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Brighton, Reino Unido: o que fazer, quando ir, quanto tempo ficar

Um guia com a história e as dicas essenciais para a cidade mais festeira da Inglaterra - e um bate-volta certeiro a partir de Londres

Por Felipe van Deursen
Atualizado em 30 ago 2021, 12h06 - Publicado em 30 out 2019, 15h13

Uma pacata vila de pescadores que atraiu uma galera festeira nos anos 70 e, a partir de então, se transformou em um destino de curtição à beira-mar. Temos histórias assim no Brasil. Mas, por se tratar de Europa, precisamos de um zero a mais. Então, anos 1700. E a turma baladeira não era liderada por hippies de cidade grande, mas por um príncipe. Bem-vindo a Brighton, cidade de fama festeira, mas encantadora também para quem só quer relaxar – e uma ótima pedida para um bate-volta ou uma esticada maior a partir de Londres.

ROYAL PAVILION, O CHARME DO EXAGERO

George, príncipe de Gales, visitou Brighton pela primeira vez em 1783. Era para ser uma viagem terapêutica, em busca das benesses do mar para a saúde, em tempos em que um banho de água salgada era assunto médico, não turístico. Mas George era um sujeito extravagante, fã de artes e da boa vida. Encantou-se com o clima da cidadezinha litorânea, tão perto e ao mesmo tempo tão distante das chatices burocráticas de Londres, e passou a ir cada vez mais. Encomendou uma vila próxima à costa, toda decorada com objetos orientais, em especial chineses.

Em 1811, George tornou-se príncipe regente, e sua casinha de praia precisaria de uma ampliação, digna de sua nova condição. Quatro anos depois, ele encomendou a obra a John Nash, o grande arquiteto britânico do período, responsável também pelo palácio de Buckingham.

Nash materializou toda a opulência e o deslumbramento do período, conhecido como Regência Britânica, nesse novo palácio, o Royal Pavilion. Por fora, domos e minaretes simulando uma arquitetura indiana. Por dentro, salões nababescos inspirados na China. Como nem George nem Nash estiveram nesses países, o produto final não é uma genuína construção asiática (se é que isso existe), mas sim um palácio inglês com uma rocambolesca cobertura oriental.

O Royal Pavillion, único palácio da monarquia que não pertence à família real britânica
O Royal Pavillion, único palácio da monarquia que não pertence à família real britânica (Neale Clark / robertharding/Getty Images)

A corte do príncipe o acompanhou e também ergueu casas próximas da orla, em um estilo arquitetônico que ficou conhecido como regencial. Tudo isso mudou drasticamente a paisagem da cidade, cuja população saltou de 3 mil em 1786 para 40 mil em 1831. 

Brighton virou um lugar de festas, jogos e certa libertinagem. George teve um casamento infeliz e uma série de amantes. A mais especial delas, Maria Fitzherbert, ganhou uma casa convenientemente perto do Pavilion. Mas, em 1820, a vida do príncipe regente mudou de novo e ele virou o rei George IV. Os afazeres reais e a saúde, cada vez mais frágil, o afastaram do palácio. 

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Ele morreu em 1830, deixando o trono para o irmão, Guilherme IV, um sujeito pacato e menos glamouroso, mas que também curtiu o Royal Pavilion. Já a sobrinha e herdeira, a jovem Victoria, por sua vez, era muito mais família e recatada que o tio mais velho e se sentia desconfortável naquele “pequeno” e extravagante palácio. Acabou vendendo a propriedade à cidade de Brighton, que viria a transformá-lo em museu.

Um dos salões do Royal Pavilion. Prepare-se para uma overdose de ostentação
Um dos salões do Royal Pavilion. Prepare-se para uma overdose de ostentação (Royal Pavilion/Reprodução)

O Royal Pavilion é uma construção única. É um palácio real, mas não pertence à monarquia, e sim ao município e, consequentemente, ao povo. É um símbolo de uma Inglaterra que queria dominar o mundo e de uma realeza que não sabia mais o que fazer com tanto dinheiro. É a pedra fundamental de uma das cidades mais liberais do planeta.

Por tudo isso, o palácio é sem dúvida a maior atração de Brighton. Talvez você torça o nariz para esse Taj Mahal de mentira encravado no litoral britânico, como se fosse a versão imperial de uma dessas mansões francesas de gosto duvidoso que se espalham em condomínios brasileiros.

Royal Pavilion: detalhe dos lustres na Sala de Música
Royal Pavilion: detalhe dos lustres na Sala de Música (Royal Pavilion/Reprodução)

Mas depois de visitar o salão de banquetes, a grande cozinha, o salão de música (onde até Rossini se apresentou) e os quartos, depois de prestar atenção ao detalhes do lustre de quase uma tonelada e observar o teto com 10 mil pequenas folhas douradas sobrepostas que dão ilusão de profundidade, depois de ouvir as histórias do áudio-guia sobre as festas que aqueles lustres em forma de dragões iluminaram, você provavelmente vai sentar no jardim do palácio e admirar esse espetáculo.

A Sala de Banquetes do Royal Pavilion.
A Sala de Banquetes do Royal Pavilion (Royal Pavilion/Reprodução)

 

Mas Brighton não é só o Royal Pavilion. Ela é referência para vegetarianos e ambientalistas. É a capital gay da Inglaterra e a cidade mais hipster do mundo, segundo o International Hipster Index (sim, isso existe). O hedonismo e a boemia atravessaram os séculos e abraçaram as gerações seguintes. Shows de rock e raves históricas sacudiram as pedras de sílex da praia. Punks e hippies velhos, metaleiros de meia-idade e jovens hipsters convivem nessa agradável cidade litorânea e universitária que, mesmo com tamanha efervescência cultural e sendo relativamente grande (230 mil habitantes), exala frescor e tranquilidade. 

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Para se ter uma amostra do tamanho de Brighton no imaginário britânico, pegue a nota de dez libras, com o rosto de Jane Austen. Em Orgulho e Preconceito, a escritora, contemporânea do príncipe George, descreveu a cidade através dos olhos de Lydia, a espevitada irmã mais nova da protagonista, Elizabeth: 

Na imaginação de Lydia, uma visita a Brighton compreendia todas as possibilidades de felicidade terrena. Ela via, com o olhar criador da ficção, as ruas daquela alegre cidade balneária repletas de oficiais. Imaginava-se o centro de atenção de dezenas e centenas deles. Via todos os esplendores do campo militar, as barracas estendendo-se em belas filas regulares, povoadas de jovens alegres, resplandecentes nas suas túnicas vermelhas; para completar a cena, via a si mesma sentada sob uma dessas barracas, namorando pelo menos seis oficiais ao mesmo tempo.”

PALACE PIER: DIVERSÃO NOSTÁLGICA NA PRAIA

O Royal Pavilion pode ter sido a faísca libertina, mas o grande símbolo festivo do balneário é seu píer centenário. Inaugurado em 1899, o Brighton Palace Pier é uma bela estrutura vitoriana com 540 metros de comprimento dedicados, desde o princípio, ao entretenimento. As primeiras máquinas do parque de diversão chegaram em 1905, e até hoje o píer conserva essa atmosfera do começo do século passado.

As atrações são de um típico parque de diversão de cidade pequena. Tudo meio simplório, mas com aquele charme irresistível de carrossel antigo, carrinho bate-bate e trem-fantasma tosco (quando fui, a atração foi interrompida no meio e precisei ser escoltado de volta, a pé, pelos trilhos, observando os hilários monstros de baixo orçamento).

Brighton Pier, símbolo da diversão praiana da cidade
Brighton Pier, símbolo da diversão praiana da cidade (Westend61/Getty Images)

A pulseirinha que dá direito a todos os brinquedos custa £ 37,50. É caro, vale a pena se você for um aficionado por parques de diversão. Nesse caso, não deixe de ir na montanha-russa, que proporciona uma bela vista da orla. No mais, dá para se divertir bastante apenas flanando pelo píer. Gaivotas tentam a todo momento roubar sorvetes, idosos tomam sol em típicas cadeiras de sol listadas, motoqueiros barbudos se esbaldam nos fliperamas.

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O Palace Pier ainda tem lojinhas, bares e restaurantes. Não resista ao clichê e coma o bem servido fish & chips do Palm Court, um dos restaurantes mais tradicionais de Brighton. Entre os drinques, se quiser ousar um pouco, vá de G&T booster, um gim tônica com Brighton rock, típico docinho cilíndrico que, à medida que derrete, mistura o açúcar ao amargo da água tônica. Bom para admirar a vista do Canal da Mancha (ou melhor, Canal Britânico, como ele é chamado no Reino Unido).

Por falar em vista, a mais impressionante é a da i360, uma torre de 162 m de altura que sobra no céu diante dos poucos prédios de Brighton. Bem em frente à torre fica o esqueleto abandonado do West Pier. Ele foi fechado na década de 1970 e resistiu até os anos 2000, quando tempestades e incêndios o reduziram a uma melancólica estrutura metálica que paira, fantasmagórica e fotogênica, no mar. 

O contraste entre a ostentação da torre com a decrepitude do píer é marcante. E ver isso é de graça, basta caminhar na praia para ficar entre ambos.

O i360 tem uma vista de 360º de Brighton
O i360 tem uma vista de 360º de Brighton (i360/Divulgação)

A praia de Brighton é de pedras. Ela não é um suprassumo de beleza natural, mas é um passeio que vale pela diversidade dos seres humanos e pelos sons incessantes dos seres alados. Dar um mergulho? Só se for fã de água fria. Fora que a temperatura máxima média no verão é de 21ºC, longe de ser um calorão. Ficar só na praia é um entretenimento mais garantido. Se não tiver paciência de caminhar sobre as pedrinhas (mais chato do que andar nas nossas praias de areia), vá pelo calçadão, salpicado de bares e restaurantes.

A praia de pedrinhas de Brighton e as típicas espreguiçadeiras listradas
A praia de pedrinhas de Brighton e as típicas espreguiçadeiras listradas (Willi Heidelbach/Pixabay)

LANES E NORTH LAINE, O CORAÇÃO HIPSTER

O bairro mais legal para comer, beber, fazer compras e andar por aí é o Lanes e seu vizinho de cima, North Laine. Trata-se de uma charmosa área de ruas estreitas e casinhas geminadas inglesíssimas convertidas em lojas, cafés, bares e afins. Há lojas de discos robustas, como a Rarekind e a Resident, que dedica boa parte do espaço a CDs, essa mídia quase esquecida no resto do mundo, mas não na “cidade mais hipster de todas”.

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Os brechós merecem uma visitinha. Em um deles, To be Worn Again, paguei £ 5 por uma camisa havaiana nada discreta, que poderia estar no guarda-roupa do artista que nos anos 2000 se tornou um embaixador cultural de Brighton: Fatboy Slim. Em 2002, ele fez um show na praia que marcou a cidade. Era para ser um evento de 60 mil pessoas, atraiu 250 mil e virou caso de polícia. O DVD da festa, Big Beach Boutique II, tocava à exaustão em bares no Brasil na década passada. 

Mas a relação de Fatboy Slim com a cidade não se limitou às raves na praia. Ele mora em Hove, cidade vizinha que, em 2001, se juntou a Brighton (por isso o nome oficial do município é Brighton and Hove). É sócio minoritário do time local, o Brighton and Hove Albion. Em 2017, o clube subiu para a primeira divisão do Campeonato Inglês após mais de 30 anos longe da Premier League e Fatboy fez um show surpresa para comemorar. O DJ participa de uma série de atividades locais e, em 2013, abriu um café, o Big Beach, em Hove. No ano passado, ele comandou uma festa no alto da i360. O visual é bem inspirado e o vídeo está na íntegra no YouTube

Lanes também é onde se encontra o melhor da comida vegetariana, uma marca local. Há um punhado de opções, mas, para um jantar mais especial, vá ao Terre a Terre, um dos melhores vegetarianos do Reino Unido. Da entrada à sobremesa, eu não senti a menor falta de carne.

Pratos do Terre-A-Terre, todos vegetarianos
Pratos do Terre-A-Terre, todos vegetarianos (Terre-A-Terre/Reprodução)

Para algo mais internacional, em um ambiente mais jovem, o Chilli Pickle é um indiano focado em saladas, kebabs, comida de rua e uma série de temperos, às vezes fugindo dos clichês mais picantes. Sabe a tal “explosão de sabores”? Eis um bom lugar para senti-la.

Agora, se tiver só uma noite e quiser algo bem brightoniano, o tiro certo é o tradicional English’s of Brighton. É o mais antigo restaurante de frutos do mar da cidade, fica em uma pracinha fofa do bairro e, apesar de seu ambiente estiloso, meio Belle Époque, é um lugar acolhedor e familiar. Nas paredes, há fotos autografadas de artistas que por lá passaram, de Charlie Chaplin a Judy Dench.

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Quer experimentar algo tradicional em Brighton? Então vá ao charmoso English’s of Brighton
Quer experimentar algo tradicional em Brighton? Então vá ao charmoso English’s of Brighton (English’s of Brighton/Reprodução)

No banheiro masculino, você notará uma ausência notória nas fotografias. Os Leigh-Jones, família que toca o barco desde 1945, emolduraram, bem-humorados, um e-mail enviado a eles por Ian McKellen. O ator, por meio de seu estafe pessoal, solicitava a remoção de sua foto, “que nunca envelhece”. Ele argumentou que quando a vê em paredes de restaurantes se lembra “dos franceses que gostam de colocar fotografias de parentes mortos nas lápides”.

O hambúrguer de hadoque defumado e casquinha de siri no pão com carvão ativado é tão colorido e diferentão quanto delicioso. Custa £ 20, mesma faixa de preço dos outros pratos principais. Depois de comer, uma caminhada pelo Lanes ou pela orla, ali pertinho, é uma boa.

O hambúrguer de hadoque com casquinha de siri no pão de carvão ativado do English’s of Brighton: delicioso
O hambúrguer de hadoque com casquinha de siri no pão de carvão ativado do English’s of Brighton: delicioso (English’s of Brighton/Reprodução)

COMO IR, QUANDO IR, QUANTO TEMPO FICAR

O verão, definitivamente, é a estação de Brighton, como é de se imaginar. Mas mesmo em dias de céu limpo, o vento no píer pode ser bem gelado, então não vá achando que o calor é figurinha fácil por lá. 

Para chegar à cidade, o meio mais prático é o trem. O Southern Railway sai a cada 30 minutos da estação Victoria, em Londres. A viagem, cheia de paradas e meio sem graça, dura cerca de uma hora. O aeroporto mais próximo é o Gatwick e apenas meia hora de trem separa o terminal da estação de Brighton.

A proximidade e o fácil acesso fazem de Brighton um bom bate-volta de Londres. Em um dia, dá para conhecer o Royal Pavilion, o Pier Palace e dar uma volta na praia e nas lanes. 

Mas a cidade merece um tempinho a mais. Se passar duas ou três noites, tente reservar um dia para um passeio pelos condados de East Sussex (onde fica Brighton) e o vizinho, West Sussex. As paisagens bucólicas de mar e campo do Parque Nacional South Downs são um lindo descanso para a vista, com ovelhas e gralhas em pastos com celeiros dos tempos de outros reis. Os maiores destaques são as Seven Sisters, série de falésias de giz (rocha calcária típica da Inglaterra) que se debruçam a até 140 m sobre o mar.

Ainda na área do parque, vale a pena ver também o Long Man of Wilmington, misterioso desenho de um homem de 72 m na encosta de um morro. Por muito tempo se acreditou que a figura datava da Idade de Ferro, com alguns milhares de anos. Mas um estudo mostrou que ele é bem mais jovem, tem no máximo 600 anos. Isso não diminuiu seu apelo, e o Long Man segue sendo uma figura popular na região: é símbolo de uma cervejaria instalada ali pertinho, atrai seguidores do neopaganismo e também alguns vândalos. Em 2010, o homem gigante ganhou um pênis gigante, que levou alguns dias para ser apagado.

No vilarejo de Litlington, há outra figura rabiscada em um morro, o White Horse, do século 19. Não deixe de conhecer o centenário Plough and Harrow, country pub que serve delícias típicas do condado.

Outro ponto importante é Devil’s Dyke, vale de 100 m de profundidade que já era atração turística nos tempos da rainha Vitória. Para quem está acostumado com os mares de morros brasileiros, a vista encanta menos do que a que você tem de costas, para os belos bosques e pradarias de Sussex.

Ao chegar ao Devil's Dyke, esta é a vista para o condado
Ao chegar ao Devil’s Dyke, esta é a vista para o condado (Rob Maynard/Getty Images)

A Brighton & Beyond organiza passeios para essas atrações à beira-mar e no interior dos condados. Os tours partem de Brighton e também de Londres. 

Seja se jogando na colorida noite à beira-mar ou admirando a beleza melancólica do farol sob as Seven Sisters, Brighton pode atrair uma grande diversidade de turistas. Na mais liberal das cidades inglesas, isso faz todo sentido. 

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