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Nunca foi tão barato ir – Praga não cobra por sua beleza

É na Europa que fica Praga, uma das cidades mais bonitas do mundo – e que (ainda) não cobra essa boniteza em euros

Por Sabina Petrovsky
Atualizado em 16 dez 2016, 09h14 - Publicado em 13 set 2011, 16h43

Nos pacotes turísticos, ela é a estrela do “Leste Europeu”. Mas a República Tcheca e Praga, sua capital, não poderiam ser mais centrais. E estar no centro, em rota de passagem, fez de Praga uma cidade próspera já no século 10. Ao longo dos tempos, o lugar viu de tudo: bons e maus reinados, guerras religiosas, domínios estrangeiros, perseguições, nacionalismos, ocupação nazista, controle soviético. E, felizmente poupada dos bombardeios da Segunda Guerra Mundial, a cidade manteve suas joias da arquitetura românica, gótica, renascentista, barroca, clássica, art nouveau, moderna.

Hoje, como o país ainda não embarcou no euro, cuja adesão gerou inflação em todas as economias que o adotaram, é ótimo momento para conhecer o destino. No ano passado, 30 mil brasileiros visitaram a República Tcheca – espera-se um número 15% maior neste ano.

Para mim, Praga é velha conhecida. Filha e neta de tchecos, fui pela primeira vez em 1982, sete anos antes da Revolução de Veludo. Esta é minha quinta visita. São 11 da manhã, e eu me junto a uma multidão para assistir, na Praça da Cidade Velha, a um espetáculo que se repete de hora em hora há 520 anos – e que ninguém se cansa de rever. Quando bate a hora cheia, abrem-se duas janelas sobre o relógio astronômico do prédio da antiga prefeitura e bonecos que representam os apóstolos iniciam a procissão. Outros bonecos ao lado do relógio também se mexem. A Vaidade se olha num espelho, o Turco meneia a cabeça.

A Praça da Cidade Velha é o coração de Praga. O lugar que viu cortejos e execuções agora tem restaurantes e cafés com mesas ao ar livre. Charretes aguardam turistas para um passeio pelas ruas medievais, garotas tocam violino. Noivos saídos da austera Igreja de Nossa Senhora Diante de Týn, com suas torres góticas que quase alcançam o céu, posam para o fotógrafo depois do casamento.

A cidade está com tudo. Lembro-me da minha primeira visita, ainda sob o jugo de Moscou, em que Praga se mostrava em tons sombrios nas ruas e nos prédios descuidados. As pessoas eram quietas, bem diferente da alegria e do barulho de hoje. Não era a cidade que um cidadão ilustre, o escritor Franz Kafka, viu, em sonho, como o “cenário mais bonito do mundo e de todos os tempos”.

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Praga se fez ao longo do Rio Vltava. Fácil de percorrer a pé, seu centro histórico, Patrimônio da Humanidade pela Unesco, é uma junção de cinco cidades antigas. Pelas ruazinhas medievais que chegam e saem da Praça da Cidade Velha, as casas permanecem com seus símbolos de identificação originais, quando não eram usados números. Como a casa da Serpente Dourada, a do Sol Negro ou a dos Dois Ursos Dourados, este último um dos mais belos portais renascentistas de Praga.

Pela Rua Melantrichova chega-se à Praça Venceslau, local dos acontecimentos agudos da Primavera de Praga, em 1968, quando a revolução anticomunista foi abafada. Na Venceslau também, 21 anos depois, milhares de pessoas exigiram dos soviéticos sua volta à liberdade balançando chaves. Uma delas era a gerente de marketing Olina Pi- bylová. “Foi o dia mais feliz da minha vida”, diz.

Três anos depois, em meu primeiro retorno, as mudanças na cara e no astral da cidade eram visíveis. Tudo estava arrumado. As lojas tinham mais produtos, não havia filas, os restaurantes montavam mesas ao ar livre, os garçons se esforçavam para falar inglês, as pessoas eram mais alegres.

A Praça Venceslau, que parece um bulevar, fica no centro comercial de Praga, já na Cidade Nova. O shopping Slovanský Dum, na Rua Na Pribylove, tem cinemas, lojas e restaurantes. Ali, à noite, o Kogo (Havelská, 499/27, 420-224/210-529, www.kogo.cz; Cc: A, M, V) é boa dica para uma refeição leve ao ar livre. Depois, vale uma pausa no Café Imperial (Na Porici, 15, 420-246/011-440, www.cafeimperial.cz; Cc: A, M, V) para um expresso com torta de papoula num lindo ambiente art déco.

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Visite também o Bairro Judeu, a poucos passos da Praça da Cidade Velha. O cemitério é o mais antigo da Europa e tem 12 mil lápides de pedra amontoadas, com quase 100 mil túmulos. O mais reverenciado é o do rabino Löw (1502–1609), no qual muitas pessoas deixam papeizinhos com pedidos e pedrinhas, em sinal de respeito. Os judeus, capitais na história tcheca, sofreram com os nazistas. A Sinagoga Pinkas, fundada em 1479, hoje é um memorial aos mais de 77 mil judeus tchecoslovacos mortos em campos de extermínio – seus nomes estão gravados nas paredes. A linda Sinagoga Espanhola, que se diferencia pelo estilo mourisco, também merece ser vista.

O Rio Vltava, com suas pontes e águas calmas, é um descanso para a alma. Quando se pisa na Ponte Carlos, a Karluv Most, principal ligação entre a Cidade Velha e o Castelo de Praga, a cidade brilha. A ponte de pedra, do século 14, é majestosa. Você caminha sob a proteção de santos esculpidos ao longo do trajeto. A estátua mais procurada é a de São João Nepomuceno, jogado da ponte por ordem de um rei por não revelar um segredo confiado a ele pela rainha. Dizem que tocar na estátua dá sorte, e todos passam a mão. Pela ponte, sempre lotada de turistas, há caricaturistas, vendedores de suvenires, músicos e até um bom grupo de jazz que toca lá, a Banda da Ponte.

Do outro lado está o bairro de Mála Strana, que não sofreu quase nenhuma alteração desde o século 18. São muitos os palácios, casas barrocas e jardins. E há as igrejas de São Nicolau e de Nossa Senhora Vitoriosa, onde fica a famosa estátua do Menino Jesus de Praga. Um respiro em Mála Strana é o Parque Petín, que tem vistas magníficas do alto da Torre de Observação, uma réplica de 60 metros de altura da Torre Eiffel. Mas é preciso ter fôlego. A única maneira de chegar ao mirante é subindo os 299 degraus da escada em espiral. No alto da Colina de Hradany está o famoso Castelo de Praga, onde fica a gótica Catedral de São Vito, com seus esplêndidos vitrais, uma das mais belas da Europa. Descendo as escadarias de volta a Mála Strana, passa-se pela Viela Dourada, uma rua pitoresca com casinhas coloridas. Em 1916, Kafka alugou a casa número 22 porque queria um lugar tranquilo para escrever.

A vida cultural de Praga, que sempre foi intensa, ganhou novo impulso com o turismo. Óperas e balés no Teatro Nacional (Ostroviní, 1, 420-224/901-448, www.narodni-divadlo.cz) são concorridos. O teatro é um símbolo da afirmação da identidade tcheca, construído com doações da população. E a cena clássica atraiu a Praga grandes compositores, como Chopin, Tchaikovsky e Wagner. Mozart fez questão de estrear aqui, no Teatro dos Nobres, a ópera Don Giovanni, que ele mesmo conduziu. A música dos mestres permanece nas inúmeras salas de concerto, como as da Casa Municipal (Republiky, 5, 420-222/002-106, www.obecni-dum.cz), belíssimo exemplar de art nouveau. Mas Praga não vive só dos clássicos românticos. Há o jazz, tão difundido. Um clube famoso é o pequeno e charmoso Agha-RTA (Železná, 16, 420-222/211-275, www.agharta.cz), que fica num histórico e arqueado porão na Cidade Velha. É difícil sair de lá sem pelo menos um disco da banda que se exibe naquela noite.

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E, se para você cerveja é cultura, na República Tcheca ela é altíssima cultura. Foi no país que surgiu a do tipo pilsner, a mais difundida pelo mundo. A mais conhecida é a Urquell, da cidade de, veja só, Pilsen. A cervejaria mais antiga da Europa, a U Fleku (Kemencova, 11, 420-222/002-101, www.ufleku.cz; Cc: A, M, V), em Praga, produz uma cerveja escura especial, exclusiva. A comida tcheca também é saborosa. A base são batata, knedlike – espécie de bolo de pão cozido e fatiado – e carnes. Um lugar simpático para degustá-la é o Kolkovna (V Kolkovn, 8, 420-224/819-701, www.kolkovna.cz; Cc: todos). No Lví Dvur (U Prasného mostu 6/51, 420-224/372-361, www.lvidvur.cz; Cc: todos), perto do castelo, prove o leitão (selátko) assado. Dali vale passear pelo pátio do castelo, pela Viela Dourada até chegar à Praça da Cidade Velha. Fiz esse trajeto à meia-noite, com a Ponte Carlos vazia, a lua cheia a iluminar o Rio Vltava. Esse mesmo percurso, inverso, era feito pelos reis da Boêmia a caminho da coroação. Praga é segura; por isso, caminhe à noite, quando os monumentos são iluminados.

Passo uma última vez pela Praça da Cidade Velha e a encontro em festa, cheia de barraquinhas. Turistas e moradores se divertem, comendo as típicas salsichas com pão, regadas a boa cerveja. A ucraniana Marina Karchynska é só elogios. “É uma cidade linda e com muitas coisas para ver e fazer.” Entre um e outro gole de pivo (cerveja), John, da Nova Zelândia, conta que veio à Europa para ver sua história. “Não há lugar melhor para isso do que Praga”, disse ele. “Ela é muito mais bonita do que eu esperava.” Praga merece mesmo ser vista. Difícil é não querer voltar sempre.

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