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Copenhague, Dinamarca: o futuro vem a pedal

A capital do país mais feliz do mundo é também a que está mais à frente de todas. E as bicicletas têm muito a ver com isso 

Por Paulo Nogueira
Atualizado em 2 ago 2022, 13h25 - Publicado em 13 set 2012, 18h48

No filme Butch Cassidy, de 1969, com o qual a dupla Paul Newman e Robert Redford arrebatou o mundo, há uma cena memorável. O xerife sobe num palanque e faz um discurso inflamado para convencer os ouvintes a se juntar aos bandidos Butch Cassidy (Newman) e Sundance Kid (Redford), que vinham roubando sistematicamente trens carregados de dinheiro. Ninguém se voluntaria, até que um homem pede a palavra. O xerife, com alegria, abre espaço no palanque para o suposto voluntário. Mas o que ele queria era vender bicicletas para a plateia. “Eis o futuro”, diz ele, com uma bicicleta nas mãos.

O filme é ambientado no final do século 19, uma época em que o futuro se chamava, na verdade, automóvel. A bicicleta parecia condenada a ser um produto para crianças e para o lazer dos adultos. Mas eis que, em uma reviravolta espetacular, a humilde bicicleta acabou se tornando o futuro do qual o vendedor esperto de Butch Cassidy falou. As bikes são tão representativas da era que vivemos como a internet e a comida orgânica. Em boa parte do mundo, uma pessoa que compareça a um encontro numa bicicleta tende a provocar mais interesse do que se estivesse em um carrão, signo de despreocupação com a natureza.

Copenhague, a alegre capital da Dinamarca, é, no que diz respeito às bikes, o futuro do futuro. Um terço de seu 1,2 milhão de habitantes usa a bicicleta em locomoções diárias. Em Copenhague você vai trabalhar de bicicleta. Vai passear. Estudar. Namorar. Fazer compras. Vagabundear. As bicicletas tornam ainda mais bela uma cidade já fascinante pelo design inovador de seus prédios. Mulheres colocam flores na cesta à fente do guidão, usada também para levar a bolsa – ou eventualmente uma criança.

Copenhague é uma cidade cara a mim, caso de amor à primeira vista. Conheci-a alguns anos atrás, quando fui fazer uma reportagem que explicasse por que a Dinamarca era o país mais feliz do mundo segundo estudos que combinam dados concretos (salários, educação, saúde etc.) com uma avaliação em que você declara seu grau de satisfação com a vida em uma escala de 1 a 10. O país continua o mais feliz do mundo desenvolvido no ranking da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), que monitora 34 países, Rússia e Brasil incluídos. Não foi difícil descobrir os motivos da alegria dinamarquesa. O país, como todas as nações escandinavas, tem um sistema de capitalismo em que o bem-estar comum é a prioridade. Para os cidadãos, altos impostos são considerados o preço justo para a existência de uma sociedade harmoniosa. Em um mundo em que os ricos e as corporações criaram fórmulas legais para não pagar taxas, nos países da região a declaração de renda das autoridades está, por lei, exposta na internet.

Volto sempre que posso à Dinamarca. A novidade de minha última visita foi fazer, em Copenhague, como os copenhaguenses: decidi andar de bicicleta. Não tive de me empenhar para achar uma. O hotel Stay, onde fiquei, tinha várias à disposição dos hóspedes, a US$ 10 a diária. As ruas são planas, e sobra espaço para os ciclistas. Duas pessoas pedalam lado a lado sem problemas. Ultrapassagens são seguras; você não precisa invadir a área dos carros. Sou um ciclista irritantemente lento e, por isso, fui dezenas de vezes ultrapassado. Um leve toque de campainha, e eu sabia que vinha alguém. Minha morosidade patética jamais foi objeto de caretas ou xingamentos. A amabilidade faz parte da cultura local. Fui deixado para trás por jovens, crianças, mulheres e velhos, por gente de bermuda e também por executivos com paletó e maleta.

Copenhague é hoje um lugar visitado por autoridades de muitos países interessados no futuro de que falava o vendedor de Butch Cassidy. É visível o orgulho com que os nativos se referem à sua terra como a “capital mundial” dos ciclistas. Tudo é facilitado para eles. Os faróis abrem antes para eles. Não foi por sorte que tudo isso aconteceu. A capital danesa era, nos anos 1960 e 1970, igual a todas as outras metrópoles: tinha congestionamento, barulho de buzinas, ar poluído. Mas a crise do petróleo de 1973 surtiu em Copenhague um efeito colateral imensamente positivo. Manter um carro foi ficando mais e mais complicado. A cidade então redescobriu a bicicleta e nunca mais a largou. Hoje há até uma autoridade municipal – o nome do cargo é “embaixador das bicicletas” – a comandar uma equipe que zela pela segurança dos ciclistas. Um acidente em algum ponto da cidade é o bastante para que se investigue se foi casualidade ou se há risco para os ciclistas no local.

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Mesmo no inverno, que lá é cruel como um cossaco russo, os copenhaguenses pedalam como se estivessem no Leblon. Mas nós, brasileiros, não temos a mesma relação com o frio. Então, escolha com cuidado o período da sua viagem à Dinamarca caso queira ter na capital a experiência soberba de se locomover como os nativos – e se sentir na vanguarda da humanidade. Julho, agosto e setembro são os melhores meses para isso. Em agosto, as máximas ficaram por volta dos 20, 21 graus. Abril, maio e junho – a primavera – são para os valentes que não temem ventos ou frios nórdicos.

Isso não quer dizer que você deva descartar Copenhague fora do verão. Com ou sem bicicleta, é uma cidade que apaixona. Lembro-me, na primeira vez em que fui, do caso de um lixeiro que trabalhava pela manhã e treinava à tarde a equipe de handebol da escola pública em que suas duas filhas adolescentes estudavam. Ele era tratado com o mesmo respeito dedicado a um médico ou a um advogado ou a um engenheiro.

Na Escandinávia vigora a Janteloven (“As leis de Jante”). Jante é o nome de uma cidade fictícia criada pelo escritor Aksel Sandemose – que teve formidável influência sobre os escandinavos. Entre as “leis de Jante”, a mais importante era a que estabelecia que, a despeito de diferenças de patrimônio, escolaridade etc., ninguém é melhor do que ninguém. Uma aqui realizada utopia igualitária e próspera em uma humanidade caótica, predadora, socialmente injusta nos limites do paroxismo. Por isso, Copenhague, a maravilhosa capital do país mais feliz do mundo, é parada obrigatória para mim em qualquer estação, sob quaisquer circunstâncias – de bicicleta ou não.

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