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No Alasca com meu amigo urso

Nossa repórter passou um ano no Alasca entre geleiras, pescas de salmão, auroras boreais e encontros com ursos

Por Caroline Cabral
Atualizado em 5 jul 2021, 16h18 - Publicado em 7 Maio 2013, 16h46

Muita gente, ao planejar uma viagem, preza certos itens na definição do roteiro. Como praias com areia dourada, dias sem chuva, facilidade de locomoção. Nada que você encontre no Alasca. Mas, para quem gosta de natureza selvagem e não se importa em ver ursos enormes mais perto do que deveria, esse pode ser um grande destino, a despeito das grandes distâncias e do custo de enfrentá-las. Digo isso porque fiz intercâmbio de um ano no 49º estado americano e achei o tempo curto. Assim que pude, voei do Brasil e passei mais um mês por lá.

Há 146 anos, os americanos compraram o Alasca da Rússia pela barganha de US$ 7,2 milhões. O estado é o maior do país, com 1,7 milhão de quilômetros quadrados, deixando o Texas, com seus 700 mil quilômetros quadrados, no chinelo. O Alasca teve alguma proeminência na campanha presidencial de 2008, quando a ex-governadora Sarah Palin concorreu a vice na chapa de John McCain contra Obama. A julgar pela minha experiência, os nativos são dotados de boa vontade, simpatia, cordialidade e um interesse genuíno pelos turistas.

“Bem-vindo à capital mundial do salmão”, lê-se na placa vista na entrada de Ketchikan, a cidade mais ao sul do estado, que recebe seus visitantes sedentos por natureza e paisagens dramáticas. Os estabelecimentos, todos de madeira, dão um delicioso ar de Velho Oeste ao local. Com pouco mais de 13 mil habitantes e 48 quilômetros de extensão, Ketchikan tem alguns pubs, duas salas de cinema e um shopping pequeno. Não é muito para quem precisa de um lugar quente e seco para se abrigar na Rain City, como a cidade é conhecida por causa dos seus 228 dias de chuva por ano.

As casinhas de madeira ao estilo Velho Oeste da Creek Street, em Ketchikan As casinhas de madeira ao estilo Velho Oeste da Creek Street, em Ketchikan

Durante o verão, quando a água dá uma trégua, a ilha se torna a primeira parada da maioria dos cruzeiros que visitam o estado. Na estação, o termômetro marca de 10 a 25 graus e as paisagens são adornadas pelo céu azul com precisas pinceladas brancas. Em média, os navios permanecem atracados por seis horas. Nesse tempo, os visitantes se dividem entre rotas pelos fiordes – onde baleias vez ou outra exibem sua cauda –, trekkings nas montanhas e bearwatching em hidroaviões. Há quem prefira o deleite das pescarias em alto-mar, quando a adrenalina de fisgar um pesado salmão culmina em degustações de generosas peças de sashimi.

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Carnívora convicta, não tive dificuldade em virar uma amante do sashimi de salmão. As porções frescas ensejavam vários repetecos. Há cadeias de fast food no estado (com direito a uma versão alasquiana e feminina do Burger King, a Burger Queen), mas os melhores lugares para comer salmão estão nos restaurantes com deque sobre o mar, como o Alaska Fish House. Aí o peixe pode vir frito, grelhado, no vapor, com molho, acompanhado de legumes ou, seguindo a escola japonesa, cru.

Alaska Fish House, que serve bons frutos do mar Alaska Fish House, que serve bons frutos do mar

Enfrentei meu medo de ursos – e de altura – na Terra do Salmão: fui fazer a tirolesa local, que no ponto mais alto está a 40 metros do chão, e dela avistei ursos-negros caçando o lanche da tarde. Em caso de queda, teria grande probabilidade de virar eu mesma o quitute dos bichões. Porém, meus gritos histéricos entre as oito plataformas espantaram os animais. Dar com ursos parecia estar de alguma forma na minha agenda. Em um fim de tarde, junto com amigos na praia, vi um vulto escuro perto do mar. Era um urso preto, que, pensei, ia querer participar da nossa festinha. Saí correndo para o carro, não sem despertar risadas nos amigos, que explicaram que o urso só ataca se estiver com os cubs, seus filhotes. Mas os marshmallows já tinham acabado, o brilho da lua se refletia no mar, e eu estava pronta para aproveitar uma incrível invenção humana: a calefação. Foi quando, como se um urso já não fosse o bastante, avistei outro, agora ainda mais próximo. Bastou apontar minha lanterna na direção da sombra para ver uma família inteira, todos marchando em fila indiana: papai, mamãe, filhinhos e, se bobear, até a tia encalhada. Não vacilei e, em um piscar de olhos, estava no carro, a caminho de casa. See you later, bears!

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Quando você está em um lugar realmente desolado, não vê problema em ter um pouco mais de desolação. Por isso decidi conhecer a cidade mais ao norte do estado, Barrow, 500 quilômetros além do Círculo Polar, lugar onde o vento já desistiu há muito tempo de fazer a curva e por dois meses o sol praticamente não aparece. O voo desde Ketchikan leva 11 horas, considerado o tempo de conexão em Anchorage, a principal cidade do Alasca (onde os prédios têm mais de três andares, os shoppings ostentam marcas reconhecíveis e há muitas excursões às geleiras). Barrow é um deserto de neve onde proliferam ursos-polares, esquimós e iglus. Os nativos pescam e caçam baleias. É comum andar pelas ruelas e encontrar peixes recém-pescados “em conserva” do lado de fora das casas.

Rua sob a neve em Barrow, a cidade mais ao norte do Alasca Rua sob a neve em Barrow, a cidade mais ao norte do Alasca

No Topo do Mundo, como a cidade se intitula, participei de um city tour nada trivial. O objetivo era, basicamente, encontrar um urso – há uma certa obsessão pelo tema no Alasca. Era preciso estar preparada para suportar 40 graus negativos, o que significou, naquele dia, entrar no modo “boneco de neve acima do peso com mobilidade reduzida”. Eu trajava ceroulas, cinco casacos e quatro calças, parca felpuda e botas de neve. Fui guiada por um esquimó fluente em inglês e inupiat (sua língua nativa) e comecei conhecendo uma inusitada floresta salpicada de árvores feitas com plástico e ossos de baleia. A seguir, já no deserto de neve, o guia começou a procurar pegadas no solo. Um iglu destruído levou-o à conclusão de que a área havia sido visitada por um urso “small”.

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O problema de estar em um lugar branco com ursos-polares é que eles, os ursos, não precisam de muita imaginação para se camuflar. Se estiverem de costas, não serão vistos. Curiosamente, ninguém parecia se incomodar muito com isso. Enquanto eu andava pela cidadezinha atenta a cada movimento, os nativos pareciam alheios a tudo. À noite, mais diversão: fomos presenciar a natureza em sua mais bela performance, a aurora boreal. As luzes verdes dançavam no céu, em um show singular, brincando com resquícios de branco flutuante. Eu estava no camarote do mundo.

Urso polar Urso polar

No fim do intercâmbio, eu me sentia uma expert. Andei por todo o Alasca, senti frio e até calor, pesquei meu jantar e quase servi de refeição para ursos. Faltava provar carne de baleia. Que tem gosto de peixe, mas textura de um chiclete bem mascado. Melhor comer salmão todos os dias. Lindo momento do dia é o entardecer: no Alasca, o pôr do sol dá vontade de pintar uma tela inteira só para ele. Vão faltar o barulho das ondas batendo nas pedras e a sinfonia dos ventos que se cruzam, emaranhando as madeixas. Traduzir o Alasca em imagens, quanto mais em palavras, logo se vê, é bem difícil.

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