De todas as cidades históricas de Minas Gerais, Tiradentes foi a que mais sincronizou com a modernidade: fez suas pousadas virarem butique, suas cozinhas ganharem chefs, seu casario se manter pintado e fotogênico, seus festivais atraírem a juventude criativa. Nas ruelas do centro histórico, o movimento flutua ao sabor dos feriados, que enchem e desenchem o Largo das Forras, praçona com charretes com pangarés cansados. Brasilidades e mineiridades forram as prateleiras das lojas: cerâmicas, telas, enfeites de madeira, de ferro, de pedra-sabão, cachaças, geleias, biscoitos, queijos, doces de leite, de abóbora, de mamão.
A calçada de pedras “solteiras” desencaixa o andar enquanto o visitante explora as outras ruelas, onde se encontra o tecnológico Museu da Liturgia, com mais de 420 peças sacras. Mais adiante fica a Igreja Matriz de Santo Antônio, cuja fachada amarelo-ovo estala sob o céu azul. A construção carrega nas costas três séculos de vida, 482 quilos de ouro e um órgão português com oito fileiras de tubos. Vale visitar também a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
À parte das heranças católicas, o melhor museu da cidade é o curioso Instituto Mário Mendonça. Do colecionador e artista carioca, a casa tem Tarsila do Amaral na sala de estar, uma bailarina de Degas no hall, esculturas de Rodin em cima da lareira, uma série de Boteros na cozinha. Ali, de bobeira.
No centro histórico, a boa para jantar é o Tragaluz, com comida mineira servida à luz de velas. No dia seguinte, a estrada torce morro acima durante os 7 quilômetros até Bichinho. Ali, há pelo menos 20 anos, lojas, oficinas e ateliês com peças dos locais proliferam numa rua de terra, única e contínua.
Salta aos olhos o espaço do artesão Alex Mendonça (ou Alex Terra, como é conhecido ali), belo-horizontino que há três anos cavuca as terras da região: já achou 28 tipos delas, com cores distintas, que ele aplica a materiais reciclados, como discos e garrafas, e faz lindos ornamentos para prateleiras e paredes. E ele te conta essa e outras histórias porque, pra um bom mineiro, nunca é tempo ruim pra prosear.
Na saída de Bichinho, diante da amplidão da Serra de São José, come-se frango com quiabo fumegando na panela de barro no restaurante Pau de Angu. Para repetir 20 vezes.
São João del Rei e além
De Tiradentes parte a maria-fumaça que, em 40 minutos, leva a São João del Rei. Apesar de inchado pelo desenvolvimento urbano, o município ainda preserva seu patrimônio barroco.
Os guias na saída da estação de trem facilitam o transporte pelo centro histórico, e levam à Rua Santo Antônio, antigo caminho dos Bandeirantes, onde o pessoal tomava cerveja sob as janelas coloniais, e à Igreja de São Francisco de Assis, cuja bela portada é atribuída a Aleijadinho.
Deixei Tiradentes com sentimentos dúbios: não sabia se era maior a vontade de ficar ou de partir para ver mais de Tiradentes. Segui então o antigo caminho da Estrada Real, singrando serras e pequenos bosques. Não muito à frente faço um desvio pra ver Resende Costa, onde a Avenida Alfredo Penido descortina uma profusão de lojas especializadas em artesanato têxtil, com redes penduradas nas varandas, colchas e mantas estendidas nas paredes, tapetes no piso, rolinhos de jogos americanos e bonecos de tecido nas prateleiras.
Depois de mais 30 quilômetros, o caminho desemboca na avenida principal de Lagoa Dourada, cujo comércio banal carece de charme. Sigo no encalço das fachadas que garantem “o melhor rocambole do mundo” e paro no “Legítimo Rocambole”. Os cilindros de massa fofa vazando doce de leite seduzem no balcão, próximos aos de nozes, brigadeiro, goiabada… Daquele doce que enjoa, mas vicia.
Reserve espaço no estômago pra outra parada gulosa no Café com Prosa, já nos limites do município de Entre Rios. Trata-se daquele bom restaurante de estrada que a rede de postos de serviços Graal ainda não massificou, com fazendinha e venda de doces e bufê mineiro. A prata da casa é o “pãozin” de queijo (que de pãozin não tem nada: é um belo de um pãozão) com linguiça feita na casa.
Daí é uma toada de 44 quilômetros até Congonhas, onde o carro dá voltas pra subir em direção ao majestoso conjunto da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Uma reforma tomava o interior da igreja (“Ih, não vai terminar tão cedo”, diz o segurança na porta). Mas recobrei o ânimo ao perceber que a joia ali está do lado de fora, nos 12 profetas de pedra-sabão esculpidos por Aleijadinho e seus auxiliares, entre 1800 e 1805, dispostos simetricamente na escadaria. Descendo, o declive do terreno incita a tirar fotos das pequenas capelas e lojinhas com a igreja ao fundo de vários ângulos.
Ouro Preto
Ouro Preto surge eminente envolta por montanhas, que lhe conferem um ar quase místico. As ladeiras escarpadas causam certa perturbação física (no corpo e no motor do carro 1.0), mas o calibre das atrações compensa. Vide a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, com seu interior esculpido em ouro e belas capelas talhadas, e a Igreja de São Francisco de Assis, cujo forro da nave Mestre Ataíde levou mais de dez anos para pintar. Vale ver também a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, onde está o Museu do Oratório, com mais de 160 oratórios.
Um rebanho humano de estrangeiros, estudantes e outros visitantes abarrota a Praça Tiradentes, o cocoruto do centro histórico, onde o Museu da Inconfidência exalta aqueles que ajudaram a levar o país a caminhar com as próprias pernas. Dali escoam ruelas com pequenos restaurantes cuja qualidade não chega nem aos pés dos de Tiradentes. Boas opções, porém, são o Bené da Flauta, com pratos mineiros, e o Chafariz, onde a decoração tem santos, louças antigas e espelhos ornando a mesa do bufê.
As ruazinhas também levam a points como a ótima Casa Guignard, com obras do pintor Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), uma das maiores figuras artísticas de Ouro Preto, e a Casa dos Contos, antiga local de pesagem e fundição de ouro.
Contrariando os desestímulos causados pelo desastre nas barragens do Rio Doce, atingi Mariana. E ver seu centrinho intacto deu aquele alívio no peito (ainda que eu soubesse que a lama estava a pelo menos 30 quilômetros dali). A Catedral Basílica da Sé ainda é uma das igrejas mais ricas do Brasil, com lustres de cristal e altares cheios de ornamentos.
A Praça Gomes Freire continua bucólica, com seus laguinhos, bancos e coreto. A Casa dos Artistas Mestre Ataíde segue abrigando quase 30 artistas, que trabalham na sua frente e expõem suas obras. As construções coloniais resistem lindamente coloridas.
Lavras Novas
Apesar de estar a apenas 19 quilômetros de Ouro Preto, Lavras Novas é um desvio recôndito, talvez pelo acesso estranho por uma estrada de terra que te faz duvidar se o caminho está correto. Persista em encontrar essa vila mínima, em que crianças correm nas ruas, cachoeiras escorrem dos morros e a vida parece seguir à parte do resto do mundo. Pousadas gracinha se aproveitam das vistas avassaladoras e recebem casais para fins de semana de lua de mel. A Canto dos Prazeres, a melhor da cidade, ganha todo mundo com piscina aquecida virada para um janelão.
O epílogo da rota é o simplinho mas interessante Museu das Reduções, no município de Amarantina, com réplicas em miniatura de monumentos brasileiros elaboradas em uma escala 25 vezes menor que a dos prédios originais. Para dar uma olhada antes do almoço providencial na Chão de Minas, refúgio de 5 hectares onde o casal Caio e Abadia Bueno tem um pequeno alambique, um restaurante com bufê típico e uma bela pousada.
Eu me abasteci ali antes de encarar os quase 700 quilômetros de volta a São Paulo. Bastante tempo para pensar em como Minas Gerais afaga o estômago, regozija o olhar, evoca o sorriso e deixa com ânsia de explorar mais nosso Brasil.
Guimarães Rosa resumiu bem: “Minas Gerais, inconfidente, lírica e sábia, cafeeira, barroca, do ouro das minas, santeira, serrana bela, idílica, atemporal, de pedra-sabão, dos horizontes, de terra antiga, canônica, sertaneja, benta e circuncisa, mineral e intelectual, da saudade, do queijo, do tutu, do milho e do porco, do angu, do frango com quiabo. Minas em mim: Minas comigo.”
Onde ficar
Com cara de vila colonial, a Pequena Tiradentes tem quartos charmosos, piscina aquecida e restaurante. Na Lis Bleu, a poucos passos do burburinho do Centro, a vista encanta: as serras que cercam Tiradentes são pano de fundo da área externa.
Em Ouro Preto o Pouso do Chico Rey fica numa casa do século 18 e tem quartos onde já dormiram Vinicius de Moraes e Simone de Beauvoir. No Solar do Rosário, o destaque vai para a fachada imponente do casarão, com balcão inglês. No município de Cachoeira do Campo, a 18 km, a Chão de Minas tem 14 quartos com lindos ladrilhos hidráulicos num casarão inspirado nas antigas fazendas mineiras.
Em Lavras Novas, casais adoram a Canto dos Prazeres, com oito quartos com decoração com budas, peles, antiguidades, tapetes estampados e quadros pintados pelo proprietário. O sossego também é certo nos chalés da Pousada Carumbé, onde rolam shows à luz de velas na taberna do local nos fins de semana.
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