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Amazônia: cruzeiro com todo conforto e nenhum perrengue

A viagem a bordo do Belo Shabono prevê atividades na natureza, visita a uma comunidade indígena e lençóis de fios egípcios no final do dia

Por Fernando Victorino
Atualizado em 9 abr 2024, 15h22 - Publicado em 15 jul 2022, 10h39

A ideia de viajar pela Amazônia pode trazer à tona preocupações clássicas de quem é mais afeito ao asfalto do que à floresta. A principal delas talvez seja o pavor dos mosquitos, dentre uma generosa lista de perrengues presentes no imaginário do viajante que escolhe trocar a cidade pela selva. Essa visão pré-concebida cai por terra (ou por água, melhor dizendo) em um cruzeiro fluvial a bordo do Belo Shabono. Desde o fim de 2021, o barco navega o Rio Negro em viagens de charme, com conforto e sem perder o lado peculiar da visita a um dos ecossistemas mais importantes do mundo. Atividades na natureza e encontros com ribeirinhos e uma comunidade indígena fazem parte dos roteiros, que variam de uma a cinco noites (diárias a partir de R$ 1.604 por pessoa com pensão completa). Voltado exclusivamente a viagens de grupos privados, o barco exige mínimo de cinco passageiros, e no máximo 10, a cada saída de Manaus.

As atividades

O cruzeiro fluvial a partir da capital do Amazonas segue em direção ao Arquipélago de Anavilhanas. À medida em que os sinais de urbanismo ficam para trás, a natureza assume todo o campo de visão. A câmera do smartphone até registra, mas não traduz em imagem aquilo que se sente.

Não é preciso nenhuma dose extra de coragem para se jogar nas atividades programadas conforme o número de dias de travessia. Em uma das paradas, pranchas de stand up paddle e caiaques estão à disposição de quem deseja cruzar a distância que separa o barco da Praia Grande, faixa de areia fina e branca que surge na beira do Rio Negro na época da seca, entre maio e setembro. Nela, é montado uma espécie de “beach club” com espreguiçadeira, guarda-sol e bebidas geladas para o conforto dos viajantes.

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O mergulho na água cor de chá mate é, ao mesmo tempo, excitante e assustador. Dá para sentir a sutil correnteza querendo que você volte a Manaus antes da hora. No rio que se une ao barrento Solimões para formar o grande Amazonas, os mosquitos não se proliferam por causa do pH ácido. Fora desse cenário, na mata, o uso de repelente é tão essencial como se você estivesse na paulista Ilhabela ou na baiana Trancoso. Protetor solar é igualmente indispensável. Hidratação, também.

É fato que nenhum turista escapa do clima quente e úmido, característico da Amazônia o ano todo. A roupa cola no corpo durante a trilha na floresta. E na visita à aldeia Cipiá você inveja muito a escassez de vestes dos indígenas. Mas a máxima concessão que o seu pudor de homem branco permite é receber na pele alva as pinturas típicas da comunidade. Sob a sombra da oca, homens, mulheres e crianças dançam ao som de instrumentos produzidos por eles mesmos, em um ritual de boas-vindas. À base de tintas naturais, telas com grafismos característicos de diferentes etnias ganham o status de obra de arte, com o valor de venda revertido inteiramente ao autor. Colares, anéis e outros itens de artesanato também podem ser adquiridos.

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Diante do Lago Acajatuba, a comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro também está aberta à visitação, que serviu de cenário para a novela A Força do Querer, em 2017. Dos tempos da fictícia Parazinho ficaram o nome da trama de Glória Perez escrito na placa de um bar e um painel com fotos de globais na entrada da loja de artesanato.

O passeio pela vila serve também para conhecer iniciativas sustentáveis e ações de conservação da natureza local, como o trabalho de preservação de quelônios de água doce. Sob a supervisão do líder da comunidade, cada visitante é convidado a enterrar em um ninho cercado alguns ovos de tracajá, uma espécie de cágado com manchas amarelas na cabeça. Maneira encontrada pelo projeto para evitar a extinção da espécie, vítima de predadores naturais e vendida como iguaria para o consumo humano – o hábito ancestral é mantido em algumas partes da região Norte, apesar dos esforços de fiscalização e controle de órgãos ambientais.

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A relação homem x natureza é um ponto sensível quando o assunto é o turismo na Amazônia. Há defensores de que a interação com animais se limite a vê-los em seu habitat, sem contato, e há quem ache que a interação seria uma forma de sensibilizar as pessoas para a preservação. A experiência com o boto cor de rosa é atividade presente em todos os programas do Belo Shabono, mas é sempre feita com orientação de um instrutor e consiste em ver os animais com uma máscara de mergulho e eventualmente acariciá-los.

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O barco

A bordo do cruzeiro, a percepção da fauna e da flora é única por conta das características da embarcação. Construído todo em madeira, ao estilo regional, o Belo Shabono oferece ampla visão ao redor em seus dois pisos. Na parte baixa, além da mesa de refeições e da cabine de comando, ficam ainda três boxes com chuveiro quente de um lado e igual número de cabines com sanitários em frente, além de dois lavatórios externos e uma cozinha de apoio.

Belo Shabono, Amazônia, Brasil
Os chuveiros compartilhados. (Belo Shabono/Divulgação)

Todos os pratos servidos são preparados em um barco-restaurante, que, juntamente com um par de canoas motorizadas, formam o time de apoio e logística nas viagens. Com pensão completa, a jornada tem todas as refeições feitas a bordo. Baseado na culinária regional, o cardápio se funde a sabores de outras cozinhas, como se vê no cruzamento entre tambaqui, um dos típicos peixes amazônicos; arroz negro, originário da Ásia; e tartare de banana pacovan, versão tropical e vegana para essa criação de raízes bárbaras. Sucos naturais – entre eles o de taperebá (cajá, em outras partes do Brasil) – estão entre as opções de bebidas incluídas, bem como água e refrigerante. Das alcoólicas, só as cervejas da marca Cerpa não são pagas à parte. Uma adega portátil atende a quem não abre mão de um vinho ou espumante. E alguns coquetéis também podem ser preparados.

Belo Shabono, Amazônia, Brasil
O cardápio a bordo é baseado na culinária regional. (Belo Shabono/Divulgação)

Duas escadas levam à parte de cima, onde durante o dia funciona uma grande área de convivência. Caixa de som, um baú com jogos de tabuleiro e uma pequena biblioteca garantem o entretenimento. O sinal de celular desaparece tão logo o barco deixa o porto, contribuindo para o fluxo de conversas entre os viajantes. Como parte da política de sustentabilidade do barco, o uso de plástico é zero. O algodão das redes de descanso é orgânico.

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Belo Shabono, Amazônia, Brasil
Redes montadas no deque superior durante o dia… (Belo Shabono/Divulgação)
Shobono
…que depois vira um dormitório com roupa de cama de fios egípcios. (Fernando Victorino/Arquivo pessoal)

É uma das maneiras de se dormir no barco, que até tem uma única suíte fechada, com duas camas de solteiro e ar condicionado. Porém, uma das experiências mais interessantes é pernoitar na parte superior, ao ar livre, onde a maioria dorme. Após o jantar, a tripulação transforma os sofás do lounge em confortáveis camas, envolvidas por lençóis egípcios de 300 fios imaculadamente brancos e edredons. As camas ficam lado a lado, sem divisórias. Um glamping flutuante sobre as águas do Rio Negro. 

Belo Shabono, Amazônia, Brasil
As suítes fechadas têm duas camas de solteiro e ar condicionado. (Belo Shabono/Divulgação)

Quando o motor do barco é desligado e a última luz se apaga, estrelas se avolumam na mais completa escuridão. Sons de sapos e aves são detectáveis até mesmo para gente da cidade grande. Por toda a madrugada, a respiração dos botos ao redor do barco não cessa. Pulsão de vida que parece sintetizar uma viagem guiada por todos os sentidos.

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