Roteiro: 48 horas em Salvador
Um roteiro para você descobrir o que a capital baiana tem de melhor
Alguns detalhes chamam a atenção de quem chega a Salvador, seja pelo Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães ou pela movimentada BR-324. O primeiro é certamente a enorme quantidade de cidadãos negros ou pardos, que representam quase 80% da população soteropolitana, segundo dados do IBGE divulgados em 2018. Igrejas também aparecem em profusão: são mais de 370 templos católicos que confirmam a tese de que Salvador tenha uma igreja para cada dia do ano. Misture a receita e teremos uma das marcas registradas da capital baiana: o sincretismo religioso, onde sinos de igreja soam harmonicamente com o som dos atabaques do candomblé. Uma das imagens mais curiosas é observar as rodas de capoeira sendo praticadas nas escadarias das igrejas católicas.
Não há como negar que o soteropolitano é uma figura, no mínimo, diferenciada. O jeito seguro e simpático de falar, as vestimentas coloridas, a opção preferencial pela alegria: fica fácil explicar o estrondoso sucesso do Carnaval, dos festejos que animam o ano e a formação de cultuados músicos, inovadores grupos de teatro e artistas plásticos vanguardistas.
É preciso um pouco de agilidade para conhecer apenas o básico da primeira capital brasileira em apenas dois dias. Com geografia acidentada, ruas estreitas, trânsito moroso, falta de segurança e pouco planejamento, vale muito a pena se deslocar pela cidade de táxi – eles não são muito caros.
DIA 1
O sucesso da empreitada começa com a localização do hotel. Considerando que as principais atrações estão no Centro, o ideal é se hospedar em um raio de até 7 quilômetros, nesse caso, correspondente ao Pelourinho, Santo Antônio Além do Carmo, corredor da Vitória, Barra, Ondina e Rio Vermelho. Saindo desse grupo, fique ciente que o tempo de deslocamento será bem maior.
As ladeiras do Pelourinho dão o pontapé inicial pelo tour. Patrimônio da Humanidade, representa o Centro Histórico de Salvador, com construções erguidas nos séculos 17 e 18. Veículos motorizados não são bem-vindos em suas sete ruas com calçamento de pedra. Ateliês, museus, lojinhas, restaurantes e igrejas alternam-se nas coloridas construções do Pelô. Para sua visita ser menos desgastante evite qualquer aproximação de vendedores de colar e outros badulaques que colocam fitinhas do Senhor do Bonfim no braço e dizem que é “presente”. Lembre-se que há várias lojinhas com qualidade bem superior ao oferecido pelos ambulantes – o Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, que vende artesanato de todo o estado, é um bom exemplo. Além disso, não circule com muito dinheiro e não ostente joias ou máquinas fotográficas de última geração.
Reserve a parte da manhã para conhecer as principais atrações do Pelourinho. Comece pela Igreja e Convento de São Francisco. Logo na entrada, é impossível não ficar embasbacado com o reluzente dourado do chão ao teto – a igreja barroca é uma das mais ricas em ouro no Brasil. O metal domina o ambiente, mas azulejos portugueses estão presentes no interior da igreja, ao contar a história de São Francisco de Assis, e no claustro, com personagens da mitologia greco-romana.
Do outro lado do Terreiro de Jesus, a Catedral Basílica é a segunda mais importante da cidade, mesclando barroco e renascentismo. Facilmente reconhecida pela fachada de pedra de lioz, seu interior é ornado com imagem de São Salvador no altar e uma curiosa nave em relevo com pinturas tridimensionais.
As ruas do Pelourinho trazem alguns museus. Com o tempo escasso, centre fogo no Solar do Ferrão, especializado em arte sacra e esculturas africanas, e no Museu da Cerâmica Udo Knoff, cujo acervo engloba 100 azulejos que revestiam as fachadas da cidade (nos fins de semana, o museu só abre à tarde).
Fechando o período matutino, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos fica na parte baixa do Pelourinho. Construída por escravos, seu interior é todo em madeira. Aos domingos às 10h é rezada uma missa ao som de atabaques.
Após exercitar os músculos pelas irregulares ruas do Pelourinho, seu estômago deve estar roncando. Fique tranquilo, a região é bem servida de restaurantes. Quem está disposto a comer um calórico bufê de pratos baianos, sacia sua vontade no restaurante do Senac, bem ao lado da Igreja de N. S. do Rosário dos Pretos. Moqueca de aratu (caranguejo) e o arroz de hauçá, cozido no leite de coco e servido com carne e camarão secos são duas das especialidades do Axego. Se a vontade de comer uma cocada de sobremesa for muito grande, não se incomode. Se resistir à tentação, caminhe até o Elevador Lacerda e saboreie um dos ótimos sorvetes de A Cubana – são 35 sabores. Enquanto o gelado é deglutido aproveite para observar o visual da Baía de Todos os Santos com o circular Forte de São Marcelo, erguido sobre um banco de areia, em frente e a Ilha de Itaparica bem ao fundo.
Disputando com o Farol da Barra o título de principal cartão-postal de Salvador, o Elevador Lacerda abre o período vespertino. Construído em 1873, é a ligação mais rápida entre a Cidade Alta (Centro) e a Cidade Baixa (Comércio) – bastam 30 segundos. O imponente Mercado Modelo aparece em frente, mas nem perca seu tempo, o local é um amontoado de boxes vendendo souvenires de baixa qualidade. Vire à esquerda e vá em direção à Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, feita com pedra-sabão portuguesa colada com óleo de baleia. Daqui parte a procissão para a Lavagem do Bonfim, principal marca do sincretismo religioso.
Apenas 1,5 quilômetro separam a igreja da próxima parada, o Museu de Arte Moderna. Mesmo assim, vale pegar um táxi. Localizado no Solar do Unhão, uma antiga fazenda na beira da Baía de Todos os Santos, seu acervo compreende uma vasta gama de artistas modernistas (Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi, Di Cavalcanti) e um jardim de esculturas com obras do soteropolitano Mario Cravo Júnior e do argentino com alma soteropolitana Carybé. Assistir ao pôr do sol com a baía ao fundo é um dos programais mais requisitados. Aos sábado uma jam session anima o final da tarde.
Uma vez com os dois pés na Baía de Todos os Santos, nada como regressar à noite para curtir a vista. Propício para casais, o Chez Bernard concede a melhor panorâmica e ainda se pode admirar toda a Cidade Baixa iluminada. Torça para sentar na concorrida janela, enquanto desfruta a vista na companhia de uma boa receita da cozinha francesa. Sem o impacto visual do Chez Bernard, o Amado é o melhor restaurante à beira da baía. Aqui as mesas mais disputadas ficam no deque e escunas e barcos de pesca ancorados estão bem próximos. Entre as receitas consagradas, o prato dos pescadores – um mix de frutos do mar – é sempre uma excelente pedida.
DIA 2
Após um dia bem exaustivo, você pode pensar em acordar num horário mais católico (sem exagerar, no entanto) e desfrutar com mais calma os quitutes servidos no desjejum.
Salvador tem, aproximadamente, 80 km de praias distribuídas pela Baía de Todos os Santos e o Oceano Atlântico. Poucas merecem uma visita mais acurada. Cultuada pelos soteropolitanos e intimamente ligada ao movimento tropicalista (quem sabe você não dá sorte e tope com Caetano Veloso ou Gilberto Gil), a pequena Porto da Barra separa os fortes de São Diogo e o de Santa Maria. As águas calmas formam convidativas piscinas naturais. O mais difícil será encontrar um lugar na ínfima faixa de areia.
Bem perto dali, o Farol da Barra é parada para, no mínimo, fotografias. Localizado dentro do Forte de Santo Antônio da Barra, o alvinegro farol tornou-se símbolo da cidade e citação de várias músicas referentes a Salvador. Quem se dispõe a subir os 81 degraus da torre recebe como prêmio uma bela vista e a clara percepção da divisão entre o Oceano Atlântico e a Baía de Todos os Santos. O forte ainda abriga o interessante Museu Náutico da Bahia, com peças do naufrágio de uma embarcação portuguesa.
Hora do almoço, momento de subir a forte ladeira da Avenida Sete de Setembro em direção ao arborizado trecho da via chamado de corredor da Vitória. Em uma de suas travessas, o restaurante Veleiro é especializado em frutos do mar e tem sobremesas de deixar qualquer um de queixo caído, junto com sua bela vista.
Enquanto faz a digestão, caminhe pelos corredores do Museu Carlos Costa Pinto e admire, além da ajardinada construção, o belo acervo do colecionador, como objetos da família real portuguesa e as mais de 200 peças de cristal baccarat.
Artistas consagrados, como Carybé e Mario Cravo Junior (olha a dupla aí de novo), e novatos encontram espaço na Paulo Darzé Galeria de Arte para expor e vender seus trabalhos.
A partir das 16h, uma instituição começa a ser servida em todos os cantos da cidade: o acarajé, o pomposo bolinho de feijão-fradinho frito no azeite de dendê e recheado com vatapá e camarão seco. Apesar da enorme quantidade de barracas, contam-se nos dedos a que preparam um produto de primeira linha. Aproveite que duas barracas (Dinha e Regina) ocupam o Largo de Santana, no Rio Vermelho, e rume para lá. O programa termina com um belo pôr do sol.
Como o acarajé estufou o estômago, deixe para jantar um pouco mais tarde. Outro prato típico soteropolitano é a lambreta, um grande molusco cozido com coentro e cebola e servido com o acompanhamento que mais te atrair. Um dos melhores locais para prová-lo é no bar Don Papito, em Piatã.
Se tiver mais tempo:
– Assim como Vinícius de Morais, passe uma tarde em Itapoã. Mas saiba que as praias de Flamengo e Stella Maris são mais bacanas do que a faixa de areia que encantou o poeta.
– Conheça o Museu de Arte Sacra, um dos melhores sobre o tema no Brasil e com bela vista da Baía de Todos os Santos. Como, infelizmente, a construção está em uma área muito perigosa, vá apenas de táxi.
– Surpreenda-se com as inisitadas receitas do restaurante típico Paraíso Tropical, localizado no períférico bairro da Cabula. Uma vez mais, use táxi.
– Visite o Pelourinho com mais calma, apreciando lojas, ateliês e outros museus, como a Fundação Casa de Jorge Amado.
– Nas noites de quarta-feira a domingo, o Balé Folclórico da Bahia apresenta-se no Pelourinho.