Filho, desde quando você existe a coisa que mais gosto é estar com você. Ironicamente, a segunda coisa que mais gosto é estar sem você. A mãe que não admite essa máxima, está mentindo.
Eu assumo a exaustão que é criar um ser humano de sete anos cheio de energia e, tem mais, acho que todas a mães sentem isso, mas a culpa e a vergonha não nos deixam assumir nem em pensamento, muito menos publicamente. Bom, aqui vou eu.
Pra piorar, tenho (tinha, acho) dificuldade em receber ajuda e era o tipo de mãe que dizia: “Meu filho nunca vai ficar em monitoria de hotel, quero aproveitar cada minuto da viagem com ele, blá, blá, blá”. E foi com esta crença que chegamos ao Clara Resorts ao anoitecer de uma sexta-feira friazinha, logo depois de um pôr do sol de cair o queixo.
O Clara Resorts é uma estrutura hoteleira de alto padrão que cobre uns 3 quilômetros de margem da represa de Itupararanga, em Ibiúna, a 72 quilômetros de São Paulo. O lugar guarda nada menos que o heliponto mais badalado da região, tem um sem-fim de atividades, o que inclui a monitoria infantil mais queridinha de sua categoria, e um atendimento de tirar o chapéu, mesmo se junto com você houver uma centena ou mais de outros hóspedes. Minha meta era clara: fazer nada.
Fomos recebidos por um monitor animadão! Repito: animadão mesmo. Ele se apresentou cantarolando. Internamente revirei os olhos me perguntando se tinha feito a escolha certa. Nem me dei conta que aquela recepção tão calorosa tinha te impressionado e te acolhido de uma maneira que a maioria dos adultos (no caso, eu) não consegue alcançar.
Fomos direto pro quarto, não precisava fazer check-in, aleluia. E que quarto! Era bem grande, decoração de bom gosto, varanda, duas camas e banheiro com banheira. Claramente um quarto pra uma família de quatro pessoas. Éramos dois, cada um com uma cama imensa pra chamar de sua! E deixaram uma garrafa de espumante com um cartão com nossos nomes, achei hilário! Eu, recém-divorciada, considerei a possibilidade de tomar a garrafa toda num gole só, mas claro que desisti.
Em vez disso fomos pra brinquedoteca. Boa, variada, lúdica. O brinquedão é muito legal e tem jogos, material pra desenho, fantasias. Agradeci à nossa senhora das mães cansadas, peguei o kindle e me joguei em um dos pufes. A ideia era deixar você brincar até cansar enquanto eu (adivinha?), descansava. O plano durou… cinco minutos? Dez? Não sei, foi rápido. Você queria brincar co-mi-go. Eu não sei brincar, filho. Eu nem gosto de brincar. Eu compenso em outras coisas, menos brincar. Mentalmente parafraseei o Scar, do Rei Leão: “Perdoe-me por não pular de alegria, as minhas costas doem”. E como doem. Não teve leitura. Brinquei – e como brinquei.
Corta a cena e vamos direto pro jantar.
Você estava eufórico, não queria comer. Eu só queria passar no bufê quinze vezes, pulando as ilhas de saladas e pratos fit e simplesmente me afundar num mar de carboidratos, gorduras, carnes, peixes e açúcar. O restaurante do Clara (somos íntimos desde então) é um parque de diversões da comilança de alto padrão. Morria ali um preconceito contra a gastronomia em massa das hospedagens grandes, os caras arrasam na logística toda, qualidade, variedade, temperatura e a-ten-di-men-to! Eles entenderam o significado desta palavra. Também achei louvável eles comprarem verduras e legumes orgânicos de produtores locais. E, olha, eu nunca tinha me hospedado em um lugar onde os funcionários pudessem expressar quem eles são, seja o gênero, a raça ou a religião. Isso deveria ser algo básico a essa altura, mas a gente sabe que não é. Vi gente com turbante afro, hijabe, cabelo black power e do espectro LGBTQIA+ quase inteiro. Você me conhece, filho, eu converso com muita gente e faço amigos em um segundo. Diversidade foi o que eu mais vi e foi lindo – é esse o mundo que eu quero que você habite. Àquela altura, considerei a possibilidade de vender tudo e mudar pra lá.
Mas o melhor estava por vir. Do nada apareceu um moço e se apresentou como Tio Linguini. Ele era da monitoria, um pesadelo para uma mãe muito protetora de primeiro e único filho. Veio o convite para uma atividade noturna. Você pulou da cadeira e nem olhou para trás. Aliás, olhou para me mandar beijos sobre o ombro. Juro, parecia que eu estava te mandando pra faculdade em outro país, mas você estava só indo pro kids club específico da tua idade.
Os monitores me prometeram que eu seria achada caso fosse necessário e que os grupos são cercados de monitores por todos os lados pra que nenhuma criança escape.
Enfim, eu estava num lugar gostoso, sozinha, com meus livros e comida, um tipo de céu materno.
Você me contou que as atividades eram incríveis e eu acredito em você. A verdade é que eu não estava lá. Sabe por quê? Eu queria fazer o mínimo possível. Enquanto você fazia canoagem, eu fazia massagem no spa by L’Occitane, saí de lá escorregando em verbena, meu aroma preferido. Fazer caça noturna ao tesouro deve ser ótimo, mas eu estava na varandona do quarto de pernas pro ar tomando meu espumante e vendo a lua cheia espelhada nas águas da represa, o mesmo lugar onde vi o sol nascer no dia seguinte.
Você andou por boa parte do hotel, um lugar que tem mais coisas pra fazer do que um ser humano sedentário dá conta: canoagem, stand up paddle, passeio de lancha, arco e flecha, quadriciclo, escalada, beach tênis, bike, arvorismo, wakeboard, wakesurf, eFoil e mais um monte de coisas que me cansa só de escrever.
Pra você teve tirolesa, escorregador gigante, histórias com personagens escondidos no mato, coelhos e pássaros. Me contentei em ver meus pés pro ar na piscina que mais gostei, coberta, quentinha, com jacuzzi e aquela iluminação gostosinha que sussurra: relaxa, mana. Almoçamos juntos, você foi bem rápido, eu continuei a refeição me afundando nas mini sobremesas recém saídas da confeitaria a lá Willy Wonka, depois pedi uma bebida e fui tomar sol na beira da piscina bem pertinho da represa. Fiquei sabendo que após o almoço vocês foram ver uma casa de bonecas, que tinha até banheiro de verdade. Eu estava fazendo minha siesta enrolada em lençóis de centenas de fios.
Admito que tirei um tempinho pra te seguir escondida só pra conferir, vai que você sente saudades da mamãe. Não sentiu.
Nestas idas e vindas, tivemos nosso tempo para passear juntos explorando a Península, um anexo criado em 2018 onde estão as 57 suítes mais deslumbrantes do resort e as duas presidenciais com lareira, jacuzzi, cozinha, sala de estar e jantar. Enfim, uma casa. Neste mesmo anexo, tem uma área para eventos, um complexo de piscinas, bar, um baita restaurante e boliche. Um resort dentro do resort. Te cansei até o último segundo levando em shows noturnos onde você dançou loucamente em frente ao palco. Não tivemos forças pra jogar boliche, mas retornamos de dia para um programinha mais light: almoço com feijoada, sambão de primeira e piscina.
Em outro visitamos a hípica para andar a cavalo. Bonitos, lustrosos. Me senti num episódio de Zoe e Haven no meio do milharal! Achei que você ia amar, mas você apenas disse que “só queria sobreviver”. Cavalos? Nunca mais.
Ah, pra não falar que não teve perrengue, perdi a paz com o sumiço do Minion de roupa azul. Na recepção pediram pra mostrar como era e você tinha um clone dele, só que de roupa verde. No dia seguinte, o Minion Azul apareceu, você acredita em tamanha sorte? Tudo bem que você achou o tom da roupa do boneco meio diferente, mas a moça da recepção me deu uma piscada marota – ela foi uma gênia – e eu reforcei: “É ele sim, certeza”.
Na hora de ir embora, você abraçou todos os monitores como velhos amigos, os caras não ganharam fama no mundo do entretenimento infantil hoteleiro à toa! O chororô mesmo foi quando você se despediu do Tio Linguini, que virou tio Linguiça. Justo, quem ousaria não achar ele o cara mais legal do mundo? A pessoa teria que estar morta por dentro.
Quando voltamos pra casa, o tio Linguiça apareceu nos teus agradecimentos de boa noite: “Papai do céu, agradeço pelo tio Linguiça e espero que a gente se veja de novo”. Eu também filho, eu também. Volta e meia ele ainda aparece nas minhas orações. “Obrigada, tio Linguini, essa mãe aqui descansou de verdade”.
Da minha parte, só sei que foi a experiência que faltava pra eu entender, de uma vez por todas, que às vezes o que uma mãe precisa é de um monitor de resort para ficar bem, para que o filho também fique bem.
Te amo, menininho. Prometo que a gente ainda vai viver muitas aventuras juntos, separados ou meio a meio.
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