Imagem Blog Achados Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Como é o Enigma, o magnificente restaurante de Albert Adrià

O jantar de 5 horas no restaurante do chef catalão tem lista de espera de 4 meses, copos difíceis, pratos metálicos e tomate na decoração

Por Adriana Setti
Atualizado em 17 mar 2021, 13h00 - Publicado em 21 jul 2017, 11h47
Albert Adrià (no centro) concentradíssimo na cozinha do Enigma - o seu novo restaurante (se é que pode ser chamado de restaurante) em Barcelona (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Primeira etapa, no ryokan: chá de hibisco com cristal de yuzu (fruta cítrica asiática) e um diminuto morango desidratado a partir da liofilização (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Poltroninhas de resina em formatos insólitos (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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O teto é uma doidera (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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A parte da bodega vista do ryokan (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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A bodega, onde são servidos os primeiros coquetéis e alguns snacks (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Na bodega, os snacks vêm à mesa sobre nuvens metálicas (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Coquetel na placa de Petri para testar a sua coordenação motora (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Mais um copo desafiador (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Alguns dos bocados servidos com os coquetéis (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Oliver Peña e Guilherme Furtano (à direita) concentradíssimos no teppanyaki (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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A parte mais gostosa da refeição sendo preparada (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Canelone de blini com queijo e ovas de salmão (morri) (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Um tomate sobre a mesa. E só. (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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A delicadeza comovente da sobremesa (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Etapa final: uma releitura do antigo 41 Grados (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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41 Grados: a coquetelaria reencarnou (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Precisão cirúrgica no preparo dos coquetéis (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Com os últimos drinques, os quitutes continuam surgindo (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Etapa final da maratona etílica (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

Vocês ainda ouvirão muito falar deste restaurante. Ele provavelmente estará na lista The World’s 50 Best Restaurants do ano que vem – e chegará ao topo em poucos anos. Ganhará estrelas Michelin e, inevitavelmente, influenciará cozinheiros (e arquitetos) ao redor do planeta. Recentemente, ganhou o prêmio Rookie Macarfi como o melhor novo restaurante de Barcelona em 2017. E muitos virão. Albert Adrià, um dos cozinheiros mais geniais da atualidade, não dá ponto sem nó – e Enigma é o grande desafio da sua vida.

Sim, ele é irmão de Ferran Adrià. Mas há tempos isso deixou de defini-lo. Desde que os dois encerraram as atividades no mítico elBulli, em 2011, o primogênito foi tratar de assuntos altamente complexos na sua elBulliFoundation enquanto Albert, o caçula, ergueu um império gastronômico à sua medida. Enigma é a joia da coroa do projeto elBarri (“o bairro”, em catalão), que tem outros cinco restaurantes concentrados em um raio 500 metros entre os distritos de Sant Antoni e Poble Sec — incluindo o bar de tapas Tickets, o nipo-peruano Pakta e o mexicano Hoja Santa, premiados com uma estrela Michelin.

“É uma experiência tão difícil de explicar que só poderia se chamar Enigma”, disse Albert. Para entrar no restaurante (na falta de uma palavra mais apropriada para defini-lo), é preciso digitar a senha recebida com a confirmação da reserva. Comigo não funcionou. Mas logo apareceu uma mocinha envolta em um uniforme metálico assimétrico para abrir a pesada porta de vidro, que dá acesso a um corredor que poderia muito ser o planeta Krypton de Supermen II.

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A primeira escala dessa viagem intergaláctica é uma versão futurista de um ryokan (pousada japonesa). Sentada em uma poltrona de resina com um formato insólito, provei um chá de hibisco com cristal de yuzu (fruta cítrica asiática) e um diminuto morango desidratado a partir da liofilização, técnica utilizada para produzir comida de astronauta. Era apenas o começo de um jantar que durou mais de CINCO horas, passando por vários espaços e quase 50 snacks, pratinhos e coquetéis (a certa altura, perdi as contas).

Ferran Adrià definiu bem qual é a pegada do lugar: “uma mudança de paradigma através da revolução no espaço”, me disse em uma entrevista recente. O ambiciosíssimo projeto é assinado pelo escritório RCR, de Barcelona, vendedor do prêmio Pritzker, o Nobel da arquitetura, em 2017. Apenas. O colosso ocupa uma área de 500 metros quadrados. Apesar de gigantesco, tem capacidade para apenas 24 comensais por turno – atendidos por 30 funcionários.

Separados por lâminas de vidro que pendem de uma nuvem metálica de cores mutantes, como uma tempestade congelada, vários ambientes apartados formam um labirinto diante da cozinha aberta. O processo de montagem disso tudo foi um verdadeiro parto. Quando entrevistei Albert pela primeira vez, em maio de 2016, a previsão era abrir o restaurante em julho do ano passado. Naquela época, ele vivia um drama com a instalação do piso, que não tinha dado certo. Depois de um atraso desesperador, um baita prejuízo (a equipe do antigo 41o foi mantida ao longo de mais de dois anos após o fechamento do restaurante, para ser “aproveitada” em Enigma) e muitas outras aventuras, o restaurante só inaugurou em janeiro deste ano. O custo? 22 milhões de euros. Clique aqui para ver fotos espetaculares do projeto.

Os comensais chegam em horários escalonados, para que nunca haja mais de seis pessoas na mesma parte da jornada. Depois de passar pelo ryokan, nos deslocamos até a cave. Ok, é para ser diferente, mas senti falta de cadeiras nessa etapa. Em pé, degustamos os primeiros snacks: cubinho de alga nori com caviar, tortinha de trufa negra, nigiri de lula de consistência cremosa. Segundo Albert, essa é aparte mais parecida com o elBulli. Aqui tem início, também, a bebelância: dois coquetéis suaves à base de vinho de Jerez, os primeiros de uma senhora odisseia etílica à qual devo grande parte da graça do jantar. Entre um e outro, lubrifico a garganta com goles da água de chuva da Patagônia da marca Mawün.

A saga continua com um rasante no balcão comandado pelo bar manager Marc Álvarez – onde continuamos em pé. Com barba frondosa e a precisão cirúrgica, ele finaliza o primeiro coquetel fincando uma lâmina de gelo em uma placa de Petri que desafia a minha coordenação motora (metade do líquido acaba na mesa). Menos mal que o segundo drinque, um mae thae, vem em forma de bombom. Na sequência, mais um copo requer doses malabarismo. Raso e com haste finíssima, precisa ser sustentado entre dois dedos, como um cigarro, para que o transcendental kumquat (cítrico japonês) com gengibre salpicado de gotas de azeite de café não tenha um final trágico. Para acompanhar, docinhos (um deles em forma de pérola) e uma ostra, além de outros quitutes que parecem joias, apresentados sobre pequenas nuvens metálicas. Wow.

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Já contabilizamos cinco coquetéis quando nos sentamos (finalmente!) diante do glorioso teppanyaki, onde encontro o chef da casa, o pilhadíssimo Oliver Peña, trabalhando ao lado do brasileiro Guilherme Furtado, que mora em Barcelona há quatro anos e já passou por todos os restaurantes de elBarri. Os dois elaboram a sequência mais gulosa da noitada. Caso Albert decida abrir uma casa apenas de teppanyaki, será uma coisa de louco. Menção honrosa ao extrator de fumaça: o mais eficiente que já vi.

Nessa parte, o primeiro bocado foi um omelete “efêmero” de trufas e um canelone de blini com queijo e ovas de salmão – quase chorei. A cavala aparece marinada em kombu (tipo de alga) e também em um suave escabeche de açafrão, abrindo alas para o pepino do mar com pil pil de jamón ibérico. O golpe de misericórdia vem na forma de um camarão no molho de sua própria cabeça – espremida ao vivo com um enigmático aparato japonês encontrado em um antigo depósito do elBulli, para o qual Oliver tratou de dar utilidade. O festim é embalado por um matador sakê Yoshida Shuzo de 1994. E eu definitivamente começo a ficar meio zureta.

Mudamos de cenário, novamente. Apenas um tomate raf (!) decora a mesa de formas irregulares do espaço que mais se parece a um restaurante convencional. Nada de toalha de mesa, milhares de talheres ou muita formalidade. Ali tem início um jogo invertido, no qual os pratos são servidos sem explicações, para que o cliente seja desafiado a reconhecer os ingredientes. Consigo detectar as rapas de ouriço aplicadas sobre uma finíssima camada de filé de Wagyu. Mas sou ludibriada por uma espuma de kimchi, que acompanha um farto pedaço de foie gras salpicado com discretas esferas de tapioca. Impossível não identificar o tucupi, mas mastigo desavisada o adereço que o acompanha, sobre nhoque de abobora: formiga! “Vieram de contrabando do Brasil! Comprei de uma senhora que tinha acabado de chegar da selva”, conta Albert (ele esteve no país em outubro do ano passado para participar do evento Mesa SP). E dá-lhe uma sequência de vinhos matadora para acompanhar tudo isso.

Albert já foi considerado o melhor pâtissier do mundo. A sobremesa, portanto, gerava altas expectativas. Com doses muito moderadas de açúcar, foram servidas várias pecinhas frágeis e impactantes em idênticas proporções. Exemplo: um “bombom” é apenas uma pincelada cremosa sobre um prato branco e um folhado de batata, com camadas de curvas que flutuam sobre bolinhas de sorvete de “café branco” e baunilha. O responsável pelo espetáculo é o garoto prodígio Jordi Saavedra, que já trabalhou para chefs como Martin Berasategui e Heston Blumenthal.

Não termina por aí. A etapa final da odisseia é a coquetelaria, uma reprodução do antigo 41o, anexa ao laboratório onde Albert materializa o seu processo de criação. O lugar tem jeitão de speakeasy e os coquetéis são escolhidos a la carte. Inacreditavelmente, os petit fours continuam brotando como pop-ups – me derreto pela lâmina de maçã com curry vermelho, ervas tailandesas e coco. E fico definitivamente bêbada.

*Visitei o restaurante em janeiro, pouco depois da sua abertura. Então é muito provável que os pratos já tenham mudado (mesmo porque eles variam de acordo com os produtos de temporada).

Como reservar o jantar no Enigma – e quanto custa uma noitada aqui

Para reservar, é preciso comprar um “tíquete” de €100, que é abatido da conta final. Todas as reservas são feitas através do site. Obviamente, é difícil conseguir lugar. O jeito é entrar diariamente no sistema, que disponibiliza quatro meses a contar da data atual, e tentar a sorte. Também é possível deixar o nome em lista e rezar por uma desistência de última hora.

Menu degustação: € 220 por pessoa – inclui água sem gás, café e pequenos coquetéis

Seleção de bebidas: € 90 – inclui sakê e quatro tipos de vinho. Recomendo essa opção apenas para os fortes, porque os coquetéis já incluídos no menu garantem uma boa dose alcóolica à experiência (e você certamente vai querer tomar mais alguns na coquetelaria no final).

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