Enquanto há brasileiros que até o momento não conseguiram voltar do exterior para Brasil, há outros que nem cogitaram arredar o pé de onde estão. A VT conversou com 11 deles que continuam lá fora – alguns residentes há muito tempo, outros apenas de passagem – e que contam agora como está sendo lidar com a rotina, a solidão e a adaptação aos hábitos de cada país.
Argentina
O casal Suelen Diba e Henrique Jorge embarcou em uma kombi em Joinville (SC) há menos de dois meses rumo à Argentina. No momento, eles estão presos em El Calafate, na Patagônia. “Ficaremos aqui até que a quarentena termine. Gostaríamos de continuar nossa viagem, mas isso vai depender muito das próximas semanas”, conta o casal, que posta no Instagram Outras Áreas o dia a dia em uma cabana com vista para o Lago Argentino.
“Estamos em completo isolamento numa pousada a alguns quilômetros da cidade, as únicas pessoas que vimos nos últimos 10 dias foram os proprietários, que ficam em uma casa próxima. Somos os únicos hóspedes”, disse a dupla, que não sai da cabana nem para ir ao mercado.
Foi na estrada que Suelen e Henrique sentiram o impacto da disseminação do coronavírus pela primeira vez. “Já estávamos de olho nas notícias desde janeiro, mas só percebemos que isso poderia afetar nossa locomoção quando partimos da cidade de Sarmiento, na província de Chubut. De lá, seguimos mais de mil quilômetros até chegar em El Calafate. Na entrada da cidade, quase fomos barrados pelo pessoal do controle sanitário, que só autorizou nossa passagem depois de muita conversa. Agora é esperar o dia em que poderemos abastecer a kombi e seguir viagem”, diz o casal.
Austrália
A paulistana Marcela Martins foi morar em Sydney em 2016 e não cogitou voltar. “O sistema público de saúde aqui funciona muito bem e o governo faz o possível para amparar cidadãos e residentes”, disse ela, que trabalha com pesquisa clínica na Johnson & Johnson.
Para a jovem, um fator fundamental na batalha contra a propagação do coronavírus foi a comunicação dos órgãos oficiais. “O governo fala na televisão diariamente e explica tudo que está sendo feito para conter a pandemia”, ressalta. Durante o atual período de incerteza, Marcela nem pisa nas ruas de Sydney: “faço compras pela internet e recebo em casa. Estou trabalhando em home office desde o dia 17 de março, sem sair”.
Marcela reconhece que as autoridades australianas foram tão enfáticas sobre a gravidade da situação que podem ter sido, em alguma medida, as incentivadoras do corre geral aos supermercados que aconteceu nas primeiras semanas. “Tão logo o governo anunciou que restrições severas poderiam acontecer, as pessoas invadiram os mercados e acabaram com todo o estoque de papel higiênico, álcool em gel, lenço umedecido e macarrão. Teve briga, pessoas se batendo, uma loucura. Depois desses episódios, o governo restringiu as quantidades, mas ainda falta papel higiênico”, relata.
Apesar de contabilizar 19 mortes causadas pelo Covid-19 até o momento, a Austrália não decretou qualquer tipo de restrição de mobilidade. A maioria das escolas fechou e a quarentena mais rigorosa foi instituída apenas para pessoas com mais de 60 anos ou que tenham alguma comorbidade.
Outro que foi para a Austrália em busca de dias melhores é o personal trainer Ricardo Riskalla, que se mudou para Sydney há 22 anos. Naturalizado australiano, em nenhum momento desde que a epidemia se alastrou ele pensou em voltar. O paulistano, de 47 anos, segue trabalhando, mas tem adotado algumas medidas de precaução. A principal delas foi que alguns dos seus clientes preferiram trocar os encontros presenciais por aulas via videoconferência. “Acho que essa epidemia vai mudar a vida das pessoas para melhor, elas se preocuparão mais com as outras, voarão menos de avião e cuidarão mais do corpo”, filosofa.
Canadá
Em dezembro de 2018, Pedro Henrique Ferreira, de 22 anos, se mudou com a família para Toronto e alguns meses depois ingressou no curso de contabilidade. “Não tinha certeza se as aulas presenciais da faculdade voltariam. E como proibiram o ingresso de não-canadenses ao país, caso eu saísse não poderia voltar pra cá tão cedo”, disse ele, que ainda não tem a cidadania.
As aulas, que antes eram incertas, voltaram pelas plataformas online e passaram a fazer parte da rotina de Pedro, que se sentia muito ocioso durante o tempo livre. “Dentro de casa não há muito o que fazer, no máximo é limpar a casa e cozinhar, além de passar o tempo vendo séries e jogando videogame”, relembra.
Pedro trabalha de garçom, mas o bar onde dá expediente foi fechado. Ele não se diz preocupado por estar ganhando o employment insurance (seguro-emprego). “Quem não estiver apto a receber o benefício, a empresa contribui com 95% da média salarial”, explica.
A pandemia chegou com mais intensidade no Canadá há um mês, o que se refletiu com força nos supermercados. “Estavam sempre lotados, não importava a hora do dia e as pessoas começaram a ficar desesperadas para estocar as coisas. Foi uma semana nessa loucura. Dias depois, limitaram o número de itens por cliente”, diz Pedro Henrique.
Estados Unidos
Há oito anos, Francisco Tavares saiu do Brasil para aprender inglês em San Diego. Lá ele casou e teve um filho. A decisão de ficar não foi um parto: “a situação está começando a se agravar no Brasil e eu acho que será pior do que nos Estados Unidos”. O país de Trump lidera a lista em número de infectados, com mais de 200 mil.
O jovem segue trabalhando em restaurante, que agora só funciona no esquema delivery. “O movimento está devagar e, como meu ganho é variável, vou precisar usar minhas economias”, lamenta.
Pai de um garoto de 4 anos, em casa Francisco não fica parado. “Meu filho tem muita energia, então estamos sempre fazendo atividades para manter ele ocupado, seja com brincadeiras ou atividades educativas”, diz. Nas horas vagas, ele e a esposa colorem mandalas, atividade que ele não tinha familiaridade, e cozinham.
“Percebi a gravidade há uma semana quando realmente fechou tudo e todo mundo passou a ficar com medo de sair na rua. Os números que vemos na televisão também me assustaram, assim como a primeira vez que fui ao mercado e as prateleiras estavam vazias”, conta.
Inglaterra
Isadora Bontempi chegou em Londres há um ano para estudar inglês e não cogitou sair do país: “não senti necessidade nem vontade de voltar para o Brasil. Claro que para ficar confinada seria melhor estar na minha casa com a minha família, mas não estou me sentindo mal de estar aqui”.
Isadora se mostra preocupada em relação à situação da Inglaterra. Ela disse que mesmo com o fechamento das fronteiras implantado pelo governo, em 24 de março, e a instauração de uma multa para quem estiver na rua sem motivo, os moradores da região onde ela vive, Westminster, estão seguindo a vida normalmente. “As pessoas não estão respeitando muito. Tem muita gente na rua, principalmente idosos e famílias com crianças. Foi dito que teria fiscalização da polícia, mas ainda não vi”, relatou a brasileira.
Contudo, ela também vai às ruas quase todo dia, mas mantém a distância regulamentar: “preciso sair pelo menos uma vez para correr ou tomar um pouco de sol, esses últimos dias estão bem bonitos em Londres, o que não é muito comum”.
Isadora ainda ressaltou algumas mudanças de hábito quando está em casa, como lavar as mãos assim que chega da rua, tomar vitaminas e comer alguns alimentos para melhorar a imunidade. “O bairro já tem muitos casos confirmados, é um dos cinco com mais ocorrências em toda Londres, então todo cuidado é pouco”, enfatizou.
As consequências para o Reino Unido, que tem mais de 20 mil casos da covid-19, inclusive o primeiro-ministro Boris Johnson, podem ser sentidas. “as pessoas estão desesperadas, os mercados estão vazios já faz umas três semanas. Estamos pedindo online para evitar aglomeração, mas a entrega está demorando cerca de 15 dias”, disse a estudante.
Itália
João Victor Zinato, de 21 anos, escolheu a Itália para realizar o programa de mobilidade acadêmica, que consiste em cursar algumas matérias da faculdade, no caso de engenharia, em uma universidade italiana. O estudante chegou na região de Ancona, ao norte de Roma, no começo de fevereiro e acompanhou de perto o drama do país.
O aluno sentiu uma demora do governo italiano para implantar medidas mais restritivas e impor a quarentena. “A vida continuava normalmente. Apesar das notícias que vinham do norte do país, todos seguiam sua rotina, ninguém parecia preocupado e muito menos agindo de forma cautelosa. Quando a quarentena foi implantada, já havia muitos casos na cidade”, relatou o brasileiro.
Após a Itália adotar a quarentena, João só sai para ir ao supermercado e à farmácia. E passa os dias completamente sozinho: “a sensação é de isolamento total. Divido apartamento com dois estudantes italianos que foram embora para suas famílias quando as aulas presenciais foram suspensas”.
Sua rotina consiste em acordar, assistir aula online, fazer as tarefas domésticas e gastar bastante tempo nas redes sociais. “Não estou preso no país, eu poderia voltar se quisesse, mas prefiro continuar”, opina.
João disse que só entendeu a gravidade da pandemia quando, um dia antes de ser instituída a quarentena, ele foi até uma delegacia para regularizar os documentos de permanência no país e os policiais foram duros. “Fiquei sem entender nada, depois me disseram que não tinha ninguém do setor de imigração e que eu não deveria estar lá, foi assustador”, relembra.
Israel
Gabriella London, de 19 anos, foi para Jerusalém há menos de um mês para participar de um programa para formação de líderes e educadores em um instituto dedicado a difundir o sionismo. A jovem, que estuda Relações Públicas na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, sabia da situação do coronavírus quando embarcou, entretanto ponderou que seus planos de aprimoramento eram mais importantes. Até o momento, a estudante disse que não se arrependeu, mas sente o peso das leis do país. “Estamos impedidos de sair do campus. A polícia às vezes aparece para verificar se tem mais de 10 pessoas reunidas no mesmo lugar – a multa para quem infringir a regra é de aproximadamente R$7.000. O governo está tomando medidas bem drásticas, mas acho que são válidas para que o vírus se espalhe o mínimo possível”, relatou a jovem.
No sábado (21), Gabriella disse que recebeu uma ordem de que todos os estudantes teriam de ficar 4 dias trancados nos quartos porque o exame de um professor deu positivo. Até o toque recente de recolher, a jovem disse que mantinha contato com muitas pessoas. “Aqui dentro vivem cerca de 250 estudantes, mais funcionários. Nos ambientes abertos, eu tenho contato com todos, só nas salas é que são permitidas no máximo 10 pessoas”, diz ela.
Portugal
O casal Ana Carolina e Fernando Ricci embarcou para a cidade do Porto há quase quatro anos. O passaporte italiano de Fernando facilitou os trâmites para que vivessem na legalidade. Um pouco depois, nasceu o filho.
Com o desencadeamento da epidemia, a dupla até pensou em retornar, mas desistiu: “Nosso filho tem grande sensibilidade pulmonar e pelo SUS seria complicado tratá-lo; aqui o sistema de saúde público nos faz sentir mais seguros”, pondera Ana Carolina.
Fernando é fotógrafo e trabalha em um coletivo que reúne 50 estúdios fotográficos em um mesmo espaço onde circulavam cerca de 600 pessoas diariamente. A empresa estabeleceu turnos intercalados de quinze dias na empresa e o mesmo período de home office.
Segundo o casal, o governo português assume o salário integral do funcionário que for diagnosticado com a covid-19. “Pessoas que não têm com quem deixar o filho passaram a receber 66% do salário, sendo que empresa e governo arcam com metade do valor.”
Para Ana Carolina, o momento mais difícil foi quando a União Europeia anunciou que as fronteiras seriam fechadas. “Essa medida vai contra os princípios da livre circulação, que é muito valorizada por aqui. Vejo as pessoas tristes nas ruas e preocupadas com o futuro”, finalizou a brasileira.
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