Porta de entrada da Colômbia, Bogotá é acolhedora e hipster
De dia e de noite, na garoa e na altitude, a capital exibe sua vivacidade no boom gastronômico, na mobilidade exemplar, nos museus, no grafite...
Atualizado em fevereiro de 2020
Frio. Chuvisco. Foi assim que Bogotá me recebeu, assim como recebe a todos o ano inteiro, com sua temperatura média de 14ºC – bem diferente da imagem genérica de uma Colômbia sempre solar e caribenha.
Precisava confirmar a linha que me levaria ao hotel no bairro conhecido como Zona Rosa, uma região cheia de bares, restaurantes e grifes famosas. Perguntei a um senhor que também esperava o coletivo. E ele não apenas me indicou a linha como deixou o seu ônibus passar para não me “deixar desacompanhado”.
Gesto solidário que não causa surpresa aos turistas que colecionam histórias sobre a fraternidade do povo colombiano. Compreendi, então, que o altruísmo é inato aos nossos vizinhos do norte. Quem for à capital federal terá não só a chance de comprová-lo mas de descobrir outras dimensões que a tornam única.
Até a Forbes americana incluiu Bogotá entre as melhores cidades para se visitar em 2017 por causa do boom da gastronomia criativa e da oferta de hotéis e museus. E pensar que os 7 milhões de bogotanos já sofreram demais com a brutalidade – ao ponto de, em 2001, a seleção argentina se recusar a disputar a Copa América lá.
A revolução começou em 2000 com soluções que transformaram a mobilidade urbana e, claro, a qualidade de vida dos moradores. A inauguração do TransMilenio, um dos mais extensos sistemas de BRT (bus rapid transit) do mundo, tornou vantajoso se deslocar de ônibus. A passagem custa 2 000 pesos colombianos (COP), uns 2,16 reais, e dá direito a viagens contínuas durante o dia.
Bogotá tem também 440 quilômetros de ciclovias em 30 rotas específicas, que, aos domingos e feriados, se somam a outros 120 quilômetros graças às avenidas fechadas para carros. E a tarifa dos táxis é feita por quilômetro percorrido, o que barateia a vida – mas a maioria da frota, é bom dizer, está em estado precário.
Garantir e facilitar o sagrado direito de ir e vir são essenciais em Bogotá. A cidade é imensa, com um mar de construções em tom de terracota. Por sorte, o filé turístico fica em uma área em torno da Carrera 7, em ruas que seguem ordem numérica.
Para viajantes, é de bom tamanho saber o seguinte: La Macarena é o bairro boêmio e, logo, eleito pelos intelectuais (que vão a bares como o Tapas Macarena, com sangria e jazz); na Zona G ficam os restaurantes top; a Zona T/Rosa é boa para fazer compras; e os arredores do Parque de la 93 reserva boa oferta de hotéis.
Sabendo disso, o viajante está livre para se jogar em um dos ouros dessa cidade: a comida boa. Bogotá tem uma crescente faceta gourmetizada, a de capital da gastronomia – chancela dada por prêmios como o prestigiado Latin America’s 50 Best Restaurants, que elege os melhores latinos.
Já estiveram na lista estrelados inventivos como Leo Cocina y Cava, em La Macarena, Criterion, Harry Sasson e ElCielo, os três últimos na Zona G.
Também merecem os holofotes os jantares em sete etapas no Villanos en Bermudas. Coisa fina, coisa boa. O Prudencia, na Candelária, é daqueles que produzem tudo em fazenda própria.
Na rua, barracas exalam cuajadas (queijo no melaço de cana), arepas (tortilla de massa de milho) e as dulcíssimas obleas (wafers recheados com doce de leite ou outras gostosuras).
Com preço convidativo, há uma extensa lista de lendas culinárias locais. Delícias como o ajiaco santafereño, uma sopa com três tipos de batata, milho, frango, arroz, abacate e guascaz, hortaliça parecida com o espinafre. Ou os frijoles rancheros: prato com arroz, feijão, bacon, patacones (banana-da-terra frita) e chorizo.
O melhor custo/benefício se encontra no centro velho, na rua do Museu Botero, onde está o La Puerta de la Catedral, restaurante da dona Aura, ou o Las Acacias.
Em meio a tantas possibilidades calóricas nesse cenário montanhoso dos Andes, a cidade estimula as pernadas. Às vezes só o chá de coca atenua os efeitos dos 2 640 metros de altitude, às vezes a arte faz isso.
Respira-se melhor no Parque Simón Bolívar, o Central Park deles. Depois, desça pela Candelária, que lembra muito o centro velho paulistano, local de fundação bogotana, em 1538.
A Plaza del Chorro de Quevedo tem uma fonte rodeada por casinhas brancas. É uma região cheia de muros grafitados, que dão um tom mais modernoso ao aspecto geral. Vague por suas ruas irregulares que ainda preservam o calçamento original, como a Calle de las Violetas – mas evite circular à noite por ali.
Eleita a Capital Mundial do Livro pela Unesco, Bogotá tem bibliotecas blockbusters por sua arquitetura arrojada e atividades cults. A Luis Ángel Arango, por exemplo, é um centro cultural que ocupa dois quarteirões repletos de acontecimentos ligados às artes plásticas.
Logo ao lado está o gratuito Museo Botero, também na Calle 11, que abriga Picassos e telas e esculturas rechonchudas do artista colombiano, como Mona Lisa e Muerte de Pablo Escobar. O complexo inclui ainda museus de arte contemporânea e numismática.
Continue descendo pela Calle 11, da Casa de la Moneda, até desembocar na Plaza de Bolívar, onde a estátua em memória a El Libertador resiste cercada de edifícios históricos. Contemple a Catedral Primada da Colômbia, o Capitólio Nacional, o Palácio de Justiça. Aos domingos, a praça é QG de jovens, famílias, turistas. E de pombas, muitas.
Depois, uma flagrada no Teatro Colón, na Calle 10, vai lhe exibir um mix dos teatros Garnier de Paris e Alla Scala de Milão. Já na Calle 16 está o magnífico Museo del Oro. É “apenas” o maior do mundo entre seus pares.
Noite adentro, Bogotá é pulsante. A rumba, sinônimo de balada para os colombianos, rola solta em regiões como Usaquén e Zona Rosa, que concentram bares, restaurantes e casas noturnas. Ali fica bem claro o quão chévere (legal) Bogotá é. Entre os agitos, o Armando Records atraem moderninhos ao som de DJs e bandas locais.
Por supuesto, desfecho indispensável é o Cerro de Monserrate. Dá pra chegar lá de funicular ou de teleférico. É o centro de peregrinação mais importante do país. Sobe-se 3 160 metros para conferir um amplo panorama andino – e marrom, considerando as construções lá de cima.
Prefira o entardecer, quando o pôr do sol tinge a urbe com cores suaves. Lá no topo tem uma igreja, um restaurante e um poço dos desejos. Está aí uma chance de oferecer alguma moeda a um irmão colombiano que estiver por ali para que lhe dê sorte, com mucho gusto.
Texto publicado na edição 257 da revista Viagem e Turismo (março/2017)