Maldivas: como é se isolar no paraíso em tempos de pandemia

A dinâmica do turismo no país é, por natureza, o confinamento. Cada um vive as férias em seu quadrado, ou melhor, em seu bangalô

Por Bruna Aranguiz
Atualizado em 8 jun 2022, 21h20 - Publicado em 21 dez 2020, 14h37
Bangalôs sobre palafitas do Anatara Veli: as Maldivas sempre tiveram vocação para o distanciamento social (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)
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“Exame PCR e formulário de Declaração de Saúde do Viajante preenchido, por favor”, me cobra o agente de imigração atrás do vidro do guichê no aeroporto internacional de Malé, capital das Maldivas.

A enorme fila que se forma logo atrás, com turistas de todos os cantos do mundo, contrasta com a realidade monótona do aeroporto de Dublin, de onde eu havia partido – o segundo lockdown na Irlanda terminou somente em 1 de dezembro. 

Minutos antes eu já tinha tido minha temperatura checada por outro funcionário logo na saída da aeronave. Com toda documentação em mãos, entrego meu passaporte juntamente com meu teste negativo para covid-19 junto com o tal formulário, que deve ser preenchido não mais do que 24 horas antes do embarque (o teste de covid precisa ter sido feito até 96 horas antes do primeiro voo).

Respiro aliviada enquanto o agente empunha seu carimbo para estampar meu passaporte e liberar minha entrada após longos minutos vendo e revendo todos os papéis. Corro para pegar minha mala, ansiosa para a nova versão de isolamento que me aguarda: sol e calor.

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Minutos antes de partir do aeroporto de Malé rumo ao paraíso (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

Em Malé, a capital, a reabertura total só aconteceu em dezembro

O arquipélago das Maldivas foi um dos primeiros países a reabrir as portas ao turismo, em 15 de julho, após um hiato de 110 dias de lockdown absoluto. Nas últimas semanas, o número de visitantes voltou a subir gradativamente e o país está, aos poucos, retomando o ritmo habitual da pré-pandemia. 

Com uma economia que depende majoritariamente do turismo – cerca de dois terços do PIB nacional, segundo o Banco Mundial –, o país-arquipélago formado por 1.200 ilhas viu sua economia despencar rapidamente nos últimos meses e tomou as medidas necessárias para retomar as atividades com segurança.

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Passar uma noite em Malé, como era meu plano inicial – opção também de muitos turistas, dependendo do horário do voo – ainda não estava permitido no dia em que eu cheguei, no início de dezembro, exceto se eu tivesse uma autorização especial do Departamento de Saúde das Maldivas. 

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Passarela que leva aos bangalôs sobre a água no Anantara Dighu (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

Quando viajar de férias é mais seguro do que ir ao supermercado em casa

Após toda a burocracia dos dias que antecederam a viagem, o ar quente logo na saída do aeroporto me lembra que finalmente cheguei nas Maldivas, um paraíso que sonhava conhecer há muitos anos, mas que jamais imaginei que se tornaria realidade em circunstância tão adversa como a atual.

A viagem, que estava marcada muito antes de eu sequer cogitar ouvir falar do coronavírus, não foi cancelada por um fio. Passei dias em cima do muro me descabelando entre a dúvida de ir agora ou esperar o fim da interminável pandemia.

De olho nos cuidados que as Maldivas vêm tomando, assim como nas precauções anunciadas pela Emirates, companhia com a qual voei, concluí que me sentiria mais segura viajando do que durante minhas frequentes visitas ao supermercado em Dublin, onde muitos atendentes de caixa sequer utilizam máscara. 

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O pouco cuidado que as pessoas têm tomado na Irlanda mesmo após o segundo confinamento – ruas abarrotadas de gente, pouquíssimo distanciamento social, máscaras no queixo ou, em muitos casos, sem máscara at all – é preocupante. O plano inicial de ir às Maldivas na verdade viria a calhar mais ainda nesse momento. 

Afinal, onde melhor se isolar do que numa ilha… isolada? 

A decisão, é claro, foi tomada – e deve ser tomada – levando em consideração diversos fatores pessoais e externos. O viajante deve se sentir confortável para viajar nas atuais circunstâncias e não esquecer de todos os cuidados durante o percurso. 

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Um dia útil qualquer nas Maldivas em pleno dezembro de 2020 (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

Realidade paralela. Ou, a paranoia dá uma trégua

Entro com meu companheiro numa lancha confortável, junto com outro casal, para uma travessia de 40 minutos até o Atol Sul de Malé (ou South Male Atoll) onde fica o resort Anantara Dighu, famoso entre os brasileiros, onde me hospedei por uma semana. Dividi a estadia entre o Dighu e o Veli, que é um resort irmão, da mesma rede Anantara. Os hotéis ficam em ilhas diferentes, mas são quase coladas uma na outra. A travessia é feita por um pequeno barco que sai a cada 5 minutos e também demora 5 minutos para chegar ao outro lado. É quase como se fossem o mesmo resort, divididos apenas por essa curtíssima travessia, pois os hóspedes podem passear livremente em ambos. A única diferença é que o Anantara Veli não permite crianças; já o Dhigu, sim. 

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Na chegada, uma espécie de universo paralelo me aguarda: hóspedes circulam livremente sem máscaras e sem muitas preocupações, além da “difícil” decisão entre fazer um passeio de caiaque ou snorkeling; se jogar na piscina do bangalô ou na água turquesa do mar. 

Somente os funcionários do resort cobrem o rosto com máscaras e realizam a tarefa com maestria. O termômetro marca bem mais de 30 graus, mas o simpático motorista que nos leva em um buggy até nosso bangalô sobre as águas jamais retira sua máscara, perfeitamente posicionada cobrindo boca e nariz – dou ênfase ao “boca e nariz” porque não é raro em Dublin que uma delas esteja descoberta. 

A regra se aplica, sem exceção, a todos os funcionários, como acabo descobrindo mais tarde. Sabemos bem o quanto o uso da máscara pode ser sufocante em altas temperaturas, mas fica evidente que o treinamento que receberam foi eficiente. Resorts de todo o país têm enfrentado a situação com seriedade, pois sabem bem o que está em jogo. 

Me sento para admirar as águas transparentes do Oceano Índico, mas ainda um tanto inquieta. Deixar de lado a rotina que aprendemos forçadamente a seguir nos últimos tempos – com o combo álcool gel + máscara + um tiquinho de paranoia – causa estranheza e leva certo tempo para se desfazer.

No entanto, em um local onde a privacidade é a pedra de toque e principal atrativo desde a era pré-pandemia, praticar o distanciamento social aqui é quase pleonasmo. O modus operandi das Maldivas é, por natureza, o confinamento. No interior de cada bangalô sobre as águas ou vilas à beira da praia, cada um vive a vida e curte as férias em seu quadrado. Em poucas horas minha preocupação foi embora.

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Novo normal à la Maldivas 

Não à toa, o arquipélago tem se tornado a “terra prometida” de cada vez mais turistas desde sua reabertura. Tanto o Estado quanto o setor hoteleiro do país vem se reinventando para se adaptar da melhor forma ao novo normal, sem perder os luxos que fazem das Maldivas o destino dos sonhos de muita gente.

No hotel Anantara, o buffet foi substituído por carrinhos levados diretamente até as mesas, com pães, bolos, iogurtes, frutas e cereais. O hóspede, apontando o que quer, é servido por um funcionário. Já as opções de pratos à la carte para café da manhã, almoço e jantar são acessadas pelo celular por meio de QR code disponível em todas as mesas.

Após andar de bicicleta pelo resort, passear de caiaque, fazer aula de yoga, explorar os corais com snorkel e outras das tantas atividades, resolvo fazer a “loucura” de participar de um tour para nadar com tubarões. 

Foi o único momento em que precisei cobrir boca e nariz novamente durante toda minha estadia, já que o passeio inclui uma travessia de barco com outros hóspedes. Novamente me deparo com aquela familiar apreensão de quem vive há meses em uma pandemia. Dessa vez, porém, por pouco tempo, pois o medo dos tubarões rouba a cena logo em seguida.

Cerca de 40 tubarões-lixa, bem maiores do que eu imaginava, nos aguardam inquietos, numa verdadeira aglomeração de dar inveja a quem não se aglomera há quase um ano. A lancha ancora em uma ilha não muito distante, a 40 minutos do Anantara Dhigu e Anantara Veli

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Por serem alimentados com frequência pelos locais, os animais associam o barulho do motor à comida e logo se juntam ao redor da embarcação. Segundo o guia que nos acompanhava, não há perigo, contanto que não passemos a mão em nenhum deles. Me encontro então na seguinte situação: se pular o bicho come, se ficar o corona pega. Ou algo assim.

Vejo-me obrigada a reunir toda minha coragem após ver uma família com duas crianças entrar na água. Os tubarões nadam lentamente a pouquíssimos centímetros de distância, como se não estivéssemos ali. Minutos depois, já tinha até esquecido do perigo iminente e me permito curtir ao máximo aquela experiência, até então, inédita.

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Que outro lugar consegue cumprir com um distanciamento entre espreguiçadeiras desse naipe? (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

Destino seguro

De modo geral, as Maldivas vêm fazendo um trabalho excelente na prevenção e tem mostrado bons resultados. Ao todo, foram menos 13 mil casos e 46 mortes desde o início da pandemia. O país foi declarado como “destino seguro” pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo, em 15 de setembro.

Se antes as Maldivas eram por si só o paraíso de quem busca tranquilidade, o país ganhou mais um pretexto para os que buscam se refugiar nesses tempos estranhos. O fato é que me senti mais segura não só nas Maldivas, como em todo trajeto até lá, comparando-se à pouca cautela da Irlanda. E, sem dúvida, foi mais tranquilo do que na primeira viagem que fiz para o sul da França, em agosto.

Meus dias de realidade paralela, no entanto, tinham data para acabar. O novo normal – que há tempos atrás soaria mais como filme de ficção científica – me aguardava novamente em casa. Dessa vez, porém, com a expectativa animadora de uma vacina cada vez mais próxima.

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