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Fim de semana alternativo pelo Leste de Londres

Bermondsey, Columbia Flower Market, Brick Lane, City e Whitechapel. Um tour por feiras e mercadinhos descolados na região mais vibrante da capital britânica

Por Felipe van Deursen
Atualizado em 5 abr 2022, 15h16 - Publicado em 30 set 2019, 19h57
Brick Lane, Londres, panorâmica da rua
Restaurantes indianos são a marca registrada de Brick Lane (Anton Phatianov/Getty Images)
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A maior metrópole da Europa é a maior cidade imigrante do mundo. Cerca de 37% dos habitantes de Londres nasceram em outro país, o que significa que é quase impossível ir para a capital do Reino Unido e ver apenas britânicos. Visitar Londres é visitar boa parte do planeta ao mesmo tempo. Gostemos ou não, a cidade que se julgava, orgulhosa, o centro do mundo ainda consegue exercer de certa forma esse papel, apesar de os tempos de império há muito terem ficado para trás. 

Tamanho fascínio é visível na quantidade de gente que viaja a turismo ou a trabalho para lá. Com tanto turista se acotovelando e com tanta diversidade humana, cabe a pergunta: por que ir para Londres e ver as mesmas coisas que todo mundo? Dá para variar bastante o roteiro, encantar-se com bairros e ruas até então desconhecidos e constatar, cada vez mais, que esse é dos lugares para voltar sempre que possível.

Confira este roteiro para um fim de semana em bairros que não fazem parte da rota turística mais tradicional. E nem precisa se preocupar com a distância. Todos ficam próximos, dentro de distritos centrais de Londres e a no máximo 40 minutos de metrô do Big Ben.   

Spa Terminus & Maltby Street Market, em Bermondsey

“Aqui é Shoreditch 15 anos atrás” é um comentário comum na região, uma referência ao processo de gentrificação e aparente perda de identidade da mais famosa zona descolada de Londres (voltaremos a ela em breve). De fato, vê-se bem menos hipsters em Bermondsey, bairro do South East, ao sul do Tâmisa. Dá para percorrer um quarteirão inteiro sem avistar um bigode irônico ou um desgastado coque samurai.

A região começou a se desenvolver como um subúrbio chique após o Grande Incêndio de Londres (1666). A descoberta de uma fonte de água no século 18 foi a chama que deu início à primeira fase gastronômica do bairro, que daria à luz o biscoito Peek Frean e o gim Gordon, por exemplo. No século 19, a área entrou em processo de deterioração, e a favela que surgiu foi imortalizada em Oliver Twist, de Charles Dickens.

Pães da Little Bread Pedlar, na Spa Terminus, Londres, Inglaterra
Pães da Little Bread Pedlar, em Spa Terminus. Crédito: (Little Bread Pedlar/Divulgação)

Bermondsey testemunhou também a expansão ferroviária inglesa. Inaugurada em 1836, a estação Spa Road foi o primeiro terminal de Londres. Ela funcionou até 1915, enfrentou décadas de abandono e, hoje, nos arcos sob a antiga linha, funcionam lojas de pequenos produtores de delícias inglesas. Com o intuito de preservar e resgatar antigas receitas, a turma reunida no Spa Terminus quer ajudar a enterrar a centenária má fama da gastronomia do país. São diversas lojinhas vendendo mel, sorvete, gim, azeites, geleias, pães, queijos e embutidos (feitos com “respeito ao animal”), entre outros.

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Fuçando de tenda em tenda, surpreenda-se com gostos e aromas bem distintos. Dá até para sair de lá com uma cestinha de lembranças bem criativa, que poderia incluir a carne com terroir escocês e irlandês da O’Shea’s Butchers, potinhos de mel da London Honey Company e os queijos típicos da Kappacasein, como London Raclette e Bermondsey Hard Pressed. Imagine a cara de surpresa quando virem que você chegou da Inglaterra (e não da França ou da Itália) com um punhado de delicinhas artesanais.

O público é o pessoal do bairro, gente de tudo que é idade, cachorro na coleira em uma mão e pão fresco na outra. Quase não se veem turistas e a coisa toda ainda é um pouco vazia, sem aquela alegria de feira de rua. 

O Spa Terminus abre para o público aos sábados, de 9h às 14h. Ideal para emendar em outro giro gastronômico, esse bem mais movimentado, o Malby Street Market, ali pertinho.

Maltby Street Market, Londres, Inglaterra
O Maltby Street Market proporciona uma volta ao mundo pelos sabores das barraquinhas. Crédito: (Maltby Street Market/Facebook/Divulgação)

Espremidos sob um viaduto da mesma antiga linha de trem do Spa Terminus, os vendedores da Maltby formam um colorido e disputado corredor de comidinhas, bebidas e guloseimas de dezenas de países. 

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O mercado funciona aos sábados das 10h às 17h e aos domingos das 11h às 16h. É bem mais cheio e hipsterizado do que o Spa Terminus. Como apenas 10 minutos de caminhada separam um do outro, dá para fazer ambos em um sábado de manhã, por exemplo. A estação de metrô mais próxima é a Bermondsey, na linha Jubilee.

Columbia Road Flower Market

No bairro Bethnal Green, os domingos ficam coloridos na Columbia Road, onde rola uma linda e tradicional feira de flores e plantas. O corredor de lojas foi estabelecido nos anos 1860, oferecendo tudo que era produto aos moradores do East End, em uma época em que a população da cidade explodia. Na rua, o comércio de flores, no princípio, acontecia aos sábados, mas com a crescente participação de judeus, ele mudou para domingo, já que sábado é o dia de descanso no judaísmo. Com o tempo, o mercado de sábado decaiu e o de domingo floresceu (foi mal, trocadilho inevitável).

Columbia Road Flower Market, Londres, Inglaterra
A Columbia Road florida em um domingo qualquer. Crédito: (Aurelien Guichard/Flickr)

Nos anos 1970, ele teve um período de decadência e quase acabou, mas desde os anos 1980 voltou a crescer para ser o que é hoje, um conjunto de 60 lojinhas independentes vitorianas, pequenas galerias de arte, docerias, cafés, pubs e comércios de jardinagem que servem de pano de fundo para vendedores de girassóis, lírios, gérberas, rosas e até coentro e bananeiras. Tem barraca específica para arbustos e gramíneas, e o clima é familiar para quem frequenta feiras livres no Brasil, com aquela gritaria, comerciantes berrando frases de efeito a todo momento, gente se esbarrando com seus carrinhos. A diferença é que em vez de pedaços de hortaliças e frutas espremidas, o chão fica salpicado de folhas, podas e pétalas. 

A rua fica apinhada, especialmente se você tiver a sorte que eu tive de pegar um domingo ensolarado. O mercado de flores da Columbia Road acontece das 8h às 15h todos os domingos, incluindo feriados. A estação mais próxima é a Hoxton, do Overground, o trem de superfície. No verão, não deixe de passear no arredores do bairro. Bethnal Green tem jardins despretensiosos cercados de predinhos lindos, com crianças brincando e jovens deitados na grama lendo. Você pode começar pelo Parque Haggerston, ao norte da Columbia Road (é só atravessar a Hackney Road) e depois descer até Warner Green. Tudo em um raio de 300 m.

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Columbia Road Flower Market, Londres, Inglaterra
A Columbia Road fica apinhada de gente, principalmente nos domingos ensolarados. Crédito: (Jonathan Pearson/Flickr)

Brick Lane Market, em Shoreditch

Ou então você pode caminhar até o moderninho Shoreditch, ali do lado. Não dá para evitar a Brick Lane, rua mais badalada da área. É o suprassumo da hipsterlândia, e por isso mesmo os hipsters mais iniciados dizem que já não é tão hipster assim. A rua é cheia de grafites por todo lado e pessoas com roupas que você fica sem entender se assaltaram um brechó ou se pertencem a um culto do século retrasado. 

No domingo, a Brick Lane é tomada por uma feira que tem tudo que se espera do tipo: discos, livros, roupas usadas, antiguidades, cacarecos, cafés artesanais e microcervejarias. O pacote completo. Os preços não são lá muito convidativos e você precisa estar disposto a garimpar. 

Cenário hipster de Brick Lane Market, Londres, Inglaterra
Flagrante hipster em Brick Lane. Crédito: (Garry Knight/Flickr)

Preços em alta são uma marca dessas áreas descoladas, e aqui não é diferente, a gentrificação chegou para valer. Nos últimos anos, artistas e comércios alternativos passam a dar lugar a marcas globais, grandes redes, aluguéis caros. É uma marca do nosso tempo, esses dedos hipsters que parecem que transformam em ouro tudo que tocam, decretando o início do fim de algo que eles próprios criaram. É um ciclo que se repete em dezenas de países. 

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Outra percepção nítida é que toda zona hipster, em qualquer país, tem um semblante globalizado e repetitivo. Caras barbudos, cafés indie, cervejas fermentadas em casa, grafites irônicos, tecnologias do tempo dos avós ressuscitadas etc. Mas ainda assim é muito interessante visitar tais ruas, porque, debaixo dessa camada superficial, sempre dá para cavar algo específico dali, uma característica cultural local. Nos grafites politizados da Brick Lane, algumas referências passam batido, a não ser que você seja um iniciado nas tramas da Câmara dos Comuns.

Tudo que descrevi nos últimos parágrafos você vê num bairro hipster (ou pós-hipster) de sua preferência. Mas onde mais se teria, no meio daquelas artes de rua ridicularizando Donald Trump e o Brexit, casas de curry e uma tradicional loja aberta 24h especializada em beigels, a Brick Lane Beigel Bake? “Beigel” mesmo, não bagel, porque segue a tradicional receita dos judeus poloneses, sem espaço para americanizações. Isso na rua que tem placas escritas no alfabeto latino e no bengali.

Brick Lane Beigel Bake, loja aberta 24 horas especializada em beigels
O beigel raiz do Brick Lane Beigel Bake (nada de “bagel” por aqui). Crédito: (Elise Pearce/Getty Images)

No século 19 e no começo do 20, Brick Lane era uma rua dominada pela comunidade judaica. Depois, os bengaleses chegaram a ponto de ela ser chamada também de “Banglatown”. Nos últimos tempos, eles têm se mudado para outras áreas. Mas as marcas desses povos continuam muito presentes debaixo da epiderme hipster, com a qual, naturalmente, elas também se misturaram. E aí nós temos algo que só poderia brotar no East End.

A feira de rua da Brick Lane acontece todo domingo, das 10h às 17h. A estação mais próxima é a Shoreditch High Street, do Overground. Se você quiser fazer a dobradinha Columbia/Brick Lane, vá antes na das flores, para tentar pegar a rua menos cheia, e depois na outra, que dura até mais tarde e combina mais com uma cerveja vespertina. Artesanal, claro.      

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City e Whitechapel

Descendo a Brick Lane em direção ao Tâmisa, você chega a um bairro que compartilha as origens judaicas e bengalesas, o Whitechapel, até hoje uma tradicional região de imigrantes. Whitechapel não é uma opção óbvia de hospedagem, mas tem seu apelo. Caminhando 20 minutos ao norte tem a Columbia Road. Vinte minutos ao sul está a Torre de Londres. Isso para quem é de bater perna, porque o bairro é bem servido de transporte público. 

Ali fica uma praça arborizada que foi revitalizada para as Olimpíadas de 2012, o Parque Altab Ali. A capela branca que dá nome ao bairro ficava ali, mas foi destruída pelos bombardeios nazistas, na Segunda Guerra Mundial. O parque é uma homenagem a um bengalês de 25 anos que foi assassinado por três jovens quando voltava do trabalho, em 1978. Eram tempos de violência étnica alarmante no East End.

Outra época violenta que fez a fama de Whitechapel foi a década de 1880. O bairro foi o cenário dos crimes do mais infame dos assassinos seriais, Jack, o Estripador. Você pode fazer um tour guiado para visitar esses lugares ou ir por conta própria, eles estão listados no Google Maps.

Se preferir algo mais tradicional, você pode ir à Whitechapel Gallery, museu de arte contemporânea, ou tomar uns pints em alguns dos longevos pubs do bairro, como White Swan, The Bell ou The White Hart. Mas mesmo lá a história vai te perseguir. Um dos primeiros suspeitos de ser Jack the Ripper trabalhava justamente no porão do White Hart, bar que mudou muito pouco nos últimos 130 anos. Haja goles de história. 

Whitechapel Gallery, Londres, Inglaterra
A fachada clássica da Whitechapel Gallery. Crédito: (Whitechapel Gallery/Divulgação)

Fãs de arquitetura podem aproveitar o fim de semana para caminhar pelas ruas esvaziadas da City, o distrito financeiro da capital britânica, do lado de Whitechapel. Nove dos 25 prédios mais altos de Londres estão lá, incluindo o mais famoso deles, o 30 St Mary Axe, mais conhecido como The Gherkin (“o pepino”). Desses, praticamente todos foram erguidos de 2000 para cá, o que dá uma amostra da verticalização por que passa Londres.

A City tem 500 mil trabalhadores durante a semana e só 9 mil moradores. Explorar essas ruas desertas em um sábado aumenta a imersão nesse cenário único. Arranha-céus de mais de 200 m de altura cavaram seu espaço entre restos de uma muralha romana, igrejas medievais e outros prédios históricos. É que não dá para resumir a City a um mero distrito financeiro. Aqui ficava Londinium, a capital da província mais setentrional do Império Romano, há quase 2 mil anos. É o centro histórico da cidade ao mesmo tempo em que é, desde os tempos do Império Britânico, o coração pulsante da economia do país. 

Prédio Gherkin, no bairro City, Londres, Inglaterra
Gherkin, o “pepino”: símbolo da City e da Londres dos arranha-céus. Crédito: (Matt Brown/Flickr)

Certo, não é o centro histórico mais exuberante da Europa, até porque as bombas nazistas destruíram boa parte dos prédios antigos da região. O que não quer dizer que não vale uma visita. Dê uma volta no perímetro das estações Bank, Aldgate e Tower Hill, nas linhas Central, Circle e District, para admirar e/ou se espantar com a imensidão de alguns dos novos gigantes que estão mudando a cara da cidade. E mudarão ainda mais, porque há 70 arranha-céus em construção em Londres. Isso pode fazer você valorizar ainda mais os prédios históricos dela, especialmente quando quiser voltar e fazer, dessa vez, um tour mais tradicional. 

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