“Já sabe como funciona a casa?”, perguntam com uma certa dose de impaciência do outro lado da linha quando telefono para fazer a reserva. “É só um menu degustação e não pode mudar nada.” Já acostumada com as doses extras da, digamos, frontalidade europeia , encarei aquela frase como um desafio e segui confiante rumo a Alfama naquela noite de sexta-feira. Ainda bem.
Visto do lado de fora, o número 70B da Rua do Vigário abriga apenas mais uma entre as muitas tascas do bairro mais tradicional da capital portuguesa. Mas basta passar pela porta para perceber que a primeira impressão está longe de ser a última que fica.
Instalado em um antigo açougue (do qual preserva as lindas portas do que imagino ter sido a câmara frigorífica) e minúsculo, o Boi Cavalo é o playground do chef Hugo Brito, onde reinam as desconstruções, espumas e baixas temperaturas. O melhor? O clima despretensioso e o ambiente deliciosamente simples.
Como já estava bem claro desde o telefonema, é o chef quem escolhe os pratos que vai servir ao jantar. Eles podem mudar todos os dias, de acordo com os ingredientes do mercado. A principal característica do menu (€ 40 por pessoa)? A surpresa. Nas texturas, nas temperaturas, nos sabores. Prepare-se para um jantar cheio de atitude.
No dia da minha visita, um delicado escabeche de wakame (um tipo de alga) acomodado em uma casquinha fina e crocante de wonton, uma massinha típica da região do Cantão, na China, abriu os trabalhos. Na sequência foi servido um saboroso filezinho de sarrajão em leite de peixe com uma alface defumada que, perdoem-me a simplicidade, roubou toda a cena.
O jantar teve ainda um saboroso arroz de avelãs, amêijoas e toranja, com espuma de coentros; uma pescada acompanhada de couve-flor fermentada com gel de limão e molho de entranhas de peixe assadas; e gostosas costeletas de coelho com favas e caracóis sobre uma espécie de waffle crocante. A surpresa da noite oferecida pelo chef foi um crème brûlée salgado montado sobre uma base de ruibarbo, com cobertura de pó de gema curada.
Antes que a sobremesa chegasse, foi servido um queijo de cabra escoltado pelo pão de azeite feito na casa, picles de batata doce e mousse de nabo. Veio então a mousse de chocolate Valrhona com massa folhada e a orgia foi encerrada com um nougat de torresmo que me lembrou a Porco Porca da Casa do Porco Bar, do chef Jefferson Rueda, em São Paulo. Delícia.
Quem quiser acompanhar o menu com a harmonização de vinhos paga mais € 25. A carta é enxuta mas tem bons exemplares do Douro. O serviço é bastante variável, mas não chega a afetar a experiência. E do lado de fora ainda tem Alfama em seu melhor para no fim caminhar pelas ruelas calçadas de pedras pelas noites quentes de primavera.
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