Atualizado em fevereiro de 2019
Veneza arrebata. Os céticos dirão que é uma arapuca de turistas. Os apocalípticos afirmam que logo afundará na laguna. Os que têm nojinho afirmam que cheira mal. Mas quem a conhece, se apaixona. O encantamento não vem por conta dos caros gondoleiros e suas árias fajutas, muito menos do musgo que sobe as paredes à beira dos canais.
Sua força está na singularidade. Estreitas ruelas o lançarão a uma piazza repleta de crianças brincando e um convidativo café sob a sombra de um ancestral campanário. Um despretensioso canal paralelo ao turbilhão de visitantes esconde um simpático mercadinho flutuante. Casarões de inconfundível estilo banham-se de obras de arte e fausto. Um conjunto que já seria gracioso, se não estivesse equilibrado sobre instáveis ilhotas. Veneza é única.
Estas 48 horas em Veneza o levarão a atrações óbvias e outras nem tanto, a uma Itália diferente, que fala um orgulhoso dialeto e aprecia os sabores do mar Adriático. Que vive às turras com seus milhares de visitantes, mas que não sobreviveria sem eles. Que sofre com inundações, cobra preços exorbitantes e, sim, de vez em quando tem cheiro de rio urbano brasileiro. Mas, se você deixar, te conquistará.
Dia 1: uma divertida introdução
Uma das melhores formas de familiarizar-se com Veneza é pegar o vaporetto da linha 1, um agradavelmente lento barco-ônibus que percorre todo o Grand Canal, a artéria viária que vai da estação ferroviária à Piazza San Marco. Pelo caminho você se deparará tanto com as famosas gôndolas como embarcações de transporte de produtos e pequenas lanchas, num tipo de trânsito que definitivamente é inusitado.
Pelas margens também estarão ricas mansões com elementos orientais, reminiscências da época em que a cidade comercializava freneticamente com portos asiáticos e era uma potência mercantil. Conforme o vaporetto vence as águas do canal, você adentra um universo singular. Abarrotado de turistas, mas mesmo assim de contemplativa beleza.
Desça no ponto San Marco Vallaresso para conhecer de uma só vez três das principais atrações da cidade. Nada mais europeu: uma praça, uma igreja e um palácio.
Logo junto ao píer de desembarque o turista dá de cara com uma pracinha com duas colunas: uma com o leão alado de São Marcos e outra com São Teodoro e seu dragão. Imagine embarcações aportando aqui, vindas de além-mar, sob as vistas do doge (o todo-poderoso duque de Veneza), trazendo riquezas e tesouros do Oriente. Uma dessas cargas foi nada menos que o corpo do santo evangelista Marcos, contrabandeado desde o Egito sob carne de porco. O motivo era pura vaidade: agora uma potência mercantil, o padroeiro da cidade não podia ser mais o obscuro Teodoro. Como não tinham um de “primeira linha” de nascença, importaram um. Comerciantes são assim mesmo.
Os supostos restos do evangelista estão guardados na basílica bizantina que leva seu nome. O alegórico exterior, repleto de domos, estátuas, mosaicos e agulhas, serve de antessala a um interior sombrio, mas igualmente adornado. Por lei, todos os barcos vindos do exterior deveriam trazer uma oferenda para decorar o templo e foi assim que chegou outro célebre furto, os cavalos de bronze de Constantinopla.
Praticamente junto à basílica está o Palácio Ducal, o centro do poder político da República Veneziana. Executivo, legislativo e judiciário estavam todos concentrados aqui, ditando o destino tanto de rotas comerciais como o de famosos arruaceiros, como Giacomo Casanova, o insaciável. A arquitetura era tão inteligente que logo ao lado da sala de julgamentos estava os anexos para eventuais torturas e a lúgubre cadeia. Para chegar a ela, a ponte dos suspiros, nem doces, nem apaixonados.
Uma visita ao palazzo lhe tomará um bom par de horas, no mínimo. Esse é o tempo para curtir bem detalhes do pátio e das grandes câmaras institucionais (com a do Conselho e a do Senado), boa parte delas contendo grandiosas obras de Tintoretto e Veronese.
Almoço com muito charme
Hora de relaxar. Se a suas pernas estiverem suplicando por uma cadeira, dê uns poucos passos e faça sua refeição na própria praça, em um dos trigêmeos Quadri: o ABC (almoços a preços razoáveis), Grancaffé (lanches) ou no requintado Ristorante. O preço é alto, mas vale pelo ambiente e localização. Vá sem culpa: é um pequeno mimo para suas merecidas férias. Curta então a vista da Piazza San Marco, com o povo (e pombos) fazendo figuração em suas tentativas de enquadrar, na mesma foto, a Basílica, o campanário, o relógio renascentista e os arcos das loggias.
Uma grande dupla low-profile
Certamente a forma mais curiosa de atravessar até a outra margem do Grand Canal é a bordo de um traghetto, um tipo de gôndola. Os locais fazem o trajeto à pé, acompanhando o balanço das águas, mas convém ficar sentadinho no canto para não acabar dentro do canal. Pegue o seu próximo ao mitológico Harry’s Bar e vá ao outro lado para passar a tarde conhecendo uma dupla veneziana um pouco mais low-profile, mas igualmente instigante. Do bizantino de San Marco ao barroco, a igreja da vez é a Basílica Santa Maria della Salute e sua marcante cúpula. Em seu interior estão quadros de Ticiano e Tintoretto.
De casca clássica e conteúdo contemporâneo é o edifício vizinho, a antiga alfândega de Punta della Dogana, na ponta em forma de chifre de Dorsoduro. Junto com o Palazzo Grassi, foi totalmente reformados seguindo as linhas do ganhador do Prêmio Pritzker, o japonês Tadao Ando.
Aprecie aqui boas mostras temporárias de artes plásticas, um bom expresso no Dogana Café (peça um capuccino e receba de volta uma baita careta do atendente; isto é bebida para as manhãs) e se delicie com os livros de arquitetura e artes da lojinha. Antes de ir embora, curta a paisagem da ponta da ilha, com os edifícios da Piazza San Marco e as ilhotas de San Giorgio Maggiore e Giudecca lhe brindando com uma vista que cassino nenhum de Las Vegas conseguiu reproduzir.
Para o jantar, que tal experimentar as especialidades locais? A grande maioria dos restaurantes da cidade tem preços exorbitantes e nem todos têm serviço correspondente. Assim, seja um risi e bisi, um risotto nero ou um sarde in saor (escabeche de sardinha), vale procurar alguma boa oferta próxima ao seu hotel.
Dia 2: explorando os arredores de Rialto
Adoramos mercados. Nada como explorar as bancas que vendem os legumes, peixes e frutas que logo estarão à mesa dos bons restaurantes das redondezas. O mercado junto à Ponte Rialto é um cruzamento entre uma autêntica feira e uma atração turística, mas merece uma visita. Há de tudo por ali, inclusive alguns bons azeites, vinagres da Emilia-Romagna e até cristais de Murano. No mínimo é divertido. Se quiser ver algo um pouco menos inflacionado, penetre no Campo della Pescaria, um mercado de peixes e frutos do mar, quase de frente ao palacete quatrocentista Ca’d’Oro, um joia arquitetônica gótico-veneziana transformada em museu. Quando estiver satisfeito com suas compras, cruze e descruze o canal pela ponte Rialto para então andar meio sem destino pelo bairro de Dorsoduro.
Dorsoduro
Por entre ruelas estreitíssimas e canais simpáticos, você descobrirá seu caminho até amplas praças como o Campo Santa Margherita (faça uma pausa aqui e prove um daqueles inigualáveis sorvetes italianos) e palácios como o suntuoso Ca’Rezzonico e sua coleção de arte contando a história da Veneza do século 18. Especialmente simpática é a vizinhança do rio Barnaba, junto à calçada Fondamenta Gherardini e seu mercadinho flutuante.
Aula de cultura clássica e moderna
Não exagere muito na comida para poder curtir bem duas galerias de arte tão incríveis como diferentes entre si. A Accademia é repositório da mais vasta coleção de pinturas da escola veneziana, cobrindo os cinco séculos por que passaram os períodos bizantino, renascentista e barroco. Dignos de nota estão o Banquete na Casa de Levi, de Paolo Veronese e O Milagre do Escravo, de Tintoretto. Com uma proposta mais provocativa que contemplativa está o Museu Peggy Guggenheim. Sua coleção deixará em êxtase os apreciadores de arte moderna e contemporânea com obras de Magritte, Giacometti, Picasso, Klee, de Chirico, Picasso, Pollock e Mondrian. E isso é apenas o começo. Reserve ao menos duas horas para conhecer bem cada um desses museus.
É hora de jantar…
Quer se sentir membro do jet-set, tendo ricos herdeiros e algumas celebridades nas mesas vizinhas? A aposta perfeita é o Cipriani, onde pratos precisamente elaborados e serviço cortês só são superados pela vista esplendorosa. Local perfeito para pedidos de casamento, se é que você me entende.
Outra opção certeira é o exclusivo Da Fiore, onde a adega e os risottos são fantásticos.
Voos mais baixos, mas não menos compensadores, o levarão ao Aciugheta, próximo à Praça de São Marcos, à Enoteca Mascareta ou ao senhor de espírito jovem Vecio Fritolin. Se depois do festim você se deixar levar por uma gôndola, está desculpado. Veneza deixa todos mais tolerantes.
Vêneto em uma semana:
Dia 3 – pegue o vaporetto e passe parte do dia em Murano. Coloque em sua lista do que fazer o Museo Vetrario e algumas lojas de cristais. Se der tempo, conheça a encantadora ilhota San Giorgio Maggiore para conhecer os trabalhos de Tintoretto e Andrea Palladio dentro da igreja e do monastério.
Dia 4 – agora é hora de ir para Burano. As coloridas casas e algumas lojas com bons suvenires o entreterão bastante por aqui. Aproveite e conheça também a bucólica Torcello, onde estão duas grandes igrejas, as adjacentes Santa Fosca e Santa Maria dell’Assunta.
Dias 5, 6 e 7 – explore outras cidades do Vêneto, como Pádua e Verona. Não deixe de provar um bom vinho Amarone na terra de Romeu e Julieta, o grande mercado na cidade de Santo Antônio e um inesquecível tiramisú em Treviso. Como deu para reparar, a gente só pensa em comida…