Certa vez, me relataram um papo entre mãe e filha. “Sei que seu noivo mora em Birigui, mas não é melhor fazer o casamento aqui, em São Paulo? Assim, seus tios mais velhos não vão ter que viajar por 500 quilômetros”, disse a mãe. “Mas os tios podem aproveitar pra turistar num lugar diferente”, argumentou a rebenta. “Birigui não é Bruges, minha filha”, treplicou a mãe.
Nada contra a aprazível Birigui, pelo contrário, mas associar Bruges a um destino inesquecível diz muito sobre a cidade. A 23 minutos de trem de Ghent ou a uma hora de Bruxelas, é tão minúscula quanto graciosa. Pode até ser percorrida a pé, então rende como bate e volta – mas melhor mesmo seria permanecer ao menos 24 horas.
“Ponte”, em flamengo, Bruges foi construída sobre as águas no século 12 e, como Ghent, preserva a atmosfera medieval, com canais que lhe renderam a alcunha de Veneza do norte. Existem até carruagens com cocheiros, algo que abomino, mas me garantiram que os cavalos trotam um dia e folgam dois, além de descansarem e beberem água durante os passeios de meia hora. Acreditei, por tudo que se vê.
Arquitetura e história
Outra razão para se valer da máxima de que ela parou no tempo: conserva quatro portais da velha muralha de pedra que a rodeava e um estandarte defensivo de 1401, a Poertoren Tower, a Torre de Pólvora. Pertinho da Station Brugge, a torre pode ser seu primeiro contato com a cidade.
Sugiro, porém, voltar numa outra hora, sem mala, para combiná-la com um piquenique no Minnewater, parque conhecido como Lago do Amor, atraente no inverno com árvores cobertas de neve, no verão com festivais.
Bagagem guardada, começo meu giro pelo epicentro de tanta beleza, que foi aumentada nos tempos em que Bruges era ricaça, um dos maiores núcleos comerciais e artísticos da Europa entre os séculos 13 e 15. Saindo da Rua Oude Burg, logo chego a uma espécie de pátio de tijolos. Avisto o Belfort, campanário cujo sino badala a cada 15 minutos.
Seu topo, alcançado após 366 degraus, te faz enxergar tudo. Com 83 metros de altura, é como a Torre de Pisa, pois está torto em 1 metro, mas não fica cedendo e sendo consertado como na Itália. Segundo a Anne, guia que arranha o espanhol, lá é tudo de tijolo porque ele é abundante no solo de Flandres, é mais em conta que trazer pedras da França.
Centrinho
O campanário Belfort está emendado no burburinho justificável da Grote Markt, a praça do mercado, que há décadas aboliu os carros. Coração de Bruges desde 958, nas manhãs de quarta mantém uma feira com barracas de queijos e frutas. A praçona também é legal pelas casinhas coloridas que abrigam restaurantes e cafés; pelo neoclássico prédio da Corte da Província; e pelo Historium, museu interativo que remonta à Bruges medieval, com realidade virtual e teatro de bonecos, bom para crianças – tome uma Duvel no bar-café do terraço, o Duvelorium.
Bastam poucos passos, mesmo, para chegar à outra praça queridinha e mandatória, a Burg. Ideal para flagrar o vai e vem, a antropologia local. Ver o povo sujando o rosto com a calda dos waffles e o molho das fritas, que teriam sido inventadas pelos belgas, há mais de 300 anos, num inverno rigoroso que congelou os rios e a pesca, aí o jeito foi cortar as batatas no formato dos escassos mariscos.
Mas, na Burg, curti mais entrar na Basílica do Sangue Sagrado, gótica e escura por fora, cheia de ouro por dentro. Razões: a) na capelinha do térreo é possível tocar o joelho de uma figura de Jesus de madeira e fazer um pedido – o meu se realizou; b) no segundo piso, é exibido, às sextas, o frasco que conteria o sangue de Cristo, preservado por José de Arimateia após a lavagem do corpo, e levado pelo conde de Flandres, em 1250.
Essa basílica é meio escondida numa esquina da Praça Burg, à esquerda do Stadhuis, grandioso prédio da prefeitura. Na fachada de pedra arenisca, um carnaval classificado por especialistas como gótico-romanesco, com janelas em forma de ogiva, figuras sacras e de governantes de Flandres. Lá dentro, obras de arte esplendorosas, inclusive paredes pintadas com afrescos do século 19.
À direita da edificação, despeça-se da Burg com uma olhada no Oude Griffie, prédio adornado por um conjunto de estátuas douradas.
Das rendas aos sabores
Segui o passeio pela Hoogstraat, ruela com comércio criativo. Há galerias de arte pop como a 30/Highstreet. Ateliês como o Djamil Zenasni, restaurador de tecidos, e lojas como a Madam Mim, onde a dona tece roupas retrô a mão.
Bruges e Flandres são consideradas berço da renda no século 15 – italianos contestam. Há melhores barganhas até em toalhas, blusas e enfeites ao sair um pouco desse burburinho, nos negócios menores em que se vê a manufatura – e sem o risco de comprar uma peça made in Bangladesh, como nas lojas de suvenir.
A ‘t Apostelientje vende peças criadas 100% a mão e rendas antigas emolduradas. É anexa ao Kantcentrum, o museu dedicado à renda, que também oferece produtos pacientemente confeccionados por senhorinhas.
De volta às cercanias da Grote Markt, desfecho noturno bacana é combinar um jantar no Café Marcel, no hotel homônimo, com um espetáculo no renascentista Stadsschouwburg.
É dia da minha saideira. Encantado, acordei. Me esbaldei com os pães da Le Pain de Sebastien. Provei chocolates no Choco Story, museu da matéria. Belisquei biscoitos speculoos, típicos belgas/holandeses, na Juliette’s, loja que vende forminhas legais para presentear.
Pena que não deu para ir aos moinhos de vento. Speculoos, moinhos, canais… Não, não vou comparar de novo a Bélgica à Holanda, países mais que fronteiriços, quase gêmeos. E que nenhum belga ou dutch leia isso, pois, como vizinhos, sustentam certa rivalidade, podem ficar brabos e escrever uma matéria nos comparando aos argentinos.
De abril a junho, na primavera, o clima é agradável e as paisagens atingem o ápice. De julho a setembro, os turistas chegam em peso para os festivais e os preços sobem um pouco. Ainda que chuvoso, o outono, de setembro a novembro, deixa os bosques alaranjados. O inverno é rigoroso, venta muito – vale para quem procura os mercados de Natal de Bruxelas e Bruges.
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