Amsterdã é um tipo de outro mundo, com seus habitantes esguios e amáveis que andam de bicicleta dos 8 aos 80, pelo menos. Com sua arquitetura tijolada e canais característicos, suas lanchonetes de um metro quadrado, suas flores. E com o hedonismo que pulsa em coffee shops com aquecedores, como o decano The Bulldog, e em endereços mais quentes, por assim dizer, alguns que são apenas vitrines. Liberdade vista até em irreverentes suvenires temáticos, sexuais e “canabísticos”.
Chega a dar faniquito num brasileiro, acostumado a conviver com punguistas, ver, por exemplo, uma mãe pedalando com seu bebê numa cadeirinha atrás dela, isso no meio de um centrão com milhares de pessoas circulando, a gente pensa: “alguém vai puxar essa criança, sequestrar…”; mas ali se confia que nada acontecerá.
Isso diz muito sobre o lugar.
A despeito da garoa predominante (a não ser no verão, quando escurecia às 10 da noite), é o tipo de lugar em que o deficiente físico consegue se virar bem, curtir, inclusive sozinho, como fiz em uma de minhas quatro visitas à capital da Holanda. A seguir, compartilho minha experiência em tópicos.
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Como circular
Na primeira vez que viajei pra fora, já cadeirante e sozinho, estive na Itália e na Holanda. Além do choque de não haver catracas nas estações, percebi a quão corretas as coisas são por ali para um deficiente já no aeroporto Schiphol, que não é tão próximo da cidade, acho que dá uns 40 minutos de trem.
Lá, a gente tem de pegar esse trem direto para a Estação Central ou alguma outra que lhe facilite mais. Só que o trem é o único meio de transporte em que há degraus para entrar, o que complicaria o cadeirante. Então, na hora de comprar o bilhete do trem, você tem de solicitar a ajuda de uma rampa que alça o deficiente à altura do vagão, que inclusive dispõe de banheiro amplo e adaptado.
Como é necessário haver também um funcionário com essa rampa na estação do desembarque, acaba demorando um tempinho, às vezes até uma hora, para se ajeitar tudo. O mais impressionante na primeira vez: o funcionário me perguntou em que dia eu teria que voltar ao aeroporto para pegar o meu voo de saída, que seria 5 dias depois. Ele viu minha passagem e disse: “na volta, daqui a 5 dias, chegue à Estação Central às 8h30 que haverá um funcionário te esperando com a rampa”. Pensei: “nunca que essa pessoa vai estar lá cedo daqui a 5 dias para me ajudar”. Mas fiz minha parte, cheguei lá às 8h30 e, quando saio do elevador para chegar à plataforma, vejo uma funcionária estilo Elizabeth Berkley com a rampa, que diz: “Mister Favoretto?”. Fiquei pazzo com a consideração holandesa com os deficientes.
Amsterdã é pequena e tem transporte abundante. Chega-se fácil e rapidamente em qualquer lugar, principalmente ao se comparar com a mobilidade de uma grande cidade brasuca.
Para quem não anda e não pode pegar uma bike, esquema bom é o tram: está em toda cidade, com rampas. Mesmo em seu degrau baixinho, é fácil de acessar de cadeira de rodas, no máximo com uma ajudinha bem de leve pra entrar (empurrãozinho) ou sair (uma aparadinha, de costas). Tem também ônibus, metrô e rickshaws, além dos trens com seus agendamentos, mas o tram é o esquema, é tudo das 6 à meia-noite. É aquilo, raramente vem um funcionário checar se você comprou o bilhete, mas, se te pegarem, a multa é mais salgada que as fritas em cone que se come ali e, principalmente, na Bélgica.
Fato é que eles dificilmente irão fiscalizar o deficiente lá, ao contrário da Itália, por exemplo.
Passes:
– Tem o GVB Day Card, que dá uso ilimitado para trams, metrôs e ônibus operados pela GVB, mas não vale para trens e busões da EBS e da Connexxion.
– Outra opção é o I Amsterdam Card, que dá acesso ao tram, metrô e ônibus por 24, 48 ou 72 horas. Além do transporte, o I Amsterdam Card também dá acesso na faixa a alguns museus, passeios pelos canais e descontos e algumas outras atrações. Só vale se você for ficar bastante tempo.
Há ainda carros compartilhados da Share Now e da GreenWheels, muito mais negócio que alugar carro, mas só valem a pena se você quiser fazer bate e voltas em cidades como Leiden, Utrecht…
Ah, como estamos nos Países Baixos, o lugar é bem plano, só tem algumas subidas nas passarelas dos canais. Apesar de não ser 100% lisas, com aquelas pedras que ficam mais irregulares na Dam Square, é até que fácil de circular de cadeira nas calçadas, só fique esperto na hora de atravessar a rua para que a roda da frente não fique presa nos trilhos do tram.
Em tempo: para deficientes visuais há o tikker por todo o canto: é aquele sinal sonoro que dispara quando está verde. Ele é ativado por um botão próximo aos semáforos, cujo barulho se acelera conforme o sinal está mais próximo do momento do fechamento. Infelizmente não tenho maiores informações para os amigos com problemas pra enxergar.
Onde ficar em Amsterdã
Não é a cidade mais barata do mundo. A vantagem é que, com o disse acima, ela é pequena e cheia de transporte, então não é o fim do mundo se hospedar fora do burburinho do Centro/Red Light District.
Por exemplo, ficar no hostel Stayokay Zeeburg, um bairro com incidência de colônia turca. Tem banheiro de deficiente inclusive no térreo, perto do pub com um karaoquê animadaço. Fiz a reserva pra um quarto que não era do preço do quarto adaptado, mas a moça da recepção foi gente boa e me colocou no quarto adaptado. Pena que é pra 5 pessoas, ou seja, ter um banheiro ok significa não poder ter privacidade.
Também já fiquei no Stayokay Voldenpark, conforme relatei aqui. É o ouro pernoitar num hostel com porta pro Voldenpark, este parque maravilhoso, do lado da Museumplein, onde estão melhores museus, da Leidseplein, do cassino… Há acomodações adaptadas, mas o quarto que eu reservei, com 10 beliches mas bem amplo, não era adaptado no banheiro, então fui pro banho no chão, me arrastando, já que a porta era apertada.
É bem perto do Budget Trianon Hotel, de custo/benefício e com uma cama mega-macia, delícia. Mas ali tive um contratempo ao chegar, ao contrário do que previa a reserva feita no hostelworld.com. Aos berros, o chinês da recepção, depois de cobrar, gritou: “Não temos mais como receber deficientes. Não dá!”. Apesar dessa saudação, decidi ficar. No elevador subi meio esmagado, mas o problema era o banheiro. Para usar o vaso sanitário, tive de me arrastar do lado de fora e fazer uma espécie de rapel.
Por fim, numa região mais calminha e próxima do aeroporto, onde via durante 5 dias um homem passeando com um gato na coleira, o hipster Citzen M é bacana, mas o banheiro tem uma modernidade que espanta a privacidade: toma-se banho numa espécie de cápsula, o que não legal para cadeirantes, mas o hotel é da hora.
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Passeios em Amsterdã
Se os museus de Amsterdã já são bem conhecidos (e indispensáveis), é interessante saber como eles estão estruturados para o cadeirante. Para ver os retratos de Rembrandt, Vermeer e outras pratas da casa, no Rijksmuseum, ou as cenas de Van Gogh, no vizinho Museu Van Gogh, não há problema algum, com seus elevadores e banheiros adequados e ingresso free para o deficiente.
Já na Casa de Anne Frank não é possível chegar ao ponto exato onde a menina judia escrevia suas cartas, escondida durante a ocupação alemã, na Segunda Guerra Mundial, pois há escadas. Só dá pra ir à parte nova. No Sex Museum também não consegui atingir, digamos, o clímax. Lá é impossível conferir o segundo e o terceiro andares. Me lembro de ficar surpreso no melhor sentido ao ver 2 casais octogenários pirando nos bonecos libertinos do térreo, único piso que dava pra eu conhecer. Pelo menos não me cobraram entrada nas duas vezes em que o visitei.
Estamos em Amsterdã, então talvez você não queira perder o Hash Marihuana & Hemp Museum, que também não cobrou ingresso (8,50 euros) do deficiente físico. Ao contrário do Heineken Experience, um dos picos mais visitados de Amsterdã, que cobra ingresso e tem banheiro adaptado [a recomendação é reservar tours em dias de semana antes das 13h para driblar as multidões]. Na verdade, ali era a fábrica até 1988, não se produzem mais as bebidas nesse prédio próximo à Museumplein.
Amsterdã também rende giros românticos, como na calmaria do central Jardim Begijnhof, que reserva a casa a qual se acredita ser a mais antiga do lugar: a Houten Huis, de madeira, no número 34. Para chegar ao jardim, você tem de abrir uma porta, que dá nesse reduto fofo. Outra praça por ali boa de se fazer um tempo é a Rembrandtplein, sempre com umas bandas tocando à tardinha.
Para a minha alegria, quiçá o tour mais acessível num campo de futebol que já visitei é o da Amsterdam Arena, estádio do Ajax. Mandei um e-mail para eles no world.of.ajax@amsterdamarena.nl (tem também essa parte no site) dizendo que era cadeirante e os dias em que iria estar na cidade, aí me responderam no dia seguinte solicitando uma data para eu pegar meu tour guiado especial, juntamente com uma outra cadeirante, e nossos acompanhantes, claro. Cobraram o ingresso, mas beleza. Toquei minhas rodas até no gramado, sem estragá-lo, só do lado das traves… Ele faz uma caminho diferente, já que no tour normal, por exemplo, as pessoas sobem a escadaria do vestiário para o campo.
Também rola de dar um rolê de barco pelos canais, de preferência com empresas como a Lovers (com site em português) e a Blue Boat.
Onde comer por lá
Waffle, queijos… Já aquelas batatas com molho no cone vendidas pelas ruas não me comovem, mas são legais pra quem é fã das fritas. O bom é que há grande recorrência de pratos a 9, 10 euros pela cidade, algo que, mesmo com o euro alto, é relativamente o que o brasileiro paga num quilão no seu dia a dia.
Claro, por vezes a gente acaba caindo em restaurantes e bares, sobretudo na beira dos canais, que não têm acessibilidade. Mas há lugares viáveis, inclusive com banheiro firmeza, sem escadas, degraus… Dentro da área do Zoológico, o Café-Restaurant de Plantage é um, assim como o Stanislavski, na Leidsplein e bom para vegetarianos; tem também o In de Waag, o The Bijenkorf Kitchen… Esses são alguns dão a maior condição, Mas dá pra se virar em outros lugares sem banheiro.
Quer mais acessibilidade? Tem este guia da Amsterdã acessível, em inglês, dá pra baixar e ver mais estabelecimentos e até mesmo rotas legais para se percorrer de cadeira de rodas na cidade.
Compras em Amsterdã
Muito legal adentrar as lojas e ouvir um sonoro “Haallloooo“, geralmente com um sorriso.
Não é um destino de compras, a não ser para quem quer os suvenires irreverentes já mencionados ou quem quer explorar as lojas de departamento como H&M, Mango ou Primark.
Gosto de ver em todo lugar que eu vou os chamados mercados de rua que rolam de segunda a sábado, com coisas usadas e novas, roupas, antiguidades, ali a gente se mistura aos locais. Exemplares são o da Waterlooplein, o Noordermarket e o Mercado das Flores Flutuantes, ainda mais na primavera ou no verão, quando as flores estão bem coloridas. Lá, desde 1862, há espécimes de tudo que é tipo e também as lembrancinhas clássicas de Amsterdã. O mercado rende fotografias muito instagramáveis. Aliás, eta cidadezinha instagramável.
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