Londres: multicultural, democrática e com histórias fascinantes
O jornalista britânico David Baker conta por que a capital inglesa acolhe tanto velhos moradores, como ele, quanto quem a visita pela primeira vez
Sempre que viajo, sinto um enorme prazer em voltar para Londres. Ao contrário de Nova York, que demanda algum propósito dos visitantes, ou de Paris, que usa a beleza de forma consciente, Londres se parece com um velho amigo ou uma poltrona confortável, um lugar que fica contente em reencontrá-lo e feliz porque consegue aninhá-lo da maneira como você é.
Vivo em Londres há mais de 30 anos e a considero uma cidade para todos. Suba em um ônibus e você pode ouvir pessoas falando em dez idiomas. Caminhe pelas ruas de Kensington e Chelsea e você fica atônito diante das casas ricas e elegantes. Abra caminho entre a multidão do mercado Ridley Road, em Hackney, para ficar frente a frente com algumas das pessoas mais pobres do Reino Unido, pechinchando mandioca e feijões para alimentar suas famílias em um dos edifícios de moradia popular mantidos pelo governo ali perto.
Eu vivo entre essas duas regiões, geográfica e socialmente, em Angel, no distrito de Islington. O nome do bairro deriva de um pub, The Angel Inn, que ali permaneceu durante séculos, oferecendo aos viajantes que vinham do norte a última noite de hospedagem antes de os velhos portões da cidade se abrirem e admitirem sua entrada. O pub há muito não existe mais (embora tenha um Starbucks ali perto), e os portões da cidade só sobrevivem nos nomes das ruas próximas – Moorgate, Bishopsgate, Aldersgate – e pelo fato de que a área que eles guardavam ainda é conhecida como a City de Londres, ou, mais comumente, apenas The City.
Angel: vestígios do passado
Mas Angel ainda tem um ar de tranquilidade e descanso. O Teatro Sadler’s Wells, a um passinho da minha casa, é atualmente a principal sala da cidade para espetáculos de dança. Foi inaugurado quando a região, hoje quase no centro dos 1 500 quilômetros quadrados de Londres, não era muito mais que uma área rural. E, como muita coisa por aqui, o nome do estabelecimento conta sua história: foi lá que um certo Mr. Sadler construiu um jardim em torno de algumas nascentes (wells), onde os habitantes da encardida cidade, 2 quilômetros ao sul, podiam aproveitar ar fresco e banhos agradáveis.
A principal rua de Angel, Upper Street, tem sido um ponto para comer, beber e se divertir desde o começo do século 19. A cada semana, praticamente, um restaurante é inaugurado – embora nada parecidos com os endereços espalhafatosos para ver e ser visto do West End. Aqui, temos lugares menores, com boa comida e alto-astral. Do segundo andar do ônibus 19, você identifica restaurantes que servem comida turca, italiana e francesa, tapas espanholas, fish and chips, curries, pratos do Afeganistão e salsichas alemãs…
A arquitetura local é georgiana – data dos reinados de George I a George IV (1714-1840) e se apoiava em estilos clássicos, que remetiam diretamente à Grécia e à Roma antigas. Essas casas, contudo, não levam a assinatura de arquitetos especializados: foram erguidas por incorporadores e adquiridas na planta. Os moradores não eram ricos, mas donos de lojas ou funcionários de escritório da classe média que conseguiam morar em casa própria. Hoje, o espaço vale muito mais – o meu flat, no primeiro andar de um prédio elegante de 1810, ocupa o espaço antes dedicado à sala de estar de uma dessas famílias.
Existem muitos vestígios da vida desses pioneiros. Em algumas ruas laterais, o asfalto se desgastou e revelou paralelepípedos. A prefeitura trocou a iluminação moderna por réplicas dos postes a gás que clareavam as vias 150 anos atrás, principalmente para atrair a atenção de diretores de produção (a área é muito usada em filmagens), mas também para se integrar melhor à arquitetura da vizinhança. Olhe para baixo: nas calçadas, pisados e ignorados por milhares de londrinos todos os dias, você verá pequenos discos metálicos, com cerca de 40 centímetros de diâmetro, marcados com padrões, símbolos e, às vezes, o nome de alguma empresa. São as tampas das frestas por onde os mercadores, vindos em carruagens, colocavam o carvão diretamente no porão de cada casa. Os desenhos eram a marca registrada das diversas empresas que supriam o material. Você abria conta em uma delas e os entregadores usavam as placas para identificar quem devia receber o carregamento.
Highbury e Islington: futebol e rebeldia
A Upper Street leva a Highbury – no caminho, do lado direito, dê uma olhada na Union Chapel, que funciona como capela aos domingos e como uma estranhamente bela e peculiar casa de espetáculos nos outros dias da semana, com uma ousada programação musical.
Londres era uma cidade de vilas e arrendamentos que foi engolida e solapada pela expansão urbana, mas vários lugares continuam a exibir uma paróquia e a área comum frequentada pelos velhos moradores. Highbury foi propriedade de um nobre, e Highbury Fields, o único lugar que restou dessa época, é ótimo para um piquenique no verão, cercado de um lado por elegantes casas do fim do século 18. Mas a região é mais conhecida pela sede do time de futebol Arsenal – em dias de jogo, você pode confraternizar com os torcedores, famosos pela atitude pacífica (a violência nas arquibancadas já ficou no passado), que seguem rua acima em direção ao Emirates Stadium. O bairro dispõe, ainda, de quadras de tênis para aluguel e de uma agradável fileira de lojas ao longo do Highbury Park, incluindo a La Fromagerie, onde é possível comprar alguns dos melhores queijos de Londres.
Islington é uma parte muito diferente da cidade. Em função dos bombardeios durante a Segunda Guerra e, mais tarde, das políticas adotadas pelo governo local de esquerda, suas casas elegantes estão grudadas a blocos de moradia popular. Gosto demais disso, porque é quase como um microcosmo de Londres. No final da Upper Street, perto da estação Angel do metrô, vá ao Chapel Market e você disputará espaço com pessoas de todos os níveis econômicos e sociais, sem contar feirantes nascidos na França, Espanha, Somália ou no Afeganistão. Em minha própria rua existem empresários milionários e famílias desempregadas vivendo lado a lado.
Esse senso de mistura boêmia desenvolveu-se em Islington na década de 1970, quando artistas que precisavam se estabelecer em algum lugar compravam e reformavam as casas decadentes de Highbury e ao lado do canal que corta o bairro. Muita gente que vive aqui conserva um senso de rebeldia ao mesmo tempo em que se engaja para tentar fazer um mundo melhor – embora agora isso esteja começando a mudar. Não sei muito bem o motivo. Pode ser porque as únicas pessoas que dão conta de viver por aqui hoje em dia sejam muito bem pagas. Ou porque o país tem se tornado menos sensível à vida em comunidade. Não tenho certeza, mas, se for por causa disso, o Reino Unido está perdendo muito.
“Sempre recomendo para quem vai pra Londres ficar atento para a programação da Royal Academy of Dance. Tem balé clássico e também apresentações da London Contemporary Dance School. São espetáculos emocionantes até para quem não tem familiaridade com dança.” – Sarah Oliveira, apresentadora no canal GNT
Clerkenwell e King’s Cross: lofts e comida boa
Angel limita-se do lado leste com Dalston e Hoxton, as áreas hipster da cidade, e ao sul e a oeste com Clerkenwell e King”s Cross. Por muitos anos, Clerkenwell era o distrito dos relojoeiros e das gráficas de Londres, assim como endereço de enormes destilarias de gim. Quando se mudaram para espaços maiores nos arredores da cidade, as fábricas e os depósitos ficaram vazios. Em meus primeiros anos aqui, nos fins de semana, você podia caminhar pela St. John Street (a rua principal entre Angel e The City) sem ver uma única alma. Então, no fim dos anos 1980, a lei de zoneamento permitiu aos proprietários transformar os edifícios industriais em escritórios e residências – foi quando teve início a cultura dos lofts.
A St. John Street é, hoje, uma agitada mistura de apartamentos descolados e agências de publicidade. E, na extremidade sul da rua, o restaurante St. John coloca para escanteio o conceito de que não há comida boa na Inglaterra. O cardápio tem aves, a exemplo de faisão e tetraz, além de peixes e frutos do mar, como lúcio e ostras, alimentos clássicos da cozinha britânica durante séculos. E a casa ainda faz um plum pudding, doce tradicional na época do Natal, que deixa qualquer um de queixo caído. Comer cordeiro, pato ou bochecha bovina, aqui, é tão bom quanto comer moqueca na Bahia.
A St. John Street dá no Exmouth Market, uma agradável rua exclusiva de pedestres com ainda mais restaurantes e cafés. Experimente o Moro, para a esplêndida cozinha da Andaluzia, ou o Caravan, para um reforçado brunch com café excelente. Na outra extremidade fica o Smithfield Meat Market, que, por mais de 800 anos, tem sido o centro do comércio atacadista de carnes na cidade. Até uma boa parte do século 19, o gado descia a Upper Street para ser abatido, e o mercado ainda é o lugar em que os açougueiros e donos de restaurante se abastecem. No fim da Upper Street, ainda se vê o piso elevado construído para proteger os pedestres do esterco deixado pelas vacas a caminho da morte. Em qualquer um dos pequenos açougues da vizinhança, você pode comprar algumas linguiças ou a carne para o assado de domingo.
A oeste de Angel está King’s Cross, conhecido principalmente pela enorme estação de onde partem trens para o norte do país e para a Escócia. Como acontece perto de muitas estações ferroviárias, o entorno de King’s Cross já foi inóspito e desleixado. Ao sul, a Argyle Square era famosa por concentrar skinheads neonazistas. Mas isso ficou para trás, graças principalmente ao ressurgimento da vizinha estação St. Pancras, que é de onde o Eurostar parte para Paris, Bruxelas e Amsterdã, atravessando o túnel de 50 quilômetros construído sob o Canal da Mancha. Há muito tempo que já possível viajar do centro de Londres ao centro de Paris em duas horas e meia e, para aqueles de nós que gostam da ideia de ser europeus (e muitos britânicos não gostam), Londres parece mais continental e menos relegada à periferia da Europa [essa reportagem foi escrita antes do Brexit].
Quando o Eurostar surgiu, oferecia um bilhete chamado Clubbing Return, na tentativa de encher alguns lugares dos trens vazios. Por quase nada (acho que era cerca de £ 20), você saía de Londres depois das 16 horas no sábado e voltava em um dos primeiros carros na manhã seguinte, com os olhos embaçados e exausto depois de uma noite em alguma balada parisiense.
De volta a St. Pancras, dê uma espiadinha no St. Pancras Hotel, negligenciado e abandonado por muito tempo, mas restaurado ao esplendor vitoriano quando a estação recebeu o Eurostar. Os londrinos têm o maior orgulho dessa excêntrica arquitetura gótica vitoriana; porém, pra falar a verdade, eu não gosto do prédio. Acho que é muito espalhafatoso. Mas estou em minoria de um – acho que só eu penso assim. O restaurante se abre para a plataforma onde ficam os trens; entretanto, hoje em dia, é claro, não dá para simplesmente dar uma escapada e embarcar. Existe um labirinto de controles de passaporte e guichês de segurança.
“Em Notting Hill, as cores das construções, os músicos de rua e as feirinhas dão ao bairro um ar psicodélico e sempre festivo. O famoso Portobello Road Market acontece aos sábados, mas fica muito lotado de turistas. Prefiro caminhar pelas ruas nos dias de semana, almoçar no Mediterrâneo (37 Kensington Park Road) e ver a Notting Hill Bookshop (4, Blenheim Crescent), do filme Um Lugar Chamado Notting Hill.” – Martha Medeiros, escritora
Bike, tube e sobretudo a pé
Andar por Londres, ao contrário de muitas cidades grandes, é um prazer. Não dê ouvidos a quem diz que você precisa de carro. O trânsito costuma ser muito lento – embora os moradores de São Paulo possam se sentir em uma pista de corrida. No Centro, para deslocamentos curtos, é possível alugar uma bicicleta em muitos postos automáticos do Santander. Os veículos são conhecidos como Boris bikes (“bicicletas do Boris”), pois quem os introduziu foi o então prefeito Boris Johnson (apesar de a ideia ter sido de seu antecessor, Ken Livingstone).
Se andar de bicicleta parece muito assustador – e isso realmente pede que você pedale por ruas mais tranquilas e tenha destreza -, embarque no metrô (conhecido como the tube) ou em um ônibus. Ao contrário de muitas cidades brasileiras, os ônibus aqui são seguros e dirigidos na velocidade normal. Desde que Londres introduziu um pedágio, em 2003, para reduzir o trânsito, os ônibus circulam pontual e tranquilamente, e é uma delícia sentar-se na parte de cima para curtir a vista da cidade. Os routemasters, famosos veículos de dois andares com uma plataforma aberta na parte de trás que permitia às pessoas entrarem e saírem, foram desativados há alguns anos, por motivos de segurança. Mas a gritaria foi geral e, agora, estão retornando com um design mais moderno em algumas rotas.
“Longe dos agitos da outra ponta da cidade, East London virou o bairro queridinho dos jovens. Possui variedade de atrações, pubs e estilo de vida tipicamente londrino. O Albion Café (2-4 Boundary Street) tem o verdadeiro brunch da terra da rainha. Aos domingos, é possível conhecer o Columbia Road Flower Market, com cafés, lojinhas e música ao vivo, ou a feirinha de antiguidades do bairro.” –
Kadu Dantas, do Blog do Kadu
Bloomsbury e desculpe qualquer coisa
Para ver a revitalização de Londres em ação, siga rumo ao norte, a partir de King’s Cross, para onde o Canal de Islington sai de um túnel e serpenteia por Camden e o oeste. Aqui costumava ser uma terra de ninguém, com galpões de estrada de ferro abandonados e gasômetros vazios. Hoje, é endereço da Central St. Martins School of Art, de restaurantes e apartamentos bem descolados. Para mim, porém, bem mais interessante é a área ao sul de St. Pancras, onde uma série de belas praças pontua o caminho até a Oxford Street.
Nesse trajeto, você topará com o bairro de Bloomsbury, que, no início do século 20, abrigou o grupo homônimo de artistas e escritores que circulavam em torno de Virginia Woolf e E.M. Forster. Hoje, boa parte foi tomada pela Universidade de Londres – confira a austera Senate House, que inspirou serviu de inspiração para George Orwell criar o Ministério da Verdade, no livro 1984. Ali perto fica a sede londrina da School of Life, onde eu trabalho, e alguns excelentes sebos de livros, como o ótimo Skoob. Mas a principal atração, aqui, é o British Museum, o melhor de Londres e totalmente grátis.
O British Museum começa na esquina sudoeste da Russell Square; no caminho, vale desviar até o canto noroeste para obter a prova de que a herança feudal da aristocracia britânica ainda é capaz de se impor. O moderno edifício de tijolos que você vê aqui faz parte da universidade – é o da Brunei Gallery, da School of Oriental and African Studies -, mas o terreno pertence aos duques de Bedford, cujo sobrenome é Russell (daí a praça). Quando o prédio terminou de ser construído, em 1995, descobriu-se que a universidade ergueu a obra sem permissão da família e, tecnicamente, poderia ter que demolir tudo. Os duques, porém, pediram outra coisa: que uma placa de pedra fosse presa à parede do edifício, de frente pra praça, pedindo desculpas pela falta de respeito da universidade. Sempre dou um sorrisinho quando passo na frente dela. Nós, britânicos, usamos a palavra “desculpe” centenas de vezes por dia, mas essa é a única desculpa que conheço que foi, literalmente, gravada na pedra.
O Império Britânico é fonte de muitos objetos à mostra no British Museum, e poucas outras instituições conseguem exibir um panorama tão impressionante das conquistas da raça humana. Por ser de graça, a melhor maneira de visitá-lo é ver duas ou três coisas e voltar outro dia para aproveitar mais. Todos têm sua ala preferida e, enquanto muita gente vai até lá para conferir as famosas frisas do Parthenon, que a Grécia ainda tenta obter de volta, gosto mais da ala assíria, onde relevos esculpidos no século 6 a.C. contam a história de uma majestosa caçada real a um leão, e da arte africana pré-colonial.
Enquanto caminha pelo museu, pare na área central, aberta: no meio, existe um espaço cilíndrico para exposições especiais. Antes de a British Library mudar-se para perto da estação St. Pancras, esse era o famoso Round Reading Room da biblioteca, centro intelectual de Londres por mais de 100 anos, usado por gente como Karl Marx, Mahatma Gandhi, George Orwell, George Bernard Shaw e H.G. Wells. As novas instalações são bem confortáveis, mas frequentadores mais antigos (como eu) sentem uma nostalgia carinhosa do aroma perene de poeira e verniz e do estranho eco de tosse, páginas viradas e lápis riscando papéis que garantiam a trilha sonora de qualquer pesquisa na velha sala de leitura.
Se você sair do British Museum pela entrada norte e virar à esquerda, estará na Bedford Square, uma das praças mais agradáveis de Londres. A lástima é que não é possível passear no jardim central: ele está reservado aos moradores e trabalhadores da vizinhança. Da praça, você pode seguir na direção sul para o Soho e o começo do West End.
“Uma das coisas que mais me chamam a atenção em Londres é a quantidade imensa de parques e praças: são espaços ao ar livre lindos, agradáveis e fundamentais para dar personalidade à cidade. Entre todos, o meu favorito é o Hyde Park. Delicioso pra curtir um bom livro, fazer piqueniques, dar uma corridinha, ou, simplesmente, ficar de bobeira.” – Cláudio Manoel, Humorista e ex-Casseta & Planeta
Soho e o sexo
Quando Londres era uma cidade murada, a família real vivia onde hoje ficam Westminster e as Houses of Parliament – o Soho era usado como parque para caçadas (de acordo com alguns, o nome do bairro é uma imitação do grito de caça). No século 17, essa parte da cidade era habitada principalmente por huguenotes fugidos da perseguição na França, e há uma bela igreja protestante na Soho Square.
Mas fale a qualquer londrino a palavra Soho e ele vai responder “sexo”, já que, desde o século 20, esse é o playground erótico da cidade. O bairro começou a ser conhecido nos swinging sixties, época dos Beatles, do movimento paz e amor e da revolução hippie, e, graças aos moradores italianos, deu à cidade seus primeiros cappuccinos (batizado, então, de “café com espuma”), espeluncas ilegais para beber no fim da noite e bordéis encardidos no primeiro andar das casas. Durante décadas, a administração do Westminster Council, que cuida dessa parte da capital, tentou moralizar a área, mas a região se manteve firme e se tornou um destino gay até que os homossexuais de Londres (entre os quais eu me incluo) descobrissem as alegrias de frequentar os clubes cavernosos ao sul do rio, em Vauxhall.
Nos últimos anos, o Soho manteve resistência resoluta diante dos burocratas engomadinhos da prefeitura, mas, hoje, a lascividade tem regredido, derrotada não por causa do moralismo (os londrinos realmente não dão a mínima para o que as pessoas fazem na cama), mas porque o aluguel está aumentando. Essa é uma área nobre de uma cidade cara e, como as prostitutas e os donos de bares devem estar cientes, é difícil competir com drinques mais baratos comprados nos supermercados e encontros casuais combinados por aplicativos.
Você consegue ter uma visão do passado boêmio do Soho na maravilhosa casa de chás Maison Bertaux (suba as escadas e delicie-se com o autêntico chá inglês e patisserie francesa), no Algerian Coffee Stores, que vende saborosas linhas de chá e café a granel desde 1887, e na Lina Stores, uma das últimas delicatessens italianas em uma região que trouxe a comida italiana para Londres.
Foram feitas várias tentativas de manter a boemia luxuriante do Soho, mas, infelizmente, ela está com os dias contados. Vá agora, antes que a última prostituta seja despejada e substituída por mais uma agência de publicidade.
“Meu cartão-postal preferido em Londres é a Abadia de Westminster, que fica bem perto do Big Ben e do Parlamento inglês. Esta imponente igreja gótica é onde os monarcas britânicos são coroados e enterrados. Também guarda o túmulo dos famosos cientistas Isaac Newton e Charles Darwin.” – Cacá Bueno, piloto de stock car
Hampstead Heath: lago para todos
Longe do alvoroço, Hampstead Heath é uma enorme expansão de área rural no meio da cidade. Tem 320 hectares de colinas, matagais com árvores velhas, arbustos raquíticos e três lagos (um para homens, outro para mulheres e o terceiro, unissex) para onde, há séculos, os habitantes vão para nadar, paquerar e aproveitar o ar fresco. No verão, é um dos lugares preferidos de gays e judeus ortodoxos, dois grupos que ignoram um ao outro de maneira displicente enquanto dão braçadas na água marrom e um pouco suja – é possível distingui-los apenas pela escolha da roupa de banho (sungas versus calções disformes de náilon) e pelo físico (os gays costumam frequentar bem mais a academia).
Comecei a nadar na Highgate Men’s Pond, a Lagoa dos Homens, logo que cheguei a Londres, alguns anos atrás, também no inverno, e me tornei parte de um grupo levemente excêntrico que sente prazer em pular na água quando ela está quase congelando. E prazer é a palavra. Nada pode descrever a euforia de estar em contato tão próximo com a natureza. Você divide o lago com aves como patos e frangos-d’água e, à medida que o ano segue, pode acompanhar a passagem do tempo por meio das árvores, dos botões viçosos na primavera aos galhos desnudos dos cinzentos invernos londrinos. Mas a verdadeira beleza desse lugar, e por isso a Lagoa dos Homens é meu ponto preferido na cidade, é a sociabilidade dos frequentadores. Em uma manhã de dezembro, anos atrás, três de nós conversavam bem-humorados sobre a temperatura enquanto nossos corpos nus e rosados soltavam aquela fumacinha. Então me dei conta: um dos homens era um operário que não estava em seus melhores dias. Acho que morava num quarto minúsculo em uma das partes mais pobres da cidade. O outro era presidente da Suprema Corte, o juiz com o maior cargo hierárquico no Reino Unido. Não consigo pensar em nenhum outro lugar do mundo onde nós três estaríamos conversando de igual para igual. Mas ali, literalmente despidos e relegados à nossa humanidade básica, descobrimos um elo comum. Highgate Men’s Pond é um lugar mágico, e toda vez que vou para lá percebo por que Londres é, simples assim, a melhor cidade do mundo.
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