Lembro do fascínio que senti quando estive pela primeira vez nas Ramblas de Barcelona, em 1997. Os artistas, as bancas de flores, o teatro Liceu, o painel do Miró, os palacetes seculares, gente do mundo todo… Mais de 20 anos depois daquele primeiro encontro, este fim de semana caminhei por ali com um grande aperto no coração e a sensação de estar em um parque temático abandonado.
Comentei sobre a decadência do cartão postal de Barcelona no meu Instagram (@drisetti) e muita gente quis saber: afinal de contas, o que acontece com as Ramblas? Então vamos lá…
Os lindos palacetes seculares continuam lá, é claro. Mas, ao longo das últimas décadas, praticamente tudo o que os cerca entrou em decadência. Fazer qualquer refeição nas Ramblas é garantia de pagar caro (às vezes, muito caro) e comer mal. Grande parte do comércio é feita de lojinhas de suvenir de qualidade sofrível. Máfias de todos os tipos atuam da região: de batedores de carteira, de clonadores de cartão de crédito, de traficantes, de cafetões que exploram prostitutas em situação vulnerável… Isso sem falar na sujeira, nos ambulantes vendendo produtos falsificados, nas atrações pega-turista, nos golpistas de todos os tipos.
Por essas e outras, há tempos que o calçadão que liga a Plaça Catalunya ao mar vem sendo motivo de debate por aqui. Para boa parte dos moradores da cidade, e para a prefeitura de Barcelona, as Ramblas são o ícone de um modelo de turismo que precisa ser revisto. Lançado em 2016, um grande plano de reforma tinha como objetivo tornar a vitrine mais internacional da capital catalã um calçadão mais confortável e amável para os turistas, além de um lugar viável para se viver. O projeto previa que as obras começariam entre o final de 2019 e o começo de 2020. Então veio a pandemia.
A crise provocada pelo coronavírus não só adiou a solução como agravou o problema. Segundo a associação Amics de la Rambla, entre 60% e 70% dos restaurantes, lojas, hotéis e atrações do calçadão estão fechados, muitos deles definitivamente. Sem os turistas comendo paella congelada, os terraços de alguns restaurantes viraram abrigo para moradores de rua. O cheiro de xixi (e de outras coisas) em alguns pontos é fortíssimo. Cartazes de “vende-se” e “aluga-se” estão por todos os lados. No último sábado, um dia gostoso e ensolarado, o secular Café de l’Opera era praticamente o único aberto na região central das Ramblas. Em sua fachada, um painel digital contabiliza: “1710 dias esperando a reforma da Rambla!”.
Ao que tudo indica, os moradores e empresários da região ainda terão que esperar. Na semana passada, a prefeitura anunciou que ainda não há data prevista para o início das obras e que, em tempos de crise sanitária e econômica, a reforma deixou de ser uma prioridade.