Piacere, Itália!

Depois de passar um mês rodando a Toscana, Bárbara Ligero caiu de amores pela terra da bota e se matriculou em um curso de italiano. Atualmente, está aprendendo a gesticular com perfeição
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Depoimentos: como a Itália está lidando com a pandemia

Confinados em suas casas desde 9 de março, os italianos têm feito atitudes solidárias e cantorias nas sacadas, mas a situação está longe de ser cor-de-rosa

Por Bárbara Ligero
Atualizado em 18 mar 2020, 18h51 - Publicado em 18 mar 2020, 15h46

Em 9 de março, um decreto do governo italiano determinou o fechamento de estabelecimentos comerciais, o cancelamento de qualquer tipo de reunião pública e a restrição do direito de ir e vir da sua população. A medida é válida até dia 3 de abril, mas pode ser estendida por mais tempo se as autoridades julgarem necessário. O intuito é frear o surto de coronavírus no país europeu mais afetado por ele: até o dia 17 de março, eram mais de 26 mil casos e mais de 2 500 mortes causadas pela doença na Itália.

Na prática, isso significa que os italianos só podem sair de casa para trabalhar, fazer compras, ir à farmácia, passear com o cachorro ou por alguma emergência justificável. O italiano Luca Landini, por exemplo, mora na cidade toscana de Montecatini Terme e precisou de uma autorização especial para visitar sua mãe idosa, que mora sozinha a dez quilômetros de distância, fraturou uma vértebra e precisa de sua assistência. “Tenho um documento que levo comigo no carro, mas no caminho até a casa dela eu vejo duas ou três pessoas na rua, no máximo. Parece que estamos vivendo num filme, nunca imaginei que presenciaria algo assim”, ele conta.

O cenário se repete mesmo nas regiões da Itália menos afetadas pelo coronavírus. O italiano Francesco Solano, que vive na Sardenha, afirma que a ilha tem pouco mais de cem casos confirmados e relata: “eu, que trabalho em banco, estou indo para o escritório em dias alternados para diminuir a aglomeração de pessoas. Além disso, desde o dia 16 a Sardenha está fechada, de forma que ninguém pode entrar ou sair da ilha”.

Jeitinho italiano

Para controlar o trânsito das pessoas, o governo criou um documento especial, que deve ser carregado consigo a todo momento: “o papel fala onde eu moro, onde eu trabalho e qual é o meu horário de expediente. Se uma autoridade me parar na rua, eu devo mostrar esse documento para justificar o fato de estar fora de casa”, conta Alberto Freijeiro, brasileiro que mora na Itália há 23 anos e reside atualmente na cidade de Bolonha.

Isso não significa, porém, que não existam italianos tentando burlar a regra. “Tem gente que sai para correr no parque, para dar uma volta de bicicleta, o que não deveria acontecer. Além disso, como há menos casos de coronavírus no sul do país, há italianos do norte dando um jeito de fugir para lá. Isso pode ser bastante perigoso porque o sul do país não tem uma estrutura de saúde tão boa”, lamenta Alberto.

Leonardo Morotti, italiano que mora na mesma cidade, concorda que seus conterrâneos tem uma fama justificada de não conseguir seguir as regras. Porém, ele acredita que a pandemia de coronavírus tem mudado aos poucos o pensamento do povo: “a gente sempre foi meio bagunceiro mesmo, mas agora o italiano está percebendo que a situação está feia e todos estão se unindo”.

A brasileira Jéssica Hollaender, que mora na cidadezinha toscana de San Casciano in Val di Pesa, tem uma opinião parecida: “óbvio que os primeiros momentos foram de negação. Mas quando a população tomou consciência da gravidade do coronavírus, o que se deu bastante por conta de decretos nacionais, as pessoas começaram a ter uma reação positiva e passaram a realmente ficar em casa”.

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Cantoria nas varandas e campanhas nas redes sociais

Os italianos que estão de fato respeitando o decreto enfrentam o tédio de passar longas horas sem poder sair de casa. Beatrice Pippi, que mora na cidade toscana de Montecarlo, relata: “é muito difícil porque os dias são longos e chatos. Como não estamos acostumados com tanto tempo livre, acabamos ficando sem saber o que fazer”. Já Luca Landini conta que está aproveitando o período para fazer coisas que ele sempre adiava, como lavar as cortinas.

E há também quem saia na varanda para cantar e interagir à distância com os vizinhos. “Isso está acontecendo todos os dias às 18h, mais ou menos”, conta Leonardo Morotti. Vídeos que viralizaram na internet mostram as pessoas cantando músicas tradicionais italianas, dançando, tocando instrumentos musicais, batendo panelas e até aplaudindo os profissionais de saúde que estão na linha de frente no combate ao coronavírus. De certa forma, as imagens mostram a resiliência e o bom humor de uma nação que está enfrentando sua pior emergência nacional desde a Segunda Guerra Mundial.

Nas redes sociais, os feeds trazem mensagens encorajadoras, vídeos sentimentais e também bem-humorados. Uma imagem que circulou amplamente no sábado (14) mostrava uma enfermeira “ninando” a península italiana nos braços. Também surgiram as hashtags “Tutto andrà bene” (tudo ficará bem), “Fermiamolo insieme” (paramos ele, o vírus, juntos) e “Io resto a casa” (eu fico em casa), que também estão se transformando em bandeiras colocadas nos portões e nas janelas das casas.

Coronavírus na Itália
Italianos estão pendurando cartazes que dizem “vai ficar tudo bem” como forma de manter o otimismo (Jéssica Hollaender/Arquivo pessoal)

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Soluções na crise econômica

É claro que o surto de coronavírus também está impactando a economia. O chef Leonardo Morotti, italiano que vive em Bolonha, estava prestes a abrir uma loja de massas frescas quando a doença começou a assolar o país. A solução foi fazer uma inauguração silenciosa do estabelecimento e começar a vender os tortellini, típicos da cidade, por delivery, que, por mais incrível que pareça para nós brasileiros, ainda não é um serviço muito difundido na Itália.

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“Do ponto de vista do empreendedor, a situação na Itália está bem complicada. Só podem ficar abertos estabelecimentos de primeira necessidade, como supermercados, lojas de alimentos e farmácias. Estou abrindo minha loja de massas frescas, mas só deixo entrar um cliente por vez e atendo usando máscara e luvas, até por uma questão psicológica: as pessoas estão muito assustadas. Também estou fazendo entregas à domicílio, o que tem ajudado bastante, e o marketing passou a ser 100% online”, ele conta.

Bolonha, Itália
A produção de tortellini continua a todo vapor, só que as entregas agora são por delivery (Leonardo Morotti/Arquivo pessoal)

Já a brasileira Jéssica Hollaender, que trabalha em uma vinícola na região do Chianti, conta que estabelecimentos agrícolas receberam autorização para continuar trabalhando, já que se trata de uma atividade ao ar livre e essencial para a população: “é claro que nós interrompemos as visitas e as degustações na vinícola, mas também nos reinventamos e agora estamos fazendo entregas de queijos e vinhos, além de continuar cuidando dos vinhedos.”

Ela ressalta ainda que o governo está incentivando as pessoas a comprarem de pequenos produtores, já que serão eles os mais afetados pela crise. Além disso, essa é uma forma de evitar os supermercados, que geralmente têm maior aglomeração de pessoas.

Gestos de solidariedade e união na prática

Com o país completamente vazio de turistas, os hotéis e os imóveis que eram destinados a aluguel de temporada ganharam um novo uso: acomodar profissionais de saúde. O prefeito de Florença, Dario Nardella, contou em suas redes sociais que muitos hotéis e proprietários estão cedendo quartos para médicos e enfermeiros que moram longe do seu local de trabalho. Assim, eles não precisam se deslocar tanto e, consequentemente, a possibilidade de espalharem o vírus é menor.

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A relação entre os prefeitos das cidades italianas e os seus cidadãos é outra coisa que mudou em tempos de coronavírus. Para a brasileira Jéssica Hollaender, que mora no país há seis anos, a comunicação está muito mais direta: os políticos publicam posts diários contando como está a situação da cidade e pedindo o apoio de seus eleitores.

Também partiu das prefeituras a iniciativa de reunir voluntários para levar compras na casa das pessoas que estão no grupo de risco, que são principalmente os idosos. “Eu estou participando do projeto e levei compras para uma vizinha que mora na minha frente, que já é de idade. Estou falando para todo mundo da minha zona que me disponibilizo a fazer isso. Assim, menos pessoas saem de casa”, relata Jéssica.

Coronavírus na Itália
O cartão indica que o cidadão se voluntaria a levar compras na casa de pessoas que estão no grupo de risco (Jéssica Hollaender/Arquivo pessoal)

Outro exemplo é da toscana Beatrice Pippi, que dá aulas de ginástica em uma academia da cidade de Montecarlo. Com o estabelecimento fechado, ela gravou vídeos ensinando os movimentos e postou tudo no Facebook, para que os alunos possam continuar se exercitando de casa.

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Manter-se ativo é importante quando se está confinado em casa por tanto tempo. Preocupados com a saúde mental dos italianos, um grupo de psicólogos e psiquiatras estão oferecendo atendimento gratuito por Skype, iniciativa que foi batizada de “Diamoci una mano”. O termo significa “vamos te dar uma mão”, coisa que, pelo menos até o decreto terminar em 3 de abril, é impossível no campo físico.

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