Curtir um hotel na sua cidade é, sim, tirar férias
Reflexões e um review sobre se hospedar "em casa" (e com quartos bem adaptados para nós, deficientes)
Músicas e cheiros são capazes de me transportar no tempo. Provavelmente você também já tenha tido tal sensação.
Certa vez, entrevistando a chefe do Setor de Psicologia do Hospital do Coração, Silvia Cury Ismael, ouvi que as partes do cérebro que regulam emoções, memória, paladar e olfato são muito próximas umas das outras, e podem, rapidamente, nos reconduzir a um determinado momento, ainda que um momento longínquo, como as férias da infância, por exemplo.
Ou seja, aquele sabonetinho com fragrância de tangerina daquele hotel que você se hospedou merece ser levado consigo (é o único amenitie de hotel que embolso), merece ser deixado na gaveta da sua mesa de trabalho, da sua penteadeira ou escrivaninha (agora voltei lá nos anos 80)… Bateu uma tristezinha? Bora cheirar o sabonete. Bora colocar aquele som do Natiruts (ainda era Nativus) que marcou o verão na praia em 1998, quiçá ouvir até um Cumpadi Washington.
Se num der pra viajar, faça turismo na sua cidade. Um guichê de hotel já vira a chavinha, até dos mais workaholics. E no hotel tem aquele sabonetinho, tem aquele café da manhã, invariavelmente tem gente falando em inglês, em espanhol… Rola um efeito psicológico à la Encontros e Desencontros.
Assim, além de um pulo no interior, nas minhas férias que acabaram de acabar eu viajei por dentro da minha São Paulo, vi pontos turísticos e me dei o direito a duas noites no Radisson Vila Olímpia, hotel que acaba de adaptar os aposentos 410 e 411, vizinhos e praticamente gêmeos.
Sempre viajo nas férias, mas dessa vez foi diferente. A começar, a capital paulista, ainda que seja um mundo onde circulam cerca de 20 milhões de pessoas, segue com incidência maior em turismo de negócios, o que barateia a tarifa aos fins de semana: o quarto que custa em média R$ 589 durante a semana cai pra R$ 340 no finde. Fiquei lá de sexta a domingo.
Por ser uma região cheia de baladas, não dá pra baixar mais o preço, como se faz em Brasília, por exemplo, onde a tarifa pode cair pra um terço da quantia comum (foi assim no oscarniemeyeriano hotel Brasília Palace). Se o Radisson baratear mais, a galera sai chapada de um Villa Mix da vida, pernoita e “causa” no hotel.
E é legal pegar sua namorada(o), descer a rampa pra rua, dar um rolê a pé (digo, a rodas, no meu caso) pelas calçadas relativamente bem asfaltadas de um bairro que você não costuma circular (sou da Mooca e vivo mais pela Zona Oeste), tomar um goró no Eu Tu Eles, pegar aquele café da manhã à estrangeira com waffles e bacon, cair na piscininha quente.
Sendo realista e por já ter passado por muitos perrengues em hospedagens pelo mundo, só de haver uma acomodação em que a porta do banheiro comporta a cadeira de rodas já é motivo para um deficiente (de bom senso) comemorar, afinal ele sabe como isso é raro no cotidiano, principalmente em restaurantes e bares que te cobram R$ 12 num chope e não têm um banheiro em que o batente comporte a passagem da cadeira de rodas. Ainda bem que nem sempre é assim.
Tese de turismo doméstico defendida, eis minha avaliação do Radisson a partir do olhar de quem tem dificuldade de locomoção (desculpem as fotos, não estava com minha melhor câmera):
– Cama mais baixa
Ela é legal porque atende à maior “fatia” de pessoas: muitos cadeirantes têm pernas e braços mais curtos, então facilita para uma maioria.
Em geral, até mesmo cadeirantes atletas regulam a cadeira mais perto do chão do que faço com a minha, mas, mesmo com a minha mais alta em relação ao chão, foi fácil fazer as transferências da cadeira para a cama, e vice-versa.
Claro, também facilita aos portadores de nanismo.
– Armário
Achei joia o cabide que desce até a gente: há um acessório comprido que a gente puxa para o cabide abaixar, é leve e fácil, algo raro.
– Pia
Fica fora do banheiro, é o padrão de todos os quartos do Radisson, não somente dos adaptados. Além de contar com as barras, há um espelho cuja curvatura faz quaisquer deficientes visualizarem a si próprios na boa. A pia também está a uma altura boa pra encaixar a perna embaixo dela quando se está na cadeira.
Pra quem anda de muletas, uma barra que circundasse a pia ajudaria, mas há as outras barras ao lado do espelho, então a pessoa não fica na mão.
– Banheiro
Confesso que nunca havia visto uma cadeira de banho em um banheiro de hotel, mas ela atende até melhor que os costumeiros bancos presos à parede a um idoso debilitado, a alguém com alguma paralisia ou mesmo ao tetraplégico. Este geralmente necessita de um acompanhante, e com a cadeira de banho é possível que o acompanhante transporte a pessoa nessa cadeira entre o vaso sanitário e o chuveiro.
Normalmente nos hotéis há aqueles bancos presos à parede para que o deficiente tome banho, conforme mencionei acima, mas muitas vezes eles não são uma opção segura, pois costumam ser estreitos, podendo causar quedas sobretudo a quem tem espasmos na perna, algo não raro em pessoas com mobilidade reduzida.
Quanto ao vaso, ok, inclusive a válvula da descarga é leve o bastante para que inclusive um tetraplégico fique mais próximo de conseguir apertá-la, digo mais próximo porque muitas vezes ele não consegue erguer o braço.
A porta de correr também facilita a entrada.
Enfim, na hora do check-out no domingo, trouxe comigo o sabonete com cheirinho de tangerina. Ele está aqui na gaveta da redação.
Serviço
Radisson Vila Olímpia
Rua Fidêncio Ramos, 420, São Paulo – SP
(11) 2197-7650
Diárias desde R$ 340
Mais Paratodos
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