de maneria improvisada delimitavam a distância de 1 metro entre as pessoas.
Meu assento, o 22F, era janela. Foi um estranho-familiar estar naquela situação, como se uma cabine com mais de cem pessoas usando máscara fosse algo que esteve aí desde sempre, ninguém parecia estranhar. Os anúncios de cabine, esses sim, parecem dizer que é mais perigoso não usar a máscara do que deixar de afivelar o cinto.
Serviço de bordo, não houve. Os comissários levavam copos de água lacrados para quem pedia.
Minha curiosidade, enfim, estava em saber como seria o comportamento assim que os motores se apagassem na chegada em Florianópolis. A nova recomendação da Anvisa para companhias aéreas é que os passageiros fiquem sentados e o desembarque aconteça em filas, da frente para o fundo da aeronave. Será que a corrida aos compartimentos de bagagem tinha se tornado coisa do passado? Ao menos no voo daquela quarta-feira, assim foi. O anúncio para que ninguém se levantasse foi obedecido e a comissária foi anunciando a liberação por fileiras: da 1 a 10, depois da 11 a 20 e, finalmente, da 21 até o final.
Mas não parou por aí. No aeroporto de Florianópolis (aliás, talvez o mais bonito e moderno que existe no Brasil atualmente), logo que passamos as portas automáticas para pegar as malas, dois funcionários da secretaria de saúde da cidade entregaram um formulário que precisou ser preenchido por todos que desembarcaram, ei-lo:
Antes de sair do saguão das esteiras de bagagem, novamente funcionários paramentados tiraram a febre de todos com a pistolinha, um segundo recolheu os formulários e um terceiro se aproximou com um borrifador contendo álcool e aplicou na mão de cada um.
A experiência em Guarulhos pode ter sido incomum, mas o voo abarrotado foi mais do mesmo. Uma coisa é certa: não vai haver assento livre nas aeronaves na retomada e o distanciamento social, se não der pra ser físico, talvez se traduza em um certo mutismo. Medo? Tensão? Não lembro de ter visto um voo tão silencioso.