Roteiro na Holanda: dez dias perfeitos pelo país
Em dez dias é possível explorar a gloriosa capital Amsterdã e esticar até Haia, Roterdã, Utrecht e, de março a maio, ao fantástico Jardim de Keukenhof
Amsterdã
Dos poéticos canais no Centro Histórico às inovações dos bairros periféricos, a cidade irradia o lifestyle de uma gente esguia, fissurada por orgânicos, jeans e, sim, bikes
Pelejar além da conta é algo que atenta contra os princípios do holandês. Com jornadas enxutas de labuta, compensadas com altíssimo rendimento, os holandeses podem se gabar de uma qualidade de vida invejável. Pulsando a um ritmo ameno para os padrões capitalistas, em que trabalhar depois das 17h é exótico, Amsterdã é a grande vitrine do lifestyle dessa gente loura e esguia (os mais altos do mundo) que, na grande maioria das vezes, passa bem longe dos clichês mundanos que inevitavelmente associam a cidade aos esfumaçados coffee shops e às moçoilas por trás das vitrines do Red Light District.
“O maior erro é vir procurando essa cidade doidona estereotipada e não olhar a Amsterdã que está aqui”, diz o amsterdammer brasileiro Daniel Duclos, o blogueiro por trás do bem-sucedido Ducs Amsterdam. “A cidade é riquíssima histórica e culturalmente, e além do mais tem uma escala humana, manejável, com edifícios de poucos andares, o que contribui para que não seja opressiva”, conta Ducs.
Plana e compacta, a capital holandesa soma cerca de 500 quilômetros de ciclovias. Diariamente, 550 mil de seus 800 mil habitantes se deslocam de bicicleta. Os locais têm tolerância e senso de humor para lidar com os forasteiros que se aventuram. “Os amsterdammers são muito ninjas e conseguem enxergar um turista avoado a quilômetros de distância para desviar”, diz o blogueiro.
Ainda assim, segundo ele, é altamente recomendável observar os costumes locais e evitar pedalar no ritmo “estou em férias” para não se tornar um obstáculo no caminho de quem está indo ao trabalho, buscando o filho na escola, voltando do dentista, enfim… apenas tocando a vida.
Orgânicos e jeans
Pelo centro da cidade você verá as famigeradas lojinhas da rede Febo, onde ícones da baixa gastronomia como croquetes (pior é que são bons) e hambúrgueres são vendidos em máquinas. É provável ainda que sucumba ao ícone-mor da cozinha local, a batata frita, vendida em cones enormes, quase sempre com uma farta dose de maionese em cima (pior que também é bom). Mas, com um olhar mais atento, você verá que, na hora do almoço, os lugares que realmente triunfam com os locais são aqueles de comida orgânica, saladas e naturebices.
Repare como há pouca gente de terno circulando pelas ruas. E não é que o jeitão relax de Amsterdã ganhou uma injeção de ares cosmopolitas na última década justamente graças à indústria do jeans? Seduzidas por isenções de impostos e pela posição geográfica estratégica da cidade, no centro da Europa, marcas como Calvin Klein, Tommy Hilfiger, Levi”s e Diesel fixaram seus escritórios de criação na capital holandesa.
Atualmente, 2 600 empresas da indústria da moda estão estabelecidas na cidade, o que acabou atraindo designers e afins do mundo inteiro. “Hoje em dia temos uma indústria da moda extremamente criativa e profissionalizada, mas continuamos a ser uma pequena vila global em que podemos equilibrar trabalho e vida pessoal”, diz Mariette Hoitink, figurinha carimbada do universo fashion local e uma das fundadoras da Jean School, a primeira escola superior 100% voltada para o denim, inaugurada em 2012.
Todo ano, Amsterdã ferve com os desfiles e as festas do Denim Days (https://www.amsterdamdenimdays.com/ams/). Lançado em 2014, o festival reúne marcas, profissionais, compradores e fãs de jeans. A cidade também é uma das sedes do Kingpins Show (https://www.kingpinsshow.com/home), um dos encontros itinerantes mais importantes da indústria do índigo, que também aporta em Nova York e Hong Kong a cada semestre.
“Não estamos nem aí para o glamour, andamos de bicicleta, gostamos de boa comida, de moda e de festivais.” A escola é um dos pilares da nova Denim City, um campus dedicado à inovação do jeans, instalado em De Hallen, uma antiga estação ferroviária no oeste da cidade que abriga estúdios, escritórios, lojas e um mercadinho de comidas nos fins de semana. Cool no último.
Outro bairro que está dando o que falar é Amsterdam Noord – para chegar lá, é preciso pegar um ferry que parte de um píer localizado atrás da Estação Central. A história se repete: era uma vez uma área decadente que começou a ser revitalizada e atraiu estúdios, galerias, bares e povo bacana. A âncora do pedaço é o hypado Eye, museu de arquitetura futurista dedicado ao cinema. Além de organizar mostras e exposições, o Eye tem uma vista demolidora de Amsterdã desde seu restaurante de paredes de vidro.
Nos arredores do museu, bares e restaurantes alternativos estão pipocando num ritmo acelerado pela A’DAM Toren. Projetada pelo arquiteto Arthur Staal e erguida em 1971, a torre foi a sede da Shell até 2009. Totalmente restaurada, ela tem 22 andares recheados de bares e restaurantes (um deles giratório), além da melhor vista da cidade de seu deque de 360 graus. Também abriga empresas vinculadas ao setor da música (A’DAM é abreviação de Amsterdam Dance and Music) e é aberta ao público 24 horas, sete dias por semana. Altamente bombável.
Canais entre museus
Enquanto as modernices afloram em bairros periféricos, no centro histórico a cidade preserva primorosamente os poéticos canais ladeados de casarões de telhados pontudos (repare como se parecem, mas nunca chegam a ser iguais) e as icônicas casas-barco. À beira do Rio Amstel, Amsterdã é fruto de uma proeza da engenharia que só foi possível graças à abundância que viveu nos séculos 17 e 18, período conhecido como Golden Age (Era de Ouro).
Foi quando a cidade se consolidou como potência mercantil e desbancou a concorrência com navios modernos e mais eficientes – até hoje a Holanda é referência na indústria naval. Seus famosos canais, que somam quase 100 quilômetros distribuídos em círculos concêntricos, são parte de um sistema que protege a capital do mar por meio de diques sem os quais tudo iria por água abaixo literalmente.
Além de viabilizar a existência de Amsterdã e de quebra criar um dos cenários urbanos mais bonitos e únicos do planeta, a riqueza gerada na Golden Age também financiou as artes. Boa parte do resultado está no Rijksmuseum, um dos museus mais importantes da Europa. Depois de uma reforma que se arrastou por uma década e custou € 375 milhões, ele fez sua reabertura triunfal em 2013 exibindo o edifício de 1885 minuciosamente restaurado, um novo jardim e todo um pavilhão inédito dedicado à Ásia.
As 8 mil peças expostas nas 80 salas foram reorganizadas. Mas A Ronda Noturna, de Rembrandt, permanece no lugar onde sempre esteve, no centro do edifício e de todas as atenções. Tente relevar o frenesi de selfies diante do quadro e tome seu tempo para admirá-lo a fundo.
Os moradores de Amsterdã costumam dizer que a metrópole tem 800 mil prefeitos. Palpitar e discutir acaloradamente sobre as obras em andamento e outras questões urbanas é um must nas rodinhas de amigos. Um dos pontos cruciais relativos à reinauguração do Rijksmuseum foi: proibir ou não a passagem de bicicletas pelos arcos que atravessam o museu (para o bem dos turistas desatentos)? Prevaleceu o sim, como você há de reparar.
Outra polêmica envolvendo a Museumplein (praça dos museus) girou em torno da reforma do Stedelijk Museum, de arte moderna e contemporânea. O crítico de arte do jornal The New York Times Michael Kimmelman não mediu as palavras em seu artigo “Por que este museu tem forma de banheira?”: “Não me lembro de ter visto um edifício mais ridículo”. Mas o que não se discute está dentro. A banheira da discórdia guarda obras de artistas holandeses como Piet Mondrian, Georges Braque, Francis Bacon, entre outros, e recebe excelentes exposições.
Além do beabá
A saga obrigatória para quem visita a cidade pela primeira vez se completa com o Van Gogh Museum, dedicado ao número 1 da arte moderna holandesa, e com a Anne Frank House, que mantém intacta a casa em que a família Frank se escondeu dos nazistas na Segunda Guerra – história relatada no Diário de Anne Frank.
Mas Amsterdã tem um arsenal poderosíssimo de instituições menos conhecidas para quem quiser ir além do beabá, como o museu Hermitage. E, para viver a Golden Age num aspecto mais íntimo, há o pequeno Museum Van Loon. A casa pertenceu a Willen Van Loon (1537-1618), cofundador da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Recheado de tapetes persas, obras de arte, porcelanas chinesas, lustres de cristal e outra peças exuberantes, o museu é um exemplo fiel da opulência que a cidade viveu entre os séculos 16 e 17. A família Van Loon ainda é dona do museu, e parte dela vive num apartamento no andar superior – os tempos são outros.
O cartão Amsterdam Card (para 24, 48, 27, 96 e 120 horas) dá direito a entrada em museus, cruzeiro pelos canais, uso ilimitado do sistema de transporte e descontos em aluguel de bicicletas e atrações. A ideia parece excelente. Mas, antes de comprar, cheque a lista completa de benefícios no site e faça as contas. Para fazer valer o investimento, você precisa estar disposto a entrar em um grande número de atrações. E, atenção: a lista inclui o Van Gogh Museum e o Rijksmuseum, mas deixa de fora o Anne Frank Museum, por exemplo.
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E é logo ali…
O Jardim de Keukenhof. As ruazinhas de Haarlem. Os museus de Haia. A modernidade de Roterdã. A jovialidade de Utrecht. Tudo pertinho de Amsterdã, é só pegar um trem
Mais do que uma estação do ano, a primavera na Holanda é uma apoteose. Entre março e junho, canteiros, parques e campos se transformam em grandes caleidoscópios. E um mero deslocamento de trem acaba rendendo uma experiência quase psicodélica. Seduzida pelo wi-fi grátis no vagão, no caminho de Amsterdã a Haia, eu estive a ponto de me autoflagelar quando levantei os olhos e vi as linhas formadas por tulipas multicoloridas passando em alta velocidade, convertendo a janela numa pintura tie-dye. Amarguei cada segundo de paisagem atirado no ciberespaço.
O drama é que dura pouco. Na Holanda, país em miniatura, você rarissimamente estará a mais de 1 hora de seu próximo destino. Por outro lado, a pequenez permite adicionar à gloriosa Amsterdã beldades como Utrecht, Haia, Roterdã e os jardins de Keukenhof em uma viagem de dez dias.
Keukenhof e Haarlem: Tudo são flores
Leão, Espantalho, Homem de Lata e Dorothy não destoariam daquela composição saturada de flores e fofura. Mas, na falta deles, holandesas vestidas a caráter – manguinhas bufantes, tamancos pontudos, chapeuzinho triangular – faziam as vezes de anfitriãs. Com a cabecinha inclinada para o lado e sorriso angelical, uma delas acenou na minha direção (me belisca?) na entrada do reino encantado que atende por Jardim de Keukenhof.
O parque, perto de Lisse, abre apenas durante oito semanas por ano – normalmente de março a maio. A 40 quilômetros do centro de Amsterdã, o lugar é de uma perfeição que beira a aflição. O desenho dos 32 hectares cobertos de flores é pensado com precisão matemática para que as plantas floresçam em três etapas ao longo da temporada. São 7 milhões de bulbos plantados manualmente por 30 jardineiros, num trabalho que exige não somente know-how, mas amor, paciência, esforço e leveza. A tulipa, a madrinha da bateria, está representada em 800 variáveis.
Pode parecer muito empenho em nome de um prazer visual efêmero. Mas, na verdade, Keukenhof é a vitrine da todo-poderosa indústria floricultora holandesa. Em Aaslmeer, a 27 quilômetros de Amsterdã, o leilão das flores dá uma ideia do peso da coisa. Às 6 da matina, fechados numa sala com paredes de vidro, os operadores analisam os lotes de plantas numa velocidade absurda e, com dedos nervosos, operam os botões que selam as compras. No andar de baixo, os carrinhos que levam as caixas arrematadas para seus devidos lugares se movem por um galpão gigantesco. Olhando de cima (turistas interessadíssimos no tema, e dispostos a madrugar, podem visitar o lugar), a movimentação parece um jogo de Tetris em escala monumental.
A indústria floricultora movimenta mais de € 5 bilhões em exportações e é motivo de orgulho nacional. E não é de hoje. No início do século 17, uma tulipa rara chegava a custar o preço de um imóvel. Nesse mercado enlouquecido, negociantes passaram a vender bulbos antes que fossem plantados (os chamados contratos futuros). Em fevereiro de 1637, a bolha estourou, muita gente faliu, muitos barões da tulipa ficaram down no high-society e o episódio passou para a posterioridade como a primeira quebra de bolsa de valores da história.
O parque de Keukenhof foi fundado em 1949 por um grupo de 20 produtores de bulbos, a etapa inicial da cadeia. Hoje em dia ele é mantido por uma centena de produtores (sem ajuda do governo) e também serve para expor o trabalho de 500 cultivadores. Além dos jardins abertos, o parque abriga ainda exposições em pavilhões, tem playgrounds fofinhos para a criançada e intervenções especiais que mudam a cada ano.
O lugar é uma delícia para passear sem pressa. Mas não alimente muitas esperanças de meditar e fazer posições de ioga entre os canteiros. Keukenhof recebe cerca de 800 mil visitantes por mês! Para driblar a multidão, o melhor a fazer é ir bem cedinho (antes da chegada dos ônibus de excursão) ou no final da tarde, quando eles já bateram em retirada.
Dá pra combinar a visita ao jardim com um passeio por Haarlem, uma gracinha de cidade mais ou menos na metade do caminho. As ruas de paralelepípedos são ladeadas por casinhas em estilo holandês clássico, edifícios históricos e igrejas ancestrais – uma delas ocupada pela espetacular cervejaria Jopenkerk, onde a luz que penetra pelos antigos vitrais dá um colorido especial aos enormes tanques metálicos que guardam excelentes espumosas artesanais. Se sobrar fôlego, vale visitar o ótimo e compacto museu Fran Hals, que guarda uma coleção de pinturas do mestre do barroco holandês.
A viagem de trem de Amsterdã até lá demora 15 minutos, e depois você pode pegar o ônibus 50, que vai até o jardim. Na volta, pegue o ônibus Keukenhof Express até o Centro de Amsterdã (você pode descer na Leidseplein e na Museumplein).
Circuito off-Keukenhof
Passear pelo jardim de Keukenhof não é a única forma de curtir o carnaval floral holandês. Os campos espalhados pelo país são gigantescas obras de arte ao ar livre e têm uma grande vantagem: são à prova de multidões. A partir do próprio Keukenhof, onde dá pra alugar uma bici, é possível empreender uma pedalada por estradinhas pacatas e planas.
Pelo caminho, com o ventinho primaveril batendo no rosto, confesso que invejei as pessoas que estavam curtindo a paisagem bem sossegadas, com o motorhome estacionadinho, o acampamento armado e a varinha de pesca em ação no canal. Uma paz…
Também dá pra curtir a febre da tulipa sem sair de Amsterdã. Restaurantes elaboram menus com flores comestíveis e capricham nos arranjos. Museus organizam exposições relacionadas. As floriculturas (você nunca viu nada igual) ficam mais incrementadas do que nunca e lançam promoções. Mas o evento mais esperado é o Open Tuinen Dagen. Em junho, os jardins privados mais espetaculares da cidade são abertos ao público.
“O melhor: poffertjes (minipanquecas doces com manteiga e açúcar por cima, vendidas em trailer e feiras livres); batatas fritas belgas (vendidas em quiosques); stroopwafel (bolachas com caramelo dentro vendidas em lojas de suvenires, supermercados e feiras); e sanduíche de croquete com mostarda (em qualquer café). E para beliscar tomando cerveja: bitterballen (bolinhas de croquete). Toda cidade holandesa tem uma loja de queijos apaixonante. Escolha os mais jovens e suaves e vá adaptando seu paladar até chegar aos envelhecidos com sabor explosivo e marcante” – Dushka Tanaka, designer
Haia: A cidade responsa
Amsterdã é a capital dos Países Baixos, só que não. Apesar de ter o título simbólico, a sede do governo fica em Haia (Den Haag, em holandês, nome que exige manobras guturais avançadas para ser pronunciado corretamente: “Den Rrrrarrr“), assim como todas as embaixadas e a residência real. Também fica lá o Palácio da Paz, sede da Corte Internacional de Justiça da ONU, o que acrescenta ares cosmopolitas à urbe de 500 mil habitantes.
Se Amsterdã é uma cidade de jeans e barba desgrenhada, Haia veste terno e gravata e anda muito bem afeitada. A 60 quilômetros (a viagem de trem demora 50 minutos) do caos e do mojo da capital, é muito mais limpinha, certinha, arrumadinha e sóbria (em todos os sentidos). O que não quer dizer que seja chata – como você pode ter ouvido por aí.
Em primeiro lugar, Haia tem um dos melhores museus do país. O casarão em estilo neoclássico que abriga o museu Mauritshuis, “casa do Maurício”, foi construído pelo nosso amigo Maurício de Nassau justamente no período em que foi o governador do Brasil holandês, no século 17. Quando pronto, o edifício serviu para guardar as peças garimpadas pelo conde em solo tupiniquim, como arte indígena, pedras preciosas e afins.
Destruída em um incêndio, a mansão foi restaurada e hoje em dia exibe a fina flor da arte holandesa num ambiente suntuoso com tetos decorados, paredes forradas com seda e lustres de cristal. Moça com um Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer, está lá. Mas minhas pernas tremeram de verdade diante da Lição de Anatomia do Dr. Tulip, um dos grandes quadros de Rembrandt. Outra maravilha do acervo é Velha e Menino com Velas, de Rubens.
A vertigem de Escher
Mas um endereço que justificou a viagem foi o sensacional Escher in Het Paleis – diante do qual um grupo se manifestava a favor do reconhecimento do genocídio armênio por parte da Turquia, num típico exemplo do dia a dia de Haia. Eis um museu para derreter o cérebro, instalado no casarão que foi residência de inverno da rainha Emma van Waldeck-Pyrmont (1858-1934).
O palacete guarda mais de 150 obras do genial artista Maurits C. Escher (1898-1972). Um mago da ilusão de ótica, ele foi obsessivo em retratar a continuidade e o infinito, usando as escadas como um de seus elementos preferidos. Uma de suas obras mais importantes, Metamorfose 3, está ali: formas geométricas que viram flores, que viram colmeias, que viram salamandras, que viram casinhas com escadas.
No andar de cima, uma instalação temporária tentava reproduzir a perspectiva louca de Escher. Era possível entrar na “obra” e tirar uma fotografia. E não é que eu tive uma crise de vertigem só de olhar para a coisa? Precisei fechar os olhos e me segurar nas paredes para não cair. A funcionária de plantão me explicou, em holandês, que isso era meio normal (não sei se ter entendido o que ela disse foi um dos efeitos colaterais, mas o fato é que rolou).
Outro peso pesado do arsenal cultural de Haia é o Gemeente Museum, de arte moderna e contemporânea. Além de receber exposições importantes, o museu guarda uma ótima coleção do artista holandês Piet Mondrian, além de obras de Picasso e outros grandes dos séculos 20 e 21.
Também faz parte do pacotão turístico o Panorama Mesdag, pintura circular de 14 metros de altura que retrata o mar, dunas e a Praia de Scheveningen nos anos 1880. Aliás, ainda que ninguém em sã consciência vá para a Holanda pensando em dourar à beira-mar, vale mencionar que o litoral de Haia é até bonitinho. Nos dias quentes, os beach clubs (sabiamente protegidos do vento) ficam animadíssimos e rola um belo pôr do sol.
“Zaanse Schans: museu a céu aberto sobre a história do país, tem vários moinhos dos séculos 16 e 17 e outras coisas típicas (a 21 km de Amsterdã)
Madurodam: em Haia, parque com miniaturas de todas as principais cidades e construções do país, históricas e modernas, desde os palácios da rainha até a Red Light Zone.
Dick Bruna Huis: museu do artista gráfico e ilustrador que criou a Miffy, uma coelhinha linda e famosa no país. Além dos desenhos expostos, tem um espaço com brinquedos para as crianças pequenas”
-Mauy Tanaka, designer
Roterdã: Estranha no ninho
Embarcar num dos muitos navios de cruzeiro que partem do maior porto da Europa foi duplamente prazeroso. Em primeiro lugar, o processo foi absurdamente rápido e indolor – alô, Santos? Além disso, rumo ao alto-mar o transatlântico atravessou um canal lindíssimo, proporcionando um excelente city tour aquático, com vistas lindas da cidade. De cara, dá pra ver: Roterdã é radicalmente diferente de Amsterdã e das outras cidades históricas da Holanda.
O motivo para isso vem de uma grande tragédia. Sobrou bem pouco após o bombardeio nazista de 14 de maio de 1940. Em vez de se reconstruir, Roterdã se reinventou, tornando-se a vitrine moderna do país. Quem vem de trem se dá conta disso logo ao desembarcar na moderníssima estação central, inaugurada em 2014. Depois a confirmação vem com a grandiosa ponte Erasmusbrug, “o cisne”, para os íntimos.
A alma antiga de Roterdã resiste no bairro de Kralingen, um dos poucos que sobreviveram ao bombardeio. Ali há um belo parque e restaurantes bacanas. No mais, sem a beleza clássica de Amsterdã ou de Utrecht, a metrópole de 610 mil habitantes se defende com os atributos que aprendeu a criar.
Um de seus cartões-postais é o louquíssimo Overblaak Development, complexo residencial desenhado pelo arquiteto Piet Blom no final dos anos 70 com formas cúbicas. Uma delas, convertida no Kijk-Kubus Museum-House, pode ser visitada. Outra abriga o hostel Stayokay.
A ousadia estética, que obviamente foi motivo de polêmica, serviu de abre-alas para a piração arquitetônica que moldou o semblante da metrópole. O auge da loucura talvez seja o espetacular mercado municipal Markthal, inaugurado em 2014. Além de mais de 100 bancas de produtos frescos, abriga restaurantes, bares, cursos de culinária e espaços para eventos sob um arco high-tech onde está embutido um bloco de apartamentos, em mais uma demonstração de que a arquitetura local não está pra brincadeira (ou sim).
Além de ser um laboratório de arquitetura radical, Roterdã tem uma vida noturna respeitável, bons restaurantes e ótimos museus, como o Museum Boijmans Van Beuningen, uma tremenda galeria de pintura europeia. Outra opção é o Museum Rotterdam, instalado no complexo Timmerhuis, projetado pelo arquiteto Rem Koolhaas (vendedor do Prêmio Pritzker, o Nobel da arquitetura, em 2000), que deita e rola sobre o skyline de sua cidade natal. Uma exposição permanente conta a história de Roterdã – inclusive do bombardeio que marcou a cidade.
Utrecht: O achado holandês
A pergunta que não me sai da cabeça: como é que o mundo inteiro não está falando de Utrecht? Rodando a Holanda na última primavera, caí de amores por essa cidadezinha a 45 quilômetros da capital. Estão lá as casinhas de telhados triangulares, os canais, as bicicletas, as hordas de sílfides louras… Mas não se trata de uma miniatura de Amsterdã.
Utrecht tem um jeitão bem próprio. Sua marca registrada são os canais com as margens rebaixadas ao nível da água. Como calçadões, eles dão acesso a antigos galpões que hoje em dia são ocupados por bares e lojas. Um baita charme extra.
Com 330 mil habitantes, Utrecht abriga uma animada comunidade de 70 mil estudantes matriculados em sete universidades. É por isso que, em pleno dia de semana, os bares estavam fervendo. Uma das mais antigas da Holanda, a cidade foi fundada no ano 47 – quase 2 mil anos atrás! – com a construção de um castelo fortificado erguido pelos romanos no lugar em que hoje está a catedral.
Entre os séculos 12 e 16, antes de a Golden Age turbinar Amsterdã, Utrecht foi a maior e a mais importante urbe dos Países Baixos. A Domtoren (Dom Tower), com 112 metros de altura, é a maior torre do país e a principal atração turística da cidade. Também há bons museus. Mas a grande delícia é bater pernas por suas ruas e seus canais. São impressionantes a quantidade e a qualidade dos brechós, assim como das lojas de design.
Utrecht está passando por uma enorme reforma que deve deixá-la ainda mais bonita e agradável. A cidade fica a meros 27 minutos de trem de Amsterdã. Ou seja, pode ser um programaço de bate e volta. Ou vice-versa, se você morrer de amores.
“A 30 minutos de trem de Utrecht está ‘s-Hertogenbosch, também conhecida como Den Bosch. Lá tem a Catedral de São João, ótimos restaurantes e o Noordbrabants Museum. Você pode ainda passear de barco embaixo do casario da cidade, no canal Dieze; saborear o Bossche Bol (bomba de chocolate) da confeitaria Jan de Groot com uma xícara de café!” – André Dieterman, fotógrafo
Guia VT
• Amsterdã
FICAR
Na categoria “design low-cost”, o Volks se autodefine como “um lugar para mães solteiras, brokers, punks, poetas, cowboys…” Outro charmoso é o Clemens, com 14 quartos bem decorados. Para um upgrade, a pedida é o Conservatorium, um conservatório do século 19 ao qual foi incorporado um caixote de vidro projetado pelo arquiteto Daniel Knuttel.
COMER
Rústico, escuro e levemente encardido, o Café De Klos (Kerkstraat 41-43) serve uma colossal costela de porco que derrete na boca. Para traçar o típico cone transbordando batatas fritas, um endereço é o Vleminckx, famoso pelos molhos criativos. No almoço, fazem sucesso os cafés orgânicos, como o Sla e o Pllek. Na primavera, não perca as receitas florais do Bridges, que já recebeu uma estrela pelo guia Michelin.
AGITAR
Nos dias de sol, o Hannekes Boom transborda de gente à beira de um canal (o cool é chegar de barquinho). No vizinho Bimhuis tem ótima música ao vivo. No after work, todos os caminhos levam ao Waterkant, que serve receitas do Suriname e tem um terraço na beira de um canal no badalado bairro do Jordaan.
COMPRAR
A Tenue de Nîmes é uma das melhores multimarcas para garimpar modelos de jeans premium. Também vale checar a Mick Keus e a INK. Na Nukuhiva você encontra modelitos com proposta sustentável.
• Haia
FICAR
O Corona tem quartos compactos e elegantes, com amenities Bulgari. O bom e barato Ibis City Center fica perto do museu Mauritshuis. Para um upgrade, invista no Residenz, no elegante bairro de Duinoord, instalado num casarão do século 19.
COMER
O badalado The Penthouse tem a melhor vista panorâmica da cidade. Vem do Oriente a base do chef Han Ting, que pilota o restaurante mais aclamado da cidade.
AGITAR
Popular entre os alternativos, a praça Grote Markt está cercada de bares que tomam fôlego na happy hour e avançam noite adentro. Quase uma unanimidade, o De Paas é um bar animado à beira de um canal. Serve uma seleção de cervejas holandesas e belgas.
COMPRAR
O centro histórico é um shopping center a céu aberto com ruas gostosas para passear. O pedacinho mais badalado é o Hofkwartier, onde há lojas de grifes e também de designers holandeses.
• Roterdã
FICAR
O celebrado citizenM tem 151 quartos compactos e moderninhos com janelas do teto ao chão. O Ibis Rotterdam City Centre é sempre uma ótima pedida para economizar. Cheio de charme, o Pincoffs ocupa um edifício do século 19 restaurado, próximo ao terminal de cruzeiros e ao Luxos Theater, área badalada da cidade.
COMER
O La Pizza tem pouquíssimos tipos de vinhos e um cardápio enxuto, mas é um dos melhores italianos da cidade. Já o Guliano faz um mix criativo e saboroso das cozinhas italiana e holandesa. O jantar mais especial da viagem pode rolar no Mood, da chef Eveline Wu.
AGITAR
A Fenix Food Factory reúne os hipsters da cidade em torno de comes e bebes orgânicos e de belas cervejas artesanais. Na agitadíssima Witte de Withstraat, o endereço mais garantido é o De Witte Aap, bar animado ao som de DJs.
COMPRAR
Você encontrará todas as redes internacionais na região conhecida como Centrum.
• Utrecht
FICAR
O Mary K Hotel é um achado cheio de personalidade, com obras de arte espalhadas pelos ambientes e proposta sustentável. Cara a cara com a Domtoren (Dom Tower), o Hotel Simple tem apenas 11 suítes de design. Correto e com bom custo/benefício, o NH Centre Utrech está próximo de tudo o que interessa. Para economizar, uma boa aposta é o B&B Gregorius, antiga escola convertida em hotel, no canal mais bonito de Utrecht (Nieuwegracht).
COMER
Para algo mais rapidinho, caia matando nos hambúrgueres artesanais do Meneer Smakers, feitos 100% com carne holandesa de primeira. A melhor comida indonésia da cidade está no Blauw.
AGITAR
Durante o dia, um dos pontos de encontro é o Daens, mix de café orgânico e loja. Instalada num castelo do século 12, a cervejaria histórica Oudaen é um endereço obrigatório. No Club Poema, a pista lota de universitários.
COMPRAR
No centro histórico há várias lojinhas tentadoras, como a Puha e a All The Lucky in the World, que vendem roupas e objetos de design. A cidade também concentra um número impressionante de brechós bem apanhados, como o Secondsas. Esse site é um ótimo guia.
Prepara!
Quando ir
A melhor época é na primavera, principalmente durante os meses de abril e maio, quando as tulipas e outras flores transformam o país num enorme jardim multicolorido. Restaurantes, museus e parques organizam cardápios e eventos especiais para a ocasião.
Dinheiro
Euro
Língua
Holandês, mas praticamente todos os holandeses falam inglês, que é quase uma segunda língua oficial.
Fuso
+ 4 horas.