Creio que vocês se lembram de mim. Estive nas páginas de março da VT narrando o primeiro mochilão da minha vida, que fiz pela Itália ao completar 60 anos. A parte fancesa dessa viagem deixo para depois, já que, súbito, surgiu um convite para conhecer um lugar menos turístico – mas muito atraente. Se viajar é uma de minhas paixões, história é outra. E eu estava por conhecer o país que foi um dos grandes impérios da Antiguidade, que se estendeu por uma vastidão que ia do Egito à Índia. Visitei a Pérsia, digo, o Irã quando mais se falava nos “iminentes” bombardeios de Israel ao país. Nas quase duas semanas em que estive lá, isso me causou apreensão, mas felizmente nada aconteceu. O inusitado convite partiu de uma amiga cujo filho vive em Teerã. Do primeiro telefonema ao desembarque de madrugada no aeroporto Imã Khomeini, de Teerã, foram apenas 20 dias. Pouco antes do pouso, as comissárias da Lufhansa colocaram lenços sobre a cabeça, observando o preceito religioso que impede que as mulheres no Irã deixem cabelos (e braços e pernas) expostos. Por isso, também fomos “convidadas” a usar o acessório.
Horas depois, minha primeira manhã em Teerã me brindou com a visão de algo inédito em minha vida: neve. Teerã, metrópole com cerca de 8 milhões de habitantes, é cercada por montanhas altíssimas (como o Monte Damavand, de 5 671 metros, que parece o Fuji) que emolduram atrações que poderiam estar perfeitamente no Ocidente: edifícios arrojados, redes de hotéis, restaurantes luxuosos, palácios, museus, poluição. Nos shoppings, vi marcas internacionais com pequenas modificações, o que lhes dava um look mais oriental. Antes de chegar a Teerã, treinei o uso do chador, o tecido longo, quase sempre preto, que só deixa o rosto descoberto, mas vi pelas ruas que as mais jovens não se preocupavam em cobrir totalmente os cabelos. Era mais difícil a vida das mulheres, me disseram, logo após a revolução islâmica de 1979, que varreu o xá Reza Pahlevi do poder. Então troquei o chador pelo maghnaeh, uma espécie de capuz, muito mais prático.
Naquele primeiro dia, fui com minha amiga ao Grande Bazar. Sem trocadilho, um verdadeiro mercado persa. Entramos por um portal e seguimos em ziguezague por corredores estreitos pontilhados de lojas, tendas, recantos, pátios. Em poucas horas tive a impressãode ver desfilar toda a Pérsia em cores, sons, paladares e odores. Visitamos também o Museu Saadat Abad, a antiga residência de verão do xá. Percorrendo as salas é possível ver o mobiliário e os finos objetos usados pela família antes da queda. Na entrada do complexo, sob uma grande tenda, estão expostos alguns dos automóveis da coleção do monarca, diferentes modelos de Rolls-Royce e Mercedes, entre outros. No Palácio Golestan (Jardim das Rosas), outra atração da capital, fomos cercadas por um grupo de jovens estudantes. Empunhando celulares, as garotas fizeram interrogatórios cujas respostas eram gravadas. Queriam saber de onde vínhamos, que língua falávamos e, principalmente, se gostávamos deles.
Iranianas vestidas conforme as leis islâmicas no Bazar de Shiraz – Foto: Robert Preston Photography/Alamy
Quem vai ao Irã tem uma imersão profunda nos costumes locais até nas coisas triviais, como pagar um táxi. É que nessa hora os motoristas dizem: “Não precisa, não é nada”. Mas não é bem assim, e um longo diálogo se segue até que surja no horizonte um acordorazoável. Euzinha, que tenho a tendência a ser crédula e ingênua, se não tivesse sido informada previamente sobre isso, sairia batendo a porta com um “Deus lhe pague!” Esse é um aspecto da cultura persa muito arraigado. O local sempre recusa – por delicadeza – algo oferecido, mesmo que se trate de um justo pagamento por produto ou serviço. Ele fala diversas vezes “Não posso aceitar” e, por fim, algo como “Só aceitarei por sua insistência”.
Persépolis e Shiraz
Persépolis, a 640 quilômetros de Teerã, é o principal sítio arqueológico do Irã e Patrimônio Cultural da Humanidade, um dos 13 do país. Era a capital do império persa, ou aquemênida. Os iranianos são orgulhosos de seu passado glorioso, e isso transparecia no brilho do olhar de Sara, nossa guia-intérprete, quando ela explicava em detalhes as riquezas locais. O império persa chegou a ser o mais poderoso de seu tempo. O ápice foi com Dario 1O, no século 6 a.C., que ergueu Persépolis e para lá transferiu a capital, antes em Pasárgada. A cidade suntuosa, concluída mais de um século depois, foi destruída por Alexandre Magno menos de 200 anos depois. Persépolis ficou por séculos soterrada, só ressurgindo após escavações na década de 1930.
Emoção demais poder ver imagens tantas vezes admiradas nos livros. Frisos em baixo-relevo nas escadarias e paredes das ruínas mostram as delegações dos países conquistados prestando tributo a Dario, o autodenominado Rei dos Reis. Na entrada do complexo de palácioshá a ruína do suntuoso Portão de Xerxes (sucessor de Dario), dois imensos blocos de pedra esculpidos com as figuras de touros alados e cabeça humana. Sob esse portal passavam súditos e convidados vindos do Egito, da Síria, da Babilônia. A caminho de outra cidadehistórica, Shiraz, fizemos uma breve parada em Naqsh-i-Rustam para ver onde estão enterrados esses reis persas. Seus túmulos incrustados na rocha impressionam, emoldurados pelas montanhas contra o fundo da paisagem árida.
As ruínas de Persépolis, testemunhas do fausto persa de 6 a.C. – Foto: Robert Harding/Diomedia
Shiraz, a seguir, é conhecida como a cidade dos poetas, dos jardins e dos rouxinóis, além do vinho que leva seu nome. A uva ainda é cultivada na região, mas apenas para exportação: a produção de vinho parou com a revolução islâmica. Entre os monumentos mais cultuados de Shiraz está o belíssimo mausoléu do poeta Hafez (do século 14), que dá boa medida da importância da poesia no país. Belo também é o Museu Narenjestan, em um prédio rodeado por alamedas de antigos ciprestes, pés de romã e canteiros de rosas, jardins inspirados na concepção persa do paraíso.
Meu encantamento aumentou nos dias seguintes. Era a hora de conhecer Isfahan, outro Patrimônio da Humanidade, que me envolveu com seus cenários de As Mil e Uma Noites. Para traduzir sua grandiosidade e sua beleza, um poeta fancês a descreveu como “a metade do mundo” – ou o lugar que concentraria metade das belezas do mundo. Vi grandes pátios, colunas e arcadas de uma arquitetura expressiva que inspirou até o Taj Mahal. Pontes sobre as quais passaram caravanas contrastam com os azulejos esmaltados e decorados das cúpulas das mesquitas, minaretes, miniaturas. A Praça Imã Khomeini é o maior espaço público que já vi: um pátio emoldurado por jardins entre um palácio real e duas mesquitas. Ali está o portal para o Grande Bazar, cujos corredores se estendem por vários quilômetros e chegam até a parte mais antiga da cidade. O Rio Zavandeh serpenteia ao longo de Isfahan e é atravessado por mais de dez pontes. Algumas existem desde os tempos da Rota da Seda, da qual Isfahan foi um ponto vital. Crianças corriam e brincavam, uma família estendia a toalha para um lanche na relva. No bairro armênio Julfa, repleto de bares, restaurantes e cafés, paramos para almoçar. Ao entrar em um restaurante tradicional, próximo ao Grande Bazar de Isfahan, descobri que, em vez de mesas e cadeiras, sentaríamos para almoçar em uma… cama. Um garçom esticou uma toalha sobre ela, fez as anotações, e eu, sem sapatos, me senti muito bem com todas aquelas mesuras.
Outra experiência foi percorrer as ruas da cidade e os corredores do Grande Bazar, um dos maiores e mais antigos do Irã. Ouvi o som do cobre sendo moldado, acompanhei o pincel do miniaturista, senti o aroma das especiarias. Ali havia de tudo: tapetes, cerâmicas, peças de osso de camelo, marchetaria e tecidos pintados, entre milhares de outros. Imersas no mais legítimo dos mercados persas, eu e minha amiga fomos abordadas algumas vezes por jovens iranianas. Além da oportunidade de praticar o inglês, queriam saber qual era, para mim, a imagem do Irã no exterior. Então já me permiti responder com mais conhecimento de causa, sem me apoiar no que via do Brasil, pela TV ou pela internet. Disse a elas que o Irã é um lugar onde o povo tem uma educação primorosa, é gentil e hospitaleiro – não foram poucos os convites que recebi para almoçar na casa de conhecidos de meu anfitrião. Disse às meninas de Isfahan que elas eram dignas herdeiras da exuberante cultura persa.
O que você precisa saber antes de viajar:
- O DDI do Irã é +98
- DOCUMENTOS É preciso ter visto para entrar no país. Custa R$ 125, demora cerca de 15 dias para ser emitido e deve ser solicitado à Embaixada do Irã em Brasília (61/3242-5733, webiran.org.br) com pelo menos quatro semanas de antecedência da viagem.
- DINHEIRO Cartão de crédito é um instrumento inútil no Irã, mesmo nos hotéis. Há duas moedas em circulação, mas a mais usada é o rial. Um real brasileiro, na data de fechamento desta edição, equivalia a 5 936 rials. Euros são mais fáceis de trocar. Procure pelas casas de câmbio no aeroporto, na Rua Ferdosi e na Avenida Jomhuriye Eslami.
- COMPORTAMENTO homens não podem usar bermudas nem camisetas muito justas ou com mensagens consideradas profanas. As mulheres devem cobrir braços, cabelos e pernas com roupas largas até os joelhos, e nada de maquiagem. As regras são fiscalizadas pela polícia moral, e quem não obedece é levado à delegacia para assinar um documento se comprometendo a vestir-se de forma mais conservadora. Turistas, porém,costumam receber apenas advertências verbais.
- COMO CHEGAR Do Brasil, não existem voos diretos para Teerã. A Turkish (11/3371-9600, flyturkish.com.br) faz conexão em Istambul, desde US$ 1 914; a Emirates (11/5503-5000, emirates.com/br), em Dubai, desde US$ 2 282; a Qatar (11/2141-2100, qatarairways.com), em Doha, desde US$ 1 783. Há rotas diretas partindo das principais capitais europeias. A KLM (11/4003-1888, klm.com), por exemplo, tem voos saindo deAmsterdã, desde € 971; e a Lufthansa (11/4700-1700, lufthansa.com), desde € 449, partindo de Frankfurt.
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