Ah, o imenso volante que quase toca a barriga, os retrovisores minúsculos e arredondados, o freio de mão que se puxa do painel da frente mediante altos rangidos, as marchas distantes léguas umas das outras, o cinto de segurança duro, o cheiro de gasolina no ar… A viagem começou antes mesmo de sairmos de Lisboa – e foi no tempo mesmo. Mais especificamente rumo aos gloriosos anos 1970.
Estávamos a bordo da Latte, uma autêntica Westfalia Berlin 1979 de cor café com leite, de recheio todo original, bancos xadrezinhos, mobiliário de madeira. A promessa? Uma aventura pela costa alentejana de praia em praia, sem rumo, sem pressa (até porque é preciso parar a cada hora para esfriar o motor…).
A trilha sonora que ecoava da caixinha de som estrategicamente encaixada no painel da frente podia ser qualquer uma, mas a que mais combinou incluía de Beach Boys a Roy Orbinson. Do lado de fora, não demorou até começarem a desfilar praias de águas ora verde esmeralda, ora azuis, emolduradas por imponentes falésias. Quase ninguém à vista. O nosso endless summer aconteceu agora mesmo, em plena primavera. E eu queria que nunca tivesse acabado.
Primeira parada: São Torpes, em Sines, a pouco mais de 160 quilômetros de Lisboa. O destino foi escolhido pelas crianças por um motivo que ronda o inacreditável: as águas ali são quentinhas, beiram os 30ºC. A razão? Uma usina termelétrica instalada a poucos metros de distância, que usa as águas do mar para resfriar as turbinas. A regra é simples: quanto mais perto do pontal de pedras e quanto mais vazia a maré, mais chances do banho morno.
De lá até Porto Covo, quando o cenário começa a ficar realmente estarrecedor, são pouco mais de 10 quilômetros. O visual não varia muito (ainda bem): longas falésias recortam pequenas baías protegidas, com água sempre transparente. Anote estes nomes: Samouqueira e Serro da Águia – ambas são as praias mais incríveis dos arredores. Mais um pouquinho e a vila se esparrama no horizonte, com suas casas brancas de janelas e portas coloridas, uma única rua principal e uma pracinha cheia de charme.
Vila Nova de Milfontes é o próximo destino no mapa, e antes que se vença os quase 20 quilômetros de distância entre uma e outra, a Praia da Ilha do Pessegueiro aparece para encher os olhos. Decidimos esticar até Odeceixe, já na fronteira do Alentejo com o Algarve, e explorar este canto na volta. Chegamos quase no fim do dia e passamos a noite por lá (no próximo post vou contar tudinho).
O dia amanhece cedo numa campervan. Mal batem os primeiros raios de sol e já dá vontade de cair na estrada. O primeiro destino do dia foram as areias à beira do Rio Seixe, que desenha uma linda curva na paisagem antes de desaguar no mar da Praia de Odeceixe. Com um vento inglório, decidimos curtir as paisagens do alto dos mirantes e seguimos viagem até encontrar abrigo na praia de Zambujeira do Mar. A vilinha repete a fórmula que pontilha toda esta costa: algumas centenas de habitantes, um aglomerado de casinhas brancas encarapitadas no alto das falésias, a deliciosa sensação de ter parado no tempo. Aqui tem ainda uma cereja no topo do bolo: uma igrejinha singela debruçada sobre o mar.
Já no fim da tarde, depois de um belo cachorro-quente preparado a bordo, seguimos até Vila Nova de Milfontes para um pôr do sol espetacular em uma das praias mais sensacionais desta costa: a do Malhão, cercada de lindas dunas selvagens e distante cerca de 4 quilômetros da vila. Queridinha de quem é adepto do campismo selvagem, ela já era um estacionamento de motorhomes se preparando para passar a noite quando chegamos – mas ainda assim a tempo de cacifar um lugar estratégico para curtir o final do dia mais bonito da viagem.
Terceiro dia: hora de curtir a região e continuar subindo o litoral para chegar a Lisboa na mesma noite. Nos demoramos na Praia da Samouqueira, em Porto Covo, e fizemos um repeteco na Praia de São Torpes como despedida, até sol se pôr (nesta época, já bem depois das 20h). Com a pele salgada do mar e os pés sujos de areia, chegamos em casa tarde da noite com a sensação de ter viajado muito, mas muito mais que os 600 quilômetros que os ponteiros da nossa kombi marcavam. Uma deliciosa viagem de décadas.
Anote aí: a Latte, esta belezinha que foi a nossa casa nesta aventura, faz parte do acervo da Camper Tales, empresa de aluguel de campervans que só tem modelos históricos no portfólio. Ela acomoda até 4 pessoas. As diárias custam desde € 80. O seguro básico está incluído mediante um depósito de € 1.500 (caução), com franquia máxima de € 2.500 no caso de eventualidades. Há opções de seguros por € 10 e € 20 por dia, que diminuem tanto o valor da caução quanto da franquia. Leia mais sobre essa viagem de campervan aqui, aqui e aqui.