Por que o Central, no Peru, foi eleito o melhor restaurante do mundo
Em tempos em que buscar ingredientes exclusivos é quase uma obsessão da gastronomia mundial, o Central leva essa premissa aos patamares mais altos
Foi a primeira vez que um restaurante latino-americano atingiu o topo do ranking do The World’s 50 Best Restaurants, a premiação mais influente e poderosa do mundo da gastronomia. Levou mais de 20 anos para que isso acontecesse. Desde 2002, quando foi criada na Inglaterra e surgiu no panorama internacional, a lista revelada anualmente só premiou restaurantes europeus e (dois) norte-americanos.
É um feito e tanto para o restaurante localizado no charmoso bairro de Barranco, em Lima — cidade que se converteu em um destino gastronômico com o boom da gastronomia peruana no mundo. Principalmente se considerarmos que não há, no menu-degustação (entre R$ 700 e R$ 1.400), nenhum prato com influência francesa nem sequer receitas com uma ova de caviar ou uma lasca de trufa italiana do Piemonte (ingredientes quase obrigatórios em restaurantes deste nível).
No Central, entre as estrelas da cozinha estão o arapaima, um peixe capaz de dar altos saltos nos rios da Amazônia para comer frutos das árvores; batatas “voadoras”, que nascem em arbustos a mais de mil metros de altitude; e grãos nativos dos Andes como a kiwicha, uma prima da quinoa que se manteve como uma das principais fontes de alimentos dos povos nativos. Cerca de 80% de tudo o que se come ali é novo para um estrangeiro — e também para alguns peruanos.
Logo na entrada do elegante e arejado salão todo repleto de materiais naturais, como madeira e pedra, uma mesa alta de mármore com sulcos redondos dá boas vindas e apresenta os ingredientes em suas formas originais para que os visitantes já se familiarizem com o que vão encontrar no prato. São peixes secos, raízes e tubérculos de diversos formatos e cores, que vão do amarelo vibrante ao rosa claro.
Tudo o que se serve ali é absolutamente original, esteticamente refinado e surpreendentemente novo. Há pratos com ingredientes azuis (navalheiras pintadas com cianobactérias), outros com longos filamentos verdes (que mais parecem algum tipo de spaghetti fino) cobertos de salicórnias, crocantes de milho cultivados em altitudes extremas — a mais de 4 mil metros. O menu do Central é uma homenagem aos diversos biomas peruanos, entre o mar e os mais altos picos andinos, passando por desertos, lagoas de águas salgadas e vales profundos.
Os sabores, como as aparências dos pratos, também são novos: às vezes terrosos, outras levemente doces. Como no caso dos muitos tipos de batatas cheias de amido, assadas em um pequeno forno de chão, conhecido como pachmanca, feito com uma argila comestível usada por séculos pelos Quechua. A comida não é o que se pode chamar de deliciosa (alguns pratos têm textura mais desafiadora, quase borrachuda), mas o objetivo, ali, é oferecer uma experiência crescente pelos produtos do país. Um dos pratos combina uma melancia silvestre com pacu e folhas de coca. Outro, couve-flor trazida do Valle Sagrado e cherimoya (fruta-do-conde).
Desde 2008, quando abriu as portas ainda em sua primeira versão, no bairro de Miraflores, o Central foi ganhando, mais que prêmios, o reconhecimento do público e da crítica por seu trabalho único e autêntico de uma cozinha superlocal. Também foi um dos pioneiros na América Latina a reunir cientistas, antropólogos, botânicos e outros especialistas para empreender uma pesquisa profunda sobre a despensa peruana. Juntos — e a comando do Mater Iniciativa, um centro de estudos fundado e financiado pelo restaurante — eles iniciaram uma escavação sobre as raízes alimentares do Peru.
Trata-se de um trabalho meticuloso, inédito e profundo que poucos outros projetos ousaram fazer no mundo, ao tentar trazer ao comensal ingredientes que dificilmente se encontrariam na receita de outro chef. Em tempos em que buscar ingredientes extremamente exclusivos é quase uma obsessão da nova gastronomia mundial, o Central leva essa premissa bem mais alto. Tão alto quanto o topo do mundo.
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