Imagem Blog Paratodos Após viver o bug do milênio, no caso, ter ficado cadeirante em janeiro de 2000, Bruno Favoretto compartilha experiências que servem (mas não só) para quem tem algum problema de mobilidade, ainda que momentâneo
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10 historinhas bizarras que passei em hospedagens “acessíveis”

Gente, não é pra desanimar, é só um alerta pra algumas Pegadinhas do Mallandro que vivi por aí, mas em geral dá tudo certo

Por Bruno Favoretto
Atualizado em 19 mar 2021, 19h59 - Publicado em 12 abr 2017, 18h33

A finalidade deste post não é desincentivar cadeirantes e afins a viajar, pois sempre dá-se um jeito. O lance é alertar que ler que o hotel é acessível num site, seja o da própria hospedaria ou num aglutinador de reservas, não basta para que a informação seja verdadeira.

Assim como pode não ser suficiente enviar um e-mail para o estabelecimento dito acessível avisando que se tem uma necessidade. Fiz isso em todos os casos a seguir.

É sempre melhor ligar para o lugar pra informar a condição, algo que complica um pouco no estrangeiro, além de enviar mensagens inclusive pelo Facebook. Ou, se a grana permitir, um agente de viagem não é nada mal.

A boa notícia é que na maioria dos casos os exemplos são positivos  Aos perrengues:

A porta principal tem escada: perdi uma noite de sábado em Bogotá (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)

CX Hostel, Bogotá, Colômbia

Fiz a reserva de um quarto privado pelo site Hostels Club, que o qualifica como acessível para deficientes físicos, como você vê aqui, assim como faz o Trip Advisor no item Serviços/Comodidades.

Como já tenho experiência, mandei via Hostels Club a mensagem de praxe, a qual sinalizo que ando de cadeira de rodas, nunca respondida. 

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Quando cheguei lá, havia escada na porta principal e, na lateral, uma rampa bem íngreme que possibilitava adentrar o hostel, mas por meio de um café, um estabelecimento anexo. Quando tentei sair após as 9 da noite, o café estava fechado e a responsável pelo hostel não tinha a chave do café, aí a rampa ficava indisponível, então perdi uma noite de viagem.

A experiência não pode piorar? Por supuesto que sí: não somente não tinha um banheiro que me cabia (as cabines eram micro), como a privada e o chuveiro nem dividiam o mesmo espaço, ou seja, tinha que me arrastar no chão duas vezes caso quisesse tomar banho e, não necessariamente na mesma ordem, tirar água da chamada patela.

Oi? O Hostels Club insiste que o CX Bogotá é acessível; clique e confira (Reprodução/Arquivo pessoal)
O Trip Advisor também diz que é pra deficientes; clique e veja (Reprodução/Arquivo pessoal)
A rampa íngreme e sazonal do café anexo ao hostel de Bogotá (Reprodução Google Street View/Arquivo pessoal)

Hotel Portuense, Lisboa, Portugal

Rossio, coração lisboeta. Arranjei um hotel de bom custo/benefício colado na Praça de Dom Pedro IV. Troquei e-mails com o filho do dono do hotel, que me garantiu que o lugar era acessível. Mentira. Sem falar do degrau na entrada, o banheiro era inviável, apertado, sem ralo, com uma banheira que eu necessitava escalar…

Era fim de uma viagem longa, estava cansado, fiquei bravo na época, pô, mandei mensagem, fiz de tudo… Mas os caras que trabalhavam na recepção eram muito gente boa. Tinha o Fernando à noite, “adepto” do Futebol Clube do Porto, e havia um outro cara de dia que não me lembro o nome, mas trocamos grandes experiências. Ele era angolano e foi obrigado a lutar na revolução, viu coisas horríveis. Se emocionou ao recordar algumas dessas passagens tenebrosas, e também teve uma mãe cadeirante, o que o deixou deveras sensibilizado com a minha história: pra quem não sabe, levei um tiro de um PM paulista na porta do metrô em janeiro de 2000 e até hoje não fui indenizado pelo governo do estado de SP.

Enfim, a gente não pode deixar os perrengues nos afetar. Como eu disse, não é regra.

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Pior: o Hotel Portuense insiste que é acessível para deficientes físicos. Se alguém tiver notícia se mudou, me avise um bocadinho.

Banheiro inviável do lisboeta Hotel Portuense (Елена Медляковская/Reprodução)
No fim, tudo se acalmou na Torre de Belém (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)
O site do Hotel Portuense viaja (Reprodução/Arquivo pessoal)
Meu amigo angolano de Lisboa (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)

Clink 78, Londres, Inglaterra

O hostel funciona num velho tribunal, onde o escritor Charles Dickens foi estenógrafo e os punks do The Clash, uma das minhas bandas de cabeceira, foram julgados. Os quartos eram velhas celas, um barato. Havia uma entrada lateral com rampa, já que a principal tinha escada, de boa.

O problema era o banho: não tinha adaptação alguma no espaço do chuveiro, nem barra, então o jeito foi ir pro chão. O problema é que a luz só se mantinha acesa por meio de um sensor, que só era ativado se houvesse alguém em pé, se mexendo.

Ou seja, a luz apagava, pois eu estava no solo, fora que para a água do chuveiro manter o fluxo, a gente tinha que ficar pressionando o botão, que era alto para quem estava no chão, do contrário o chuveiro parava.

Isso porque o Hostel World dizia que ele era acessível. Na área em inglês do Hostels Club, onde fiz a reserva e avisei da minha condição na mensagem, está escrito que o acesso aos deficientes é limitado, mas colocam que o banheiro é adequado:

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O Clink diz que o banho é para disables no Hostels Club, mas não é; clique (Reprodução/Arquivo pessoal)

Fui há sete anos, talvez tenha mudado, mas não confiaria.

 

El Viajero, Montevidéu, Uruguai

Réveillon no Uruguai, preço camarada, chego à Calle Soriano e bum: tinha uma escadaria na porta do hostel, sorte que eu viajava com 2 amigos. Lá dentro, não tem banheiro que dê pra entrar com a cadeira e até na habitación tem um mini degrau na entrada.

O Hostel World, onde contratei o quarto e por onde avisei o El Viajero, diz que é adaptado.

El Viajero, em Montevidéu, seria acessível… (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)
O El Viajero paga de inclusivo no Hostel World; clique e confira (Reprodução/Arquivo pessoal)

Airbnb em Lucca, Itália

Como carcamano do bairro paulistano da Mooca, realizei um sogno quando reservei uma casa pra ficar sozinho nesta bela cidade murada toscana, acordar, ir comprar pão, ter a chave de uma casa na Itália, ver as biallettis na parede da sala…

Na página do imóvel dizia que era acessível. Ainda assim, mandei uma mensagem à anfitriã, Flavia, avisando da cadeira, que não poderia haver degraus, e ela respondeu que era de boa.

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Quando chego lá… 2 degraus dentro da casa. Mostrei o impresso da reserva a ela, mas a Flavia simplesmente me respondeu sem pensar.

Ao menos ela e o marido foram decentes de retirar a acessibilidade das características do imóvel. Me pediram desculpa. Passei a primeira noite lá. Na segunda, o marido dela foi lá de manhã, me ajudou a descer os 2 degraus e me pagou a segunda noite num hotel próximo, mas que exigia que eu me arrastasse no chão pra tomar banho, já que a porta do banheiro era pequena para entrar com minha cadeira, que também é pequena.

 

Hotel Atlântico Business, Cinelândia, Rio de Janeiro

Cheguei lá amarradão pra fazer a meia maratona do Rio com minha handbike, bicicleta manual. Avisei na reserva que eu era deficiente, mas a acomodação adequada estava ocupada e o funcionário deu uma de Pilatos, me deixando boladão. 

Na hora de descer ao chão pra adentrar o banheiro, machuquei meu joelho.

 

O elevador do Hotel Concordia, em Palermo (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)

Hotel Concordia, Palermo, Itália

Localização excelente, pertinho da stazione centrale, a qual há um McDonald’s que vende pizza.

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De novo havia escada logo na entrada do prédio do hotel, além de o elevador ser daqueles antigos, com grade e sem largura que possibilitasse a minha entrada.

Enzo, o dono, como bom siciliano, se mostrou grosso num primeiro momento, surpreendido com a situação, algo que não se justificava, pois mais uma vez o site dizia que era acessível.

Ao menos o banheiro dentro do quarto era bem amplo e bacana.

No fim, ele e o Maurizio, o faz-tudo do hotel, fizeram com que eu me sentisse em casa: Maurizio estava lá pra me ajudar na escada quando eu quisesse entrar ou sair (o cara não tinha folga), depois eles instalaram até uma rampa na escada, ainda que bem íngreme, das que requerem ajuda. 

Maurizio também alargou, no braço, a porta do elevador, e me coube. Me deram até presente. 

Maurizio, eu (mais jovem) e Enzo no Hotel Concordia (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)

Sleep In, Madri, Espanha

A mesma coisa, denomina-se acessível, mandei mensagem para o Javier, funcionário do hostel, que disse que não tinha problema ir de cadeira de rodas…

Mas, além de degrau na entrada, a lógica do banheiro era a mesma do CX Hostel, de Bogotá. Pelo menos Madri me reservava o camaradíssima 100 Montaditos.

Javier, do Sleep In Madrid, num momento Sérgio Mallandro (Reprodução/Arquivo pessoal)
O tour no Santiago Bernabeu, cancha do Real Madrid, era acessível (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)

Stayokay Voldenpark, Amsterdã, Holanda

É o ouro pernoitar num hostel com porta pra este parque maravilhoso, do lado da Museumplein do famoso letreiro I amsterdam, da Leidseplein…

O lance é que há acomodações adaptadas, como na unidade do Stayokay do bairro Zeeburg. O negócio é que o quarto que eu reservei não era adaptado no banheiro, então fui simbora pro banho no chão, de novo.

 

Old Prague Hostel, Praga, República Tcheca

O problema é que troquei e-mail com eles e só falaram que o quarto poderia ser apertado, coisa que não era, e nem mencionaram o banheiro, meu grande algoz:

A simpática Anna, do Old Prague, nem me falou do banheiro ruim (Reprodução/Arquivo pessoal)

O banho foi naquele esquema perrengue, não dava pra entrar com a cadeira no boxe.

Nem cartão aceitava. Mais uma vez, no Hostel World estava qualificado como acessível. Pelo menos eles retiraram essa informação não verdadeira.

De 1499, a U Fleku recebe cadeirantes com brejas em Praga (Bruno Favoretto/Arquivo pessoal)

 

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