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Como foi viajar da Irlanda até a França no desconfinamento

Lição das férias: cada país enxerga e enfrenta a pandemia de maneira diferente e, seguramente, há uma vontade grande de voltar ao "velho normal"

Por Bruna Aranguiz
Atualizado em 8 jun 2022, 21h22 - Publicado em 27 ago 2020, 11h13
Grasse
Baile de máscaras em Grasse, na Côte-d’Azur: são muitas as maneiras de (não) usá-las (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

A reabertura das fronteiras entre os países europeus desde meados de junho tem salvado o verão de muitos dos que vivem aqui na Europa. Principalmente dos que, assim como eu, vivem mais ao norte do continente, onde as temperaturas não são assim tão generosas quanto em algumas regiões ensolaradas, mais próximas do Mediterrâneo.

Meu companheiro e eu tínhamos uma viagem marcada para os alpes franceses desde o ano passado, com a família dele. O plano era partir de Dublin, na Irlanda, onde vivemos, até uma vila bem no meio das montanhas, chamada Les Deux Alpes. É claro que, na época, não contávamos com uma pandemia.

E mesmo com a reabertura das fronteiras e a volta gradativa do turismo na Europa, havíamos decidido não seguir com os planos de viagem, já que não queríamos nos expor ao risco de contaminação. 

Mas, havia um porém. Quem já teve a oportunidade de conhecer a Irlanda no verão sabe bem: não existe verão na Irlanda. Passar a estação inteira confinada nesta ilha de céu cinza e vento incessante é para poucos!

Entre chuvas intermináveis e 15 graus de temperatura em pleno verão dublinês, conversa vai, conversa vem, um olho no número de contaminações que caíam significativamente pela Europa e outro no aplicativo de previsão do tempo, ponderamos: viajar ou não viajar? 

Decidimos correr para as montanhas, literalmente. Após um típico dia irlandês, cinzento e chuvoso, compramos as passagens antes que entrássemos em uma mini-depressão. 

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Embarque e desembarque

Com máscara no rosto e álcool em gel em mãos, pegamos um táxi rumo ao aeroporto de Dublin num domingo de manhã ainda um tanto apreensivos. Mas, para minha surpresa – e também alívio – o aeroporto estava bastante vazio e muitas lojas ainda fechadas. 

Embora eu tivesse visto algumas imagens de praias cheias, constatei que turismo local e as viagens domésticas devem ser mesmo a nova tendência. Ou pelo menos foi o que achei até aquele momento.

Dentre as poucas pessoas que perambulavam no aeroporto, todas usavam máscara. Fiquei aliviada, já que em Dublin quase ninguém está usando o artefato desde o início da pandemia. Em agosto, o país vem registrando pouquíssimos novos casos e nenhuma morte por vários dias seguidos. 

Dublin
Corredor de embarque no aeroporto de Dublin às moscas em pleno agosto (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

Muitos banheiros estavam fechados e as opções de lugar para comer eram quase nulas. Nenhum dos restaurantes estava aberto. Tivemos então que nos render a um sanduíche de caixinha que estava prestes a passar da data de validade na geladeira da WHSmith, rede de lojas que vende de tudo um pouco. Era isso ou passar fome até chegar ao destino. 

Na área de embarque, assentos interditados delimitando os espaços entre cada cadeira. Me preparava para comer meu sanduíche com todo cuidado quando um rapaz começou a passar com um formulário. “Preencha antes de entrar no avião”, disse ele por trás da máscara. Era necessário atestar por escrito que não tínhamos nenhum sintoma da covid-19. 

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Na fila, marcas no chão delimitavam o espaço de pelo menos um metro de distância, que estava sendo respeitado pela maioria das pessoas. Já estava certa de que em seguida iriam medir nossa temperatura, mas nada aconteceu.

Para nossa sorte o voo estava vazio – o que não foi o caso de tantos outros voos dos quais eu já tinha ouvido falar, conversando com amigos. As aeromoças usavam máscara e luvas. Além disso, escutar as instruções dadas antes do voo foi estritamente obrigatório. Nada de fones de ouvido durante a explicação. 

Hora de desembarcar. A aeromoça repetia de maneira estridente pelo auto-falante do avião: “O desembarque será feito por fileiras”, dizia ela rapidamente antes que alguém se levantasse. Era preciso esperar a fileira da frente se levantar e sair do avião para que a próxima fileira pudesse fazer o mesmo. No aeroporto de Lyon, na França, nem sinal de termômetros para medir a temperatura. Fiquei ainda mais surpresa ao passar pelo controle de imigração sem nem precisar tirar a máscara para mostrar o rosto. 

Habemus verão, mas…

Chegamos ao nosso chalé em Les Deux Alpes e lá estava ele: o Sol! Algumas semanas antes, a França havia tornado obrigatório o uso de máscaras em lugares fechados. Já nas ruas me deparei com pessoas de máscaras e outras sem. Lojas e restaurantes funcionavam normalmente. 

Eu que já não saía de casa para quase nada desde o início da pandemia, me vi descobrindo um novo mundo. Fiquei atônita ao ver a quantidade de pessoas nas ruas, curtindo o verão. Metade delas aparentemente consciente dos cuidados de higienização necessários, enquanto a outra metade já parecia ter esquecido de que ainda estamos no meio de uma pandemia. 

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Alpes
Les Deux Alpes em momento sublime no auge do verão (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

Nos lugares fechados, cheguei a ver dois garçons servindo pessoas com máscara no rosto que, ao invés de cobrir o nariz e a boca, cobriam o queixo… sim, o queixo! Por sorte, a nova “moda” pareceu ser exceção. 

Na semana seguinte dirigimos por 5 horas até a Riviera Francesa. Durante nossa estadia, entre um passeio e o outro, os números de casos na França voltaram a subir. Em algumas cidades, como Nice, por exemplo, onde passeamos por um dia, o uso das máscaras é também obrigatório em algumas áreas abertas onde as ruas são mais movimentadas. Mas não ficou claro quais eram essas ruas e não havia nenhum tipo de sinalização ou fiscalização. 

Por via das dúvidas, eu colocava minha máscara sempre que chegava em alguma parte com mais movimento, enquanto bolava um plano de escape para sair o mais rápido possível de qualquer aglomeração. Fugir de pessoas virou quase instintivo.

Nice
Praia com distanciamento social em Nice (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

A volta para Dublin

Toda aquela história de viagens domésticas e turismo local que constatei ao ver o aeroporto de Dublin vazio desapareceu em questão de segundos no momento em pisamos no aeroporto de Nice no final de tarde de uma sexta-feira.

O que vimos foi um verdadeiro formigueiro.

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Não havíamos nos dado conta de que tínhamos escolhido a pior data para viajar. Acontece que meados de agosto é o pico da temporada de férias para os franceses. Eu não imaginava que iríamos nos deparar com um cenário de caos. 

Todos, sem exceção, usavam máscaras. Mas o distanciamento social se tornou uma missão impossível. Refleti, pela milésima vez, de que certamente não estaríamos ali se tivéssemos uma meteorologia mais agradável em Dublin e viajar dentro próprio país fosse uma experiência mais convidativa. Por isso mesmo não esperava encontrar aquela massa de gente que vive em pleno verão de 40 graus e pertinho da praia querendo escapar para outro lugar.

Se enfrentaríamos novamente essa situação em busca de mais um pouco de verão, não sei dizer. Mas uma coisa ficou clara: mesmo na Europa, cada país enxerga e enfrenta a pandemia de forma diferente. 

Na Irlanda, onde as medidas de isolamento foram relativamente brandas e quase ninguém está usando máscaras – o uso passou a ser obrigatório em lugares fechados somente na semana passada –, viajar para o exterior por enquanto é algo ainda mal visto pelos irlandeses. Já os franceses parecem não ver problemas nas viagens desde que todos estejam mascarados. 

Independentemente da forma como cada um enxerga o momento, ficou claro que estamos ávidos para voltar ao “velho normal”. E, sem dúvida, não estamos preparados financeiramente e nem psicologicamente para um novo lockdown. 

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Ver o mundo lá fora me abriu os olhos: ainda faltam cuidados mais severos e mais adaptação à essa nova realidade, que ninguém sabe dizer quanto tempo ainda vai durar. Enquanto isso, seguimos torcendo pela chegada da vacina.

couple
Bruna e Alexandre vivendo dias solares na Riviera Francesa (Bruna Aranguiz/Arquivo pessoal)

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