O verão mais estranho do século na Espanha
Com movimento 83% mais baixo nos principais aeroportos e hotéis vazios, viajar pela Espanha agora até tem suas vantagens, mas é esquisito demais
Desde que a pandemia começou, especulávamos sobre como seria o turismo de verão em 2020 na Europa. Afinal de contas, é na estação mais quente do ano que o setor faz grande parte do seu pé de meia. Após meses de restrições de circulação e lockdown, esperava-se que as viagens fossem reativadas nesse período, ainda que com muita precaução e altas doses de incerteza.
De fato, entre o fim de junho e meados de julho, vivemos uma alegria efêmera por aqui, em um ambiente que até dava para chamar de próximo da normalidade. Muitas das tendências apontadas de antemão para o setor do turismo se confirmaram: viagens predominantemente nacionais ou a países vizinhos, mais casa alugada e menos hotel, destinos de natureza bombando. Quase todos os meus amigos, por exemplo, tiraram férias dentro das fronteiras da Espanha e muitos deles foram explorar picos no interior dos quais eu nunca tinha ouvido falar.
A freada em seco veio no fim de julho, quando a situação sanitária na Espanha começou a piorar, antecipando uma situação que todos sabíamos que aconteceria, mas que os especialistas tinham previsto para o outono. Barcelona, uma das zonas mais afetadas por novos casos de covid-19, entrou em uma espécie de quarentena light novamente. A partir de então, o Reino Unido recomendou seus cidadãos a evitar viagens para a Espanha e, de lá pra cá, vários países (inclusive a Alemanha) tomaram medidas parecidas, jogando um balde de água fria em um setor do turismo que já andava moribundo e que representa 12% do PIB do país.
Quietinha em Menorca desde maio, a minha sensação era a de que o verão continuava acontecendo. É certo que, em julho, apenas 60% dos hotéis da ilha estavam funcionando e que a ocupação média deles não passou de 38%. Ainda assim, tínhamos passado de zero turista em junho a uma situação de praias relativamente cheias, restaurantes com movimento razoável e ruas com gente e vida, o que dá uma falsa sensação de que as coisas estão minimamente nos eixos.
Foi chegando a Barcelona, na semana passada, que me dei conta da gravidade da situação. Em pleno mês de agosto, o aeroporto estava extremamente vazio. Nem todas as lojas dos terminais estavam abertas. Com razão. Mango, a loja oficial do Barça, Desigual e outros hits se encontravam totalmente às moscas quando passei por lá (em uma sexta-feira à tarde!).
As estatísticas atestam o que vi. Em julho, o movimento do aeroporto da capital catalã registrou um movimento 83% mais baixo do que o normal para essa época do ano. Em agosto, depois dos alertas emitidos pelos países vizinhos, a tendência é que fique ainda mais tranquilo. O marasmo do terminal se reflete na cidade: apenas 120 dos 500 hotéis de Barcelona estão abertos atualmente, com ocupação média de 12% (em julho chegou a 25%)!
Para quem está viajando por Barcelona e a Espanha em geral atualmente, há várias vantagens. Comer no Mercado de la Boqueria sem dar ou receber cotoveladas, visitar museus sem fila e perambular pelas Ramblas vazias são alguns milagres possíveis atualmente. Isso sem falar em tarifas de hotéis. No W, por exemplo, quartos de 450 euros estão sendo reservados por 180. Mas não dá pra não se sentir mal com tudo o que está por trás disso – eu, pelo menos, não consigo.
No meu bairro, que fica na área central, mas em uma zona não tão turística, é comum que muitos restaurantes e lojas fechem para férias em agosto. Este ano, no entanto, muitos estabelecimentos desceram a persiana para sempre. Em um raio de 200 metros de casa, pude constatar que minha lojinha de roupas favorita já era, assim como um ótimo restaurante de cozinha latino-americana e um vegetariano. Também fecharam salões de cabeleireiros e padarias. O cenário já é parecido com o da última grande crise econômica, com placas de “aluga-se” por todo lado.
Torcendo para que uma vacina coloque um ponto final nessa situação maluca, aqui desse lado do Atlântico só nos resta aproveitar os últimos raios de sol para tomar forças. Ao que tudo indica, o outono promete muito sofá, baladinha no Zoom e yoga de app. E vamos que vamos.