Para um de meus primeiros cafés da manhã, fui a um restaurante perto do apartamento que aluguei e pedi um croissant. Quando o croissant chegou frio, perguntei se o garçom poderia aquecê-lo. “Não posso, não temos micro-ondas”, ele disse. “Você não tem forno?”, perguntei sabendo que só havia uma resposta possível, dado que estava em um restaurante. “Mas não usamos o forno para aquecer croissants”, respondeu antes de marchar dali.
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Talvez tenha sido nesse instante que entendi onde estava. Nada em Nova York escapa ao processo previamente estabelecido. Um croissant que invada o forno no qual nunca antes entrou causaria rebuliço na cozinha, e, nesse caso, mais vale deixar o cliente frustrado do que atrapalhar o processo. Se você pede um suco de laranja e não há mais laranjas, o garçom não vai oferecer um suco de melancia; vai apenas dizer: “Sinto muito, estamos sem laranja”.
No dia seguinte, minha mulher e eu fomos comer numa doceria badalada, e havia um rapaz esperando à nossa frente. De repente, o host pediu que entrássemos. “Mas ele está na frente”, dissemos apontando para o rapaz. O grandalhão ignorou o alerta e mostrou nossa mesa. Depois, baixinho, perguntou: “Não viram que ele está sozinho? Sabem quanto tempo pode levar até a companhia chegar?” Entendemos que o rapaz devia estar esperando alguém e que por aqui só sentam quando todos já estiverem presentes. Outra vez, o processo. É preciso girar as mesas, deixar a conta finalizada antes que o cliente peça por ela. É a economia, estúpida, pensei.
Morar em Nova York é como casar com o amante – você deixa de encontrá-lo esporadicamente, enxerga todos os defeitos e se pergunta: o que eu fui fazer? Mas talvez seja apenas nessa circunstância que consigamos amar de verdade. Não foi fácil superar os maneirismos, o barulho constante de sirenes, o tratamento gelado do atendente e sair do outro lado ainda percebendo o encanto.
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Mas trata-se de uma cidade que, apesar da dureza do cotidiano, oferece um arsenal cultural que talvez outro lugar do mundo não consiga. E a verdade é que não nos apaixonamos por alguém, ou por uma cidade, por suas qualidades, mas a despeito de suas esquisitices. Nova York é cheia delas, só que não cansa de tentar me seduzir, como o amante que se recusa a cair na armadilha do casamento.
Texto publicado na edição 219 da revista Viagem e Turismo (janeiro/2014)