Atenção senhores passageiros do voo 357, última chamada para o embarque! O assento da janela é meu! Comissário, corre, discussão no corredor. Atenção senhores passageiros sentados na fileira junto às saídas de emergência! Criança chorando, avião decolando. Senhor? Táxi, táxi, táxi! Passeio mais barato é aqui, desconto pra você, amigo! Selfie, filas, selfie, aglomeração, outra selfie, caixinha de som bluetooth, mais uma selfie.
Em tempos de quarentena, dá até saudade dessa cacofonia toda, né?
Pronto, a bagunça foi embora enquanto eu escrevia essas poucas palavras. Assim que superarmos a fase do distanciamento social compulsório, buscarei meu distanciamento social voluntário, aquele que pratico de tempos em tempos para fugir do caos urbano de São Paulo.
Sou um sujeito fascinado pelo céu. Uma coisa que costumo priorizar na escolha dos meus destinos de viagens é a possibilidade de passar ao menos algumas noites em locais remotos, com pouca ou nenhuma poluição luminosa, que são ideais para investir algumas horinhas de vida observando e fotografando o céu e suas infinitas estrelas.
Não é exatamente uma regra, mas normalmente onde há pouca poluição luminosa há também pouca poluição sonora. Digo que não é uma regra pois encontrar um lugar livre de ruídos humanos é um desafio, mesmo em lugares que parecem o famoso meio do nada. Nós humanos somos bichos barulhentos: conversas, celulares, motores, avião passando, trem apitando, caixinha de som bluetooth. Sim, elas novamente, carrego a certeza de que quando Yuval Harari diz que nós humanos sempre fomos muito melhores em inventar ferramentas do que em usá-las sabiamente, ele estava pensando nas cada vez mais onipresentes caixinhas de som bluetooth, mas isso é assunto para outro texto.
Você já teve a chance de ouvir o som do silêncio?
Sim, o silêncio tem um som, um som puro, composto pelo que emana da natureza e dos nossos pensamentos.
O silêncio em sua forma pura tem o som do vento, que sopra grãos de areia ruidosos que passam raspando pela pele. Tem o som das ondas, que por milênios batem e moldam aquela curiosa formação rochosa. Tem o som de um calmo curso d’água, cercado por árvores, com folhas farfalhando e pássaros cantando. O silêncio pode ter o som de uma tempestade ou de um vulcão que entra em erupção. Mas talvez o silêncio que eu mais gosto é o do crepitar de uma fogueira sob o céu estrelado.
Eu já tive o privilégio de estar em alguns lugares que me brindaram com o silêncio, que é ainda mais “ensurdecedor” e tocante ao anoitecer. Quando a noite vence o dia e a Terra fica em total silêncio, você pode finalmente ouvir apenas a noite e a si mesmo, a respiração, o coração, os pensamentos.
A noite pode ser assustadoramente quieta, qualquer passo, qualquer ruído é o suficiente para perturbá-la, e você não quer incomodar, pois você não sabe o que existe do outro lado da escuridão.
Eu gosto de passar horas acordado na madrugada, na companhia dos meus pensamentos e das estrelas. Isso me emociona e me assusta na mesma medida. Talvez porque o silêncio me coloque em contato com o natural, com minhas origens, o silêncio me conecta comigo mesmo, me faz pensar e me amadurece.
Hoje em dia, parece que esse contato assusta cada vez mais pessoas. Mas e você, já ouviu o silêncio?
Experimente uma noite de acampamento na savana africana, faça a travessia dos Lençóis Maranhenses, assista o pôr do sol no Vale da Morte no Deserto do Atacama, quem sabe você não estica até Incahuasi, a ilha de cactos gigantes no Salar do Uyuni com seu majestoso nascer do sol, explore as chapadas brasileiras.
Escrevendo do conforto do sofá de casa, me bateu uma saudade enorme de ouvir o silêncio, acho que finalmente chegou a hora de planejar aquele antigo sonho de subir o Monte Roraima. Como será o silêncio acima das nuvens?
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