Como é fazer um cruzeiro Disney sem levar crianças
Navegamos no Disney Dream e constatamos o óbvio: o navio é ideal para os pequenos. E o nem tão óbvio: é um programaço também para casais sem filhos
Se tem uma coisa que um cruzeiro da Disney gosta de lembrar a seus passageiros quase o tempo todo é que, tcharam, você está na Disney. A inconfundível luvinha branca do Mickey é o ponteiro dos elevadores e uma estátua do capitão Donald dá as boas-vindas no hall principal, ao lado do piano de cauda. De manhã, você pode topar com um sonâmbulo Pateta de pijama andando pelos corredores dos quartos ou cruzar com um encontro de princesas, de Cinderela a Elsa, cercadas por miniaturas humanas com o mesmo traje. É inevitável, crianças e adultos se encantam nesse tipo de evento — praticamente uma convenção das Nações Unidas, só que as nações são todas monarquias e fictícias.
Vá para o quarto, tome um belo banho e se embrulhe no felpudo roupão. Olhe atentamente a toalha. O edredom, as luminárias, os tapetes. Oh, não, Mickeys escondidos por todo lugar! Dos waffles no café da manhã ao formato de piscinas, a Disney Cruise Line, companhia de cruzeiros da casa do Mickey, repete nos navios uma tradição dos parques: camuflar os contornos do camundongo nos lugares mais improváveis.
Não custa reforçar. Caso você seja dessas pessoas que não gosta de mundos de bichos falantes, princesas e contos para a família, jamais embarque em um cruzeiro desses. Mas, se um personagem da Disney (ou da Pixar, da Marvel, de Star Wars…) aquece seu coração de alguma forma, essa é uma viagem que te marcará.
Fiquei três dias a bordo do Disney Dream, junto com minha namorada. Não imaginei que uma viagem do tipo combinaria com um casal sem filhos. Mas dá, sim, para se divertir um bocado, porque é um cruzeiro que tem muito mais do que apenas encontros com personagens. Quase tive uma overdose de entretenimento.
Atrações por faixa etária
Como uma típica viagem à Disney, essa é uma viagem família. Há atividades para todas as idades e áreas exclusivas para cada faixa etária. Crianças de 3 a 12 anos têm no Oceaneer Club uma bela oferta de diversão, com um espaço subdividido em zonas temáticas. No bosque da Sininho, a meninada vê filmes, usa fantasias, desenha e ouve histórias. No quarto do Andy, brinca como se tivesse o mesmo tamanho dos brinquedos de Toy Story. Na Millenium Falcon, finge pilotar a nave mais célebre de Star Wars (o que pode ser usado para causar inveja em alguns pais). O Oceaneer ainda tem um berçário para bebês a partir de seis meses, um refeitório e uma área lúdica, Oceaneer Lab, para atividades mais educativas.
O Dream tem funcionários de mais de 60 nacionalidades. Então, mesmo crianças que não dominam o inglês conseguirão se comunicar com os recreadores do Oceaneer. Sim, o português está incluso nos idiomas do clube infantil, podem ficar tranquilos.
Os adolescentes também têm uma área só para eles, na proa do navio. O Vibe tem estações de videogame, mesas de jogos, karaokê e um telão de 103 polegadas em um ambiente meio noventista. O mais legal é a parte externa, com piscina e deck próprios. À noite, rolam festinhas (sem álcool) e quem quiser pode atacar de DJ. Tudo em um ambiente liberado apenas para quem tem de 14 a 17 anos. E eles ainda têm um spa próprio, o Chill.
Aí você escolhe se deixa os seus filhos nessa mordomia toda porque eles merecem ou porque você precisa, já que as áreas exclusivamente adultas são muitas — e boas.
Senses Spa: simplesmente imperdível
Na falta de cassino, tipo de negócio que não combina com a filosofia Disney, o bingo vive cheio. Mas deixe para depois e comece visitando o Rainforest já no primeiro dia, antes que todos a bordo descubram essa joia escondida dentro do Senses Spa. O recinto tem espreguiçadeiras aquecidas e chuveiros com jatos d’água de diferentes temperaturas e intensidade, formando sessões de aromaterapia que simulam desde as intensas tempestades tropicais até as gélidas chuvas siberianas.
O spa tem também banheiras de hidromassagem, com vista para o mar, e sauna, também com vista. Dentro dela, a música zen dá a sensação de que você está a centenas de milhas náuticas da rave infantil de crianças saltitantes turbinadas de açúcar que se deliciam, gritam, pulam e dançam por quase todo o navio. É o tipo de lugar no qual a gente pensará no futuro, quando estiver em algum momento estressante, de volta à vida normal. Ah, dica preciosa: como o Rainforest tem lotação limitada, é melhor reservar com antecedência (US$ 16 o passe de um dia).
Brincando de detetive
A molecada seguirá plenamente atarefada, seja na noite de piratas, na sempre lotada piscina do Donald ou correndo para cima e para baixo nos 14 decks (andares). Muitas estarão em missão: investigar pistas deixadas nas obras de arte do navio. Isso para desvendar o mistério de um jogo de detetive da turma do Mickey que mistura telas interativas e cartões com códigos QR. Você pode acompanhá-los e de quebra admirar as ilustrações, esboços e estudos para vários clássicos dos estúdios Disney, como Bambi, Pinóquio, Alice no País das Maravilhas e Peter Pan. As obras enfeitam um bocado as escadarias, o que me levou a querer usar mais os degraus do que os elevadores (e não a necessidade de queimar as calorias de pizzas e sorvetes).
Playground dos adultos
Aproveite para deixar as crianças soltas e volte para as zonas 18+. O Currents, no deck 13, é um bar ao ar livre que lembra as fachadas art déco de Miami. Bom para fumar charutos e ver o pôr do sol. Quando a noite cair, vá para o District, o playground adulto, que tem uma entrada sem graça, discreta e sóbria, ideal para manter os interesses infantis bem distantes. Lá dentro, é só alegria engarrafada.
O Pub 687, um bar de esportes chique demais para ser um bar de esportes, tem 16 torneiras de chope, incluindo uma red lager exclusiva, a 687, feita especialmente para o Dream. O charmoso Pink é especializado em vinhos e espumantes e faz você se sentir dentro de uma garrafa de champanhe. O Skyline é um sofisticado bar de coquetéis com iluminação baixa que compensa a falta de janelas de maneira criativa: as paredes são cobertas por painéis digitais em HD que exibem vistas panorâmicas de diversas metrópoles, como Londres, Barcelona, Chicago e Rio de Janeiro. A carta homenageia as mesmas cidades e, no caso do Brasil, a caipirinha não faz feio: além do limão, do açúcar e da cachaça (Leblon, e não uma das grandes marcas industrializadas que costumamos ver no exterior), ela leva também o vinho do Porto Quinta do Noval. O lado oposto ao balcão de granito negro e madeiras nobres exibe cartazes que também são digitais, algo que você não descobre de cara. Precisa sentar, pedir um trago e admirar a “paisagem”.
Já o Meridian, no alto da popa do navio, oferece uma vista de verdade, em 180º, para o rastro das turbinas rasgando o mar enquanto você beberica um coquetel clássico, totalmente entregue às poltronas de couro. Trinta e três garrafas de destilados me fizeram pensar em duas brevidades: a da vida e a da minha carteira. Uísques escoceses (Oban Little Bay, Macallan, a US$ 60 a dose…), americanos (Templeton Rye, Yellowstone…) e tequilas (Código 1530, Gran Patrón…) são o convite para antes ou depois do jantar nos dois restaurantes ladeados pelo Meridian.
Um deles é o francês Remy, cujo chef executivo, Patrick Albert, “é a cara do Gusteau”, brinca o indiano Lloyd Machado, diretor de hotel do Dream, citando o mestre-cuca de Ratatouille. Não é uma comparação gratuita, já que Remy, o protagonista do filme gourmet da Pixar, é a inspiração do nome — uma raríssima oportunidade para um rato batizar um restaurante fino e a gente achar de bom tom.
O outro vizinho chique do Meridian é o Palo, que homenageia Veneza e a cozinha do Vêneto. As vieiras grelhadas com purê de raiz de aipo são o destaque da casa. Em tempo, “palo” é “poste” em italiano. Como os postes coloridos nos canais de Veneza são uma bela marca local, temos aqui outra rara possibilidade onomástica: um poste batizar um restaurante fino e a gente achar bacana.
Tanto o Remy quanto o Palo funcionam mediante reserva e não estão inclusos no pacote do cruzeiro. O jantar no Remy sai por US$ 125 por pessoa. No Palo, US$ 40 a boca. Mas tudo bem se você pular os dois e ficar apenas nos restaurantes “populares”. Dá para comer feliz sem gastar uma pataca a mais. O Royal Palace, inspirado na Cinderela e outras princesas, tem cardápio e decoração afrancesados e açucarados. Já o Animator’s Palate homenageia os profissionais da animação, com pincéis, rolos de filmes e objetos de pesquisa e modelagem espalhados nesse grande “estúdio”. Sentadas em cadeiras do Mickey, as famílias se surpreendem quando as janelas para um fundo do mar decorativo ganham vida: nessas telas digitais, a turma de Nemo e Dory surge para interagir com as crianças. Destaque para a tartaruga Crush e seus olhos de quem terá fome em breve. É um momento legal, porque não é um vídeo programado, Crush realmente conversa com as pessoas. É a mesma tecnologia do Turtle Talk, atração do Epcot Center em que Crush faz um “talk show” com a molecadinha.
O menu do Animator’s Palate é praticamente o itinerário que Marlin faz para encontrar seu pequeno peixe-palhaço em Procurando Nemo, com pratos dos dois lados do Pacífico. Outro detalhe bacana dos restaurantes do cruzeiro é que eles funcionam em rotação. A cada dia você come em um diferente, mas os garçons te acompanham, assim dá para desenvolver a intimidade e melhorar ainda mais o serviço.
Entre as opções de café da manhã e lanches ao longo do dia, o Cabanas é um bufê praiano que também conta com o charme, dessa vez mais discreto, dos bichos de Nemo. Quando sentei debaixo das gaivotas de olhos apertados, tranquilo por minha comida não correr risco de ser roubada pelas aves, pois elas felizmente são de plástico, dei de cara com a vista lá do alto, no deck 11. Era Castaway Cay, a ilha privativa da Disney nas Bahamas.
Castaway Cay, a ilha privativa da Disney
A empresa arrendou do governo das Bahamas uma ilhota de 4 km2, mais ou menos a área de Copacabana, e a transformou em uma espécie de parque aquático na natureza. Então lá está você na Disney, só que no meio do Caribe. A areia e os coqueiros são de verdade, as arraias que nadam ao seu lado são de verdade, assim como a água quentinha do mar. Mas os bares e restaurantes locais são o mais puro creme de arquitetura fictícia Disney. Cabanas e estruturas que remetem a arquipélagos caribenhos e polinésios, só que de mentirinha. Os “habitantes” da ilha são funcionários da companhia. E você não pode, em hipótese alguma, ultrapassar os limites marcados por cordas e boias na praia e no mar. Sabe aquela caminhadinha até a ponta da praia? Não rola. O que pode te fazer pensar se está no Show de Truman. É um lugar onde o real e o imaginário se misturam de um jeito que não se vê nos parques. Lindo, divertido e um tanto inquietante.
Você pode seguir filosofando. Ou então pensar menos e relaxar mais. Tem a praia família, com toboágua e uma divertida caça ao tesouro submarina, e tem a praia dos adultos, silêncio total, delícia necessária. Alugue uma bicicleta e explore as trilhas tranquilas ou fique boiando no mar, que o que tem de transparente tem de tranquilo.
Além da Castaway, o Dream para também em Nassau, capital das Bahamas. A maioria das boas praias fica a poucos minutos de táxi do centro, então você pode conhecer, por exemplo, a ilha Paradise e seus resorts, como o famoso Atlantis, ou visitar o simpático centro histórico a pé, subir a escadaria da rainha Vitória e admirar a vista do forte Fincastle, com a onipresença dos transatlânticos ao fundo, desproporcionalmente grandes quando ancorados em cidades coloniais.
Teatro Walt Disney
À noite, prepare-se para mais diversão. O Teatro Walt Disney é imperdível por si só, com sua decoração cheia de elementos art déco e nouveau. Entre os espetáculos, todas as noites, Golden Mickeys e Believe são duas espirituosas saladas de personagens de eras diferentes interagindo entre si — dos clássicos dos anos 30 aos astros da Pixar. Então tome Branca de Neve, Pateta, Woody, Gênio, Rafiki e grande elenco nesses musicais cheios de luz e efeitos visuais. Mas sem dúvida o carro-chefe é A Bela e a Fera, baseada na recente adaptação para o cinema. Um showzaço no meio do mar.
Quando sobrar um tempo, durma. São 16 tipos de cabines, das mais simples, sem vista para o mar, até a suíte Concierge Royal, que bem que poderia se chamar suíte Patinhas. Localizada no deck 12, sobre a proa, tem banheira de hidromassagem na varanda e vários outros luxos, como sala e dois banheiros, distribuídos em 165 m2.
Mas ainda assim você não vai dormir horrores. Um cruzeiro da Disney é, como esperamos, uma viagem em família. Mas ele pode ser também, cá entre nós, ótimas férias da família. Porque, no Dream, esse colosso com 5,5 mil pessoas, entre passageiros e tripulação, 340 m de comprimento e 66 m de altura, tem diversão e atividades para todo mundo até cansar.
Mesmo nas áreas mais improváveis, boêmias, longe da criançada em polvorosa e dos personagens sempre alegres, lá está a Disney mostrando que mora nos detalhes. Quando voltei ao bar Pink, sorri ao avistar, escondido entre as borbulhas iluminadas na parede, o elefante rosa de Dumbo.
Serviço
O Disney Dream faz o trajeto Flórida-Bahamas, parando na capital, Nassau e/ou em Castaway Cay. Há roteiros de três, quatro e cinco noites. Se puder, faça pelo menos quatro. São tantas atividades a bordo que você vai querer tempo para curtir tudo o que quiser e ainda pegar umas praias.
Eles saem o ano todo, mas é bom se organizar com antecedência, pois lotam. Porto Canaveral, o ponto de partida, fica a cerca de 80 km de Orlando. Chegue na véspera e, se ficar no Walt Disney World Resort, você tem direito ao transporte nos ônibus temáticos circulares entre o complexo e o terminal da Disney. Um cruzeiro custa a partir de US$ 1500, o que dá direito a quase tudo, exceção feita a bebidas alcoólicas, restaurantes mais chiques e mimos como o spa.
Atualmente, a Disney tem quatro navios (mais a caminho, eles garantem). O Disney Magic sai de Miami e Nova York e tem diversos roteiros pelo Caribe e Canadá. Ele também tem rotas no Canal da Mancha e nos mares do Norte, Tirreno e Mediterrâneo, passando por quase todos os países litorâneos da Europa Ocidental. O Disney Wonder explora a costa oeste da América do Norte, do Alasca até a Baja California, e o Caribe, partindo do Golfo do México. Por fim, o Disney Fantasy tem roteiros semelhantes ao Dream, mas também vai ao Caribe central, com paradas na Jamaica e nas Ilhas Virgens, entre outros.
Mais informações no site da Disney Cruise