Confesso que ser jornalista de viagens nesta pandemia que já dura mais de um ano não é tarefa fácil. Já me rendi ao mundo das lives, já parti para entrevistas, já cansei de falar de picos, de melhoras, de novos picos, de lockdown, de reabertura, de lockdown de novo, de covid. Me vejo, muitas vezes, relembrando meus tempos de hard news em revista semanal, escarafunchando dados, estatísticas, correndo atrás daquela fonte difícil, de mil personagens, de mil e um depoimentos.
Estou com saudades de escrever puramente de viagens. Na verdade, estou mesmo com saudades de viajar. Como ainda vai demorar um pouco até que possamos sair livres, leves e soltos pelo mundo, o jeito é revisitar escapadas recentes (e comedidas), mas não menos surpreendentes. Então o post de hoje vai ser de viagem, sim! E podem ir anotando a dica num caderninho especial porque já, já – esperemos! – tudo isso vai passar.
Uma coisa que sempre me intrigou é como alguns lugares, por mais incríveis que sejam, acabam designados ao “day use” do turismo. Muitas vezes isso acontece por estarem muito perto de algum destino blockbuster, mas nem sempre isso é denominador comum. Sempre que tenho a oportunidade de conhecer um desses injustiçados eleitos (ou não!), adoro ir contra a maré e ficar. Sem pressa.
Já tinha ido duas vezes a Giverny, onde fica a casa de Monet a cerca de uma hora de Paris, quando decidi passar a noite durante uma viagem à França. Foi mágico. Se às 9h da manhã a vila encantadora e florida já estava lotada, às 19h era pura calmaria. Simplesmente ninguém nas ruas, que viraram praticamente minha ciclovia particular. As flores pareciam mais coloridas, as fachadas mais bonitas, o silêncio… muito mais silencioso. E ainda tinha um restaurante estrelado à espera!
No sul do país, outro desses destinos é Carcassone. Eu nem entendo muito bem o motivo, pois a vila que mais parece cenário de contos de fadas, cercada de muralhas, não é exatamente perto de lugar nenhum (ok, é destino passeio de cruzeiro). Quer Carcassone só para você? Fique, durma, coma um belo cassoulet e desmaie sem culpa na cama mais próxima.
Na última vez que estive na Toscana, fui passar o fim de tarde em San Gimignano, que nunca priorizei muito justamente porque estava sempre lotada e com ares meio de Disney medieval. As lojinhas de comida, de suvenires, os museus de tortura (sempre achei bizarra esta predileção)… tudo parecia maquiado e sem alma. Mas a beleza da cidade e de suas torres, especialmente vista dos arredores cercados de vinhedos, é incontestável. Então foi ficando tarde, eu consegui uma reserva por milagre em um restaurante super concorrido, bebemos uma garrafa de vinho, fomos ficando e… Florença, onde estávamos hospedados, pareceu longe demais. Sucumbimos. Sem roupa, sem escova de dentes, sem desodorante. Passei a amar San Gimignano. Na saída do restaurante já não havia viv’alma. A praça principal tinha uns gatos pingados, a fila da sorveteria que diz servir il miglior gelato del mondo havia desaparecido e a cisterna ao centro reinava soberana. Foi o melhor palco para um cone de pistache que jamais vou esquecer.
Portugal tem destas pérolas também. A mais óbvia? Óbidos. Sou tão insistente que uma vez dormi umas quatro noites seguidas numa casa fofa e minúscula aos pés das muralhas. Amava ver a cidade lotar e esvaziar, lotar e esvaziar, lotar e esvaziar. Mas eu tenho, aqui em terras lusas, uma predileção. Um lugar que sempre me fascinou desde a primeira vez em que lá coloquei os pés. Um cantinho de natureza cheia de personalidade que é tão bonito em dias ensolarados quanto ultra nublados e sombrios (e sendo serra, isso acontece com alguma frequência): Azenhas do Mar.
Azenhas fica na Serra de Sintra, a cerca de 40 minutos de Lisboa e 15 de Sintra. Se resume a um punhado de casas brancas empoleiradas numa falésia desafiando as leis da gravidade. Sempre a vi como o destino de inverno perfeito para uma escritora solitária. A principal atração do vilarejo, além de uma curiosa piscina natural na areia da praia, é o restaurante Piscinas, debruçado sobre ambas. A cataplana de polvo num almoço tardio, escoltada pelo ótimo vinho branco de Colares, é o programa perfeito. As amêijoas, a sapateira, o queijinho de Azeitão e o pesto do couvert, coadjuvantes sob medida.
Voltar para casa depois de tudo isso beira o sacrilégio! Mas eu demorei a saber que poderia me dar ao luxo. E então, no meu último aniversário, rumei para um fim de semana prolongado. Não tinha grandes ambições: reservei o restaurante, a cataplana, o vinho e uma das casas encarapitadas no morro, de porta turquesa. Que surpresa. Cozinhei de ceviche a risoto de limão, andei na chuva, fiquei horas olhando o mar da janela. Ouvi música, acendi a salamandra com lenha, dormi. Tudo muito. Ganhei Azenhas só para mim de presente das minhas quatro décadas e tal.
Anote aí: as Azenhas do Mar West Coast Design and Surf Villas são um emaranhado de casinhas típicas da vila lindas e com vistas sensacionais. Das portas azuis ao frigobar Smeg, do cimento queimado do banheiro às mesinhas providenciais para colocar do lado de fora, é tudo um charme. Como referência, as diárias para duas pessoas custam desde € 145 por duas noites agora em abril.