DIA 1
Ponto de partida: Lisboa
Ponto de chegada: Évora
Percurso: 134 km
Cerca de uma hora e meia separa Lisboa de uma das maiores joias portuguesas: a universitária Évora, no coração do Alentejo.
Cercada de belos campos de oliveira e monumentos megalíticos, a cidade, de 60 mil habitantes, guarda resquícios dos tempos da dominação romana na Península Ibérica e é uma graça de ser percorrida a pé. A dica é deixar o carro no hotel – que pode ser a Albergaria do Calvário, pertinho de tudo e com belas cabeceiras confeccionadas em lã de Arraiolos, cidade próxima onde a tapeçaria foi inventada – e bater pernas sem rumo.
Bem pertinho dali, na Rua do Muro, tem-se uma das melhores vistas do impressionante Aqueduto da Água de Prata, projetado no século 16 pelo mesmo arquiteto responsável pelos traços da Torre de Belém, Francisco de Arruda. Mais cedo ou mais tarde, todas as ruas vão dar à Praça do Giraldo, construída no mesmo período no lugar em que, no século 12, os mouros foram derrocados pelos católicos.
Na hora do almoço, garanta uma mesa no Fialho, um bastião da boa comida regional portuguesa, em que desfilam pelos salões pratinhos contendo delícias como as empadinhas de lebre, os ovos com aspargos, muitos embutidos – tudo isso antes do prato principal. Deixe um espacinho para o melhor da doçaria conventual.
Coloque na lista de monumentos imperdíveis a Sé de Évora, uma imponente construção medieval que lembra um castelo, finalizada em meados do século 13; o Templo Romano, no Largo Conde de Vila Flor, um dos mais bem preservados exemplares do legado romano na Península Ibérica, do século 1; e a mítica Capela dos Ossos (Rua da República), idealizada por padres franciscanos no século 17, onde as colunas e as paredes são revestidas de ossos e crânios humanos.
“Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”, diz um aviso logo à entrada – um alerta sobre a transitoriedade da vida. Termine o dia justamente celebrando a existência com um belo jantar no Botequim da Mouraria, pequenino e com atendimento familiar, onde se come de joelhos pratos como os cogumelos e os lombinhos de porco preto.
DIA 2
Ponto de partida: Évora
Ponto de chegada: Estremoz
Percurso: 118 km
Cidadelas, castelos medievais, vilinhas de contos de fada. Hoje é dia de mergulhar no Alentejo profundo, com muito vinho.
A primeira parada é em Monsaraz (a 50 minutos de distância pela IP2, seguida da N256), um tesouro erguido no alto de uma colina, cercado de muralhas e recheado de casas impecavelmente brancas. Tudo ali se conta nos dedos: das ruas principais (três) aos moradores (cento e poucos).
Os velhinhos sentados às portas de casa parecem fazer parte da decoração local. Em pouco tempo, percorre-se o centrinho, em um delicioso sobe e desce – e então é hora de se dedicar ao mais puro dolce far niente. Monsaraz faz parte da Rota dos Vinhos do Alentejo, e uma das principais vinícolas é a Herdade do Esporão, em que é possível fazer visitas guiadas e degustação de vinhos.
Não deixe de reservar uma mesa no restaurante da vinícola. O menu segue a sazonalidade dos produtos e pode ser modificado frequentemente.
O próximo destino é Estremoz, a 72 quilômetros pela N255, mas Vila Viçosa, no caminho, vale uma paradinha estratégica. Sede da Casa de Bragança, berço da quarta dinastia de Portugal, a localidade conserva o belo Paço Ducal, do século 16, com sua fachada de mais de 100 metros em mármore.
Em Estremoz, todos os caminhos levam morro acima – suas atrações se concentram na chamada Parte Alta, onde ficam o centro histórico, cercado por muralhas do século 13, e um castelo. A grande estrela, no entanto, é a Torre de Menagem, toda de mármore.
À noite, a cidade fica um sossego apenas com a debandada dos turistas que só passam o dia e sorte de quem decide pernoitar ali, principalmente se for no Páteo dos Solares, que descortina lindas vistas da cidadela. O melhor restaurante local é A Cadeia Quinhentista, instalado numa antiga prisão do século 16. Se a noite estiver agradável, garanta uma mesa no terraço.
DIA 3
Ponto de partida: Estremoz
Ponto de chegada: Mérida
Percurso: 123 km
Importantes tesouros declarados Patrimônio Mundial pela Unesco estão reservados para esse dia. O primeiro deles fica a pouco mais de meia hora de Estremoz. Trata-se do centro histórico de Elvas, cidade já quase na fronteira com a Espanha (cerca de 10 quilômetros) que, justamente por esse motivo, é dona de um dos maiores conjuntos de fortificações abaluartadas do mundo, erguido no século 16 para defender Portugal das invasões.
É imperdível caminhar perto das muralhas, passear pelas ruelas estreitas e ver de perto o aqueduto do século 17. Mas Elvas é também famosa por outro doce motivo: suas ameixas, vendidas secas ou em calda. Vale comprar e levar pra casa – ou, pelo menos, provar uma fatia da maior delícia local, a sericaia, um doce conventual fofinho feito à base de ovos e canela, decorado com as tais ameixas em calda.
Na hora do almoço, desvie da rota alguns quilômetros para provar o menu simples e certeiro da Taberna do Adro. As migas de tomate e batata são famosas. Na sequência, é hora de cruzar a fronteira.
Do lado de lá, Mérida, a uma hora de distância (via A6, em Portugal, e A5, na Espanha), é uma ótima surpresa. A antiga Emérita Augusta, foi fundada, no ano 25 a.C., pelo imperador Octavio Augusto, e trata-se de uma das cidades de origem romana mais bem preservadas da Península Ibérica. Um rápido passeio pelo centro histórico já é uma bela aula de história.
Na lista de monumentos imperdíveis está a Ponte Romana, erguida sobre o Rio Guadiana, com seus 60 arcos, que se estendem por quase 800 metros; o impressionante Acueducto de los Milagros; o Templo de Diana, antigo centro da vida social, e o conjunto formado pelo Teatro e Anfiteatro Romanos.
A poucos minutos de caminhada dali, no número 19 da Calle José Ramón Melida, fica uma bela opção para quando bater a fome: a Casa Nico Jimenez, famoso mestre cortador de jamóns. O Hotel Vettonia fica a menos de dez minutos a pé de lá e tem uma das melhores relações custo/benefício no Centro.
DIA 4
Ponto de partida: Mérida
Ponto de chegada: Trujillo
Percurso: 119 km
Antes de chegar à cidade de Francisco Pizarro, o famoso conquistador do Império Inca (Peru), vale conhecer Cáceres, 74 quilômetros rumo ao norte, via A66.
Separado da parte nova da cidade pelo Arco de la Estrella, seu centrinho histórico, chamado Ciudad Monumental, é cercado de muralhas erguidas pelos árabes no século 12 e recheado de construções de pedra – são palácios, mansões com os muros cobertos de hera, igrejas e mais de dez torres que podem ser vistas a distância.
Aqui, a pedida é flanar até se defrontar com o dilema: onde almoçar? Mais casual, o Madruelo serve delícias como a salada de bacalhau e a perdiz em escabeche de entrada e o solomillo com foie gras grelhado; já para quem tem uma caída por refeições gourmet, a dica é o elegante Atrio, um duas-estrelas no Michelin.
A encantadora Trujillo está bem pertinho, a apenas meia hora de carro pela A58. Considerada uma das cidades medievais mais impactantes da Espanha, tem seu coração na Plaza Mayor, guardada por uma estátua de bronze de Francisco Pizarro, seu filho mais ilustre.
Toda a cidade, que repousa aos pés de um castelo fortificado dos séculos 9 e 10 de origem moura, o Alcazaba (Cerro Cabeza de Zorro), é uma graça, e fica ainda mais especial quando a calmaria toma conta das ruas à noite. Nesse momento, o Hotel Boutique Casa de Orellana cai como uma luva. Com localização estratégica para quem está explorando a cidade a pé, tem apenas cinco quartos com o charme dos tempos idos.
DIA 5
Ponto de partida: Trujillo
Ponto de chegada: Madri
Percurso: 289 km
A estrela do dia é Toledo, a duas horas de distância pela A5, seguida da A40. Cortada pelo Rio Tejo e dona de um belo centro histórico, conviveram ali pacificamente muçulmanos, judeus e cristãos durante a Idade Média. Há vestígios dessa época por todo canto, o que faz da cidade um caldeirão fascinante.
São mesquitas com portas em forma de ferradura, sinagogas, como a Del Transito, de 1355, hoje um museu, e belas igrejas – entre elas a mais imponente de todas, a Catedral Primada, dona de um incrível acervo de arte. Vale investir na entrada completa, que dá acesso ao museu da sacristia, que inclui obras de nomes como Velázquez, Goya, Caravaggio e El Greco, além da sala do Tesouro.
Em 1577, o grego Domenikos Theotokopoulos imigrou de Creta, estabeleceu moradia em Toledo e nunca mais deixou de ser associado à cidade. El Greco, como ficou conhecido depois da fama, tem hoje um museu em sua homenagem na casa em que viveu, a Casa Museo de El Greco, onde o acervo contempla não apenas obras de sua autoria mas também referências da vida social de sua época.
Há dois excelentes restaurantes em Toledo que merecem atenção. Um deles é o Adolfo, bem ao lado da catedral e que ocupa dois casarões históricos dos séculos 9 e 12. No menu, creme de batatas trufado com ovo pochê e cogumelos com lagosta, para começar, e pratos principais como os quadradinhos de atum com escabeche de manga, quinoa e algas.
Mais afastado, do outro lado do rio, o restaurante Iván Cerdeño serve uma cozinha de autor premiada com uma estrela no Michelin. A proposta é uma releitura de receitas tradicionais da região de La Mancha.
Depois de encerradas as atividades do dia, é hora de seguir para Madri, a cerca de 70 quilômetros pela A42. A dica é ficar em um hotel central para fazer tudo a pé. É o caso do Only You Boutique, instalado em um palacete do século 19 ao lado do bairro de Chueca; ou do novíssimo Tótem, no bairro cool de Salamanca.
DIA 6
Percurso: o melhor de Madri (a pé)
Dia dedicado aos clássicos. Comece pelo começo: a Plaza del Sol é o marco zero de Madri, onde tudo acontece. Lá estão a famosa (e diminuta) estátua do urso que é a marca registrada da cidade e o grande letreiro do jerez Tío Pepe.
De lá, menos de 15 minutos de caminhada pela Calle Arenal levam a outro clássico incontornável, o Palacio Real. Merecem destaque a sala do trono, as coleções de relógios e violinos Stradivarius, além do magnífico jardim.
Logo ao lado fica o templo da padroeira da cidade, a Catedral de Nuestra Señora de la Almudena, de fachada neogótica, onde são celebrados os casamentos da família real. A essa altura já deve ser a hora do almoço e poucas opções são mais atraentes que o Mercado de San Miguel, onde bons bares de tapas se reúnem sob uma bela estrutura art nouveau.
Alguns jamóns e taças de vinho depois e a sobremesa fica para a Chocolatería San Ginés, onde, desde 1894, são servidos os melhores churros acompanhados de um denso e aveludado chocolate quente. Pelo caminho, corta-se a Plaza Mayor, a praça principal da cidade, fechada e cercada de belas fachadas do século 17, onde se aglomeram cafés, artistas de rua e lojinhas de suvenires.
Deixe a tarde passar sem pressa pelas ruas e lojinhas da região e, à noite, concentre as atividades de bar em bar na animada região vizinha de La Latina, onde pelo menos dois endereços devem constar do roteiro: Juana La Loca, que fez fama com a tortilla de batatas servida com cebolas caramelizadas; e a Taberna Matritum, um lugar apertadinho e concorrido que serve boas croquetas e uma famosa burrata com molho de cítricos.
DIA 7
Percurso: o melhor de Madri (a pé)
As principais novidades de Madri estão na seara gastronômica, e a pedida é começar logo o dia numa das mais promissoras.
O NuBel é o mais novo e saboroso adendo do Museo Reina Sofía. Antes de se esbaldar com Picassos, Goyas e Dalís, faça uma paradinha estratégica para um brunch nesse espaço colorido que serve combos. Depois de visitar o museu, descanse nos belos jardins do Parque de El Retiro, logo em frente, antes de partir para a empreitada dos artistas clássicos espanhóis no Museo del Prado.
Na sequência, rume para o bairro de Chueca quando bater a fome. Ali, a 20 minutos de caminhada do museu, via Paseo del Prado e Calle del Barquillo, está outra bela novidade: o primeiro mercado 100% orgânico de Madri, chamado El Huerto de Lucas. No centro da construção, sob delicados vasos de plantas, uma cantina serve refeições preparadas com os produtos das banquinhas locais.
Passa longe da veia natureba? Então, a sugestão é o Platea Madrid, a 20 minutos de caminhada, em linha reta, pelo Paseo del Prado e sua continuação, o Paseo de Recoletos. Ali, em um espaço onde funcionou um cinema, estão reunidos restaurantes estrelados, bares de tapas e confeitarias.
Independentemente do rumo escolhido, deixe a sobremesa para a loja de um mestre catalão, Oriol Balaguer, na Calle Ortega y Gasset. Depois, gaste o tempo passeando pelas lojas da Calle Serrano, e reserve o jantar em outra bela novidade: o BiBo, aposta do chef Dani García, dono de duas estrelas no Michelin com seu restaurante homônimo em Marbella, na Andaluzia.
O amplo menu inclui delícias como o gaspacho de cerejas com neve de queijo fresco, anchovas e pistache ou a tapa de iogurte de foie gras com vinho do Porto, de entrada; e uma ampla seleção de peixes, carnes e frutos do mar como pratos principais.
Quando ir
Tanto o Alentejo quanto a região de Madri sofrem com as temperaturas extremas – ou seja, faz muito frio no inverno (de dezembro a fevereiro) e muito calor no verão (julho e agosto). O ideal é aproveitar a meia-estação de abril a junho, e, depois do pico do calor, setembro e outubro.
Esqueça esse conselho caso você goste de uma boa festa, já que elas acontecem no auge do verão. Em Évora, a Festa de São João anima a cidade entre o final de junho e o início de julho.
Em Mérida, julho e agosto são os meses em que a cidade abriga um importante festival de teatro clássico. Um pouco antes, em maio, Trujillo sedia um festival de queijos, com destaque para os de cabra e ovelha.
Texto publicado na edição 256 da revista Viagem e Turismo (fevereiro/2017)