Imagem Blog Além-mar Rachel Verano rodou o mundo, mas foi por Portugal que essa mineira caiu de amores e lá se vão, entre idas e vindas, quase dez anos. Do Algarve a Trás-os-Montes, aqui ela esquadrinha as descobertas pelo país que escolheu para chamar de seu
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Onde jantar em Lisboa: a saborosa invasão dos italianos

Raridade há até poucos anos, as casas especializadas em boas massas, risotos e quetais trouxeram o melhor do mundo da comfort food para a capital portuguesa

Por Rachel Verano
Atualizado em 6 mar 2020, 12h44 - Publicado em 25 jan 2020, 15h00
A massa à bolonhesa do Caffè di Marzano: tão simples, tão bom (Bruno Barata/Reprodução)

Nós, brasileiros, somos mesmo um povo sortudo à mesa. Graças ao nosso histórico de imigração num passado relativamente recente, crescemos achando normal comer comida libanesa num dia, armena no outro, grega aqui e ali, um bom bacalhau como só na Terrinha, uma paella digna de Espanha, um japa que não faria feio em Tóquio… A italiana, então, é praticamente sinônimo de comida de dia a dia, no melhor dos sentidos: preparamos em casa com maestria, fazemos filas na porta dos melhores restaurantes, não passamos um único domingo sem macarronada ou pizza. 

O quintal do Memoria: oásis em pleno Campo de Ourique (Bruno Barata/Reprodução)

Mas basta sair do Brasil para nos depararmos com uma realidade diferente. Regra geral, na Espanha a cozinha é espanhola, na Grécia a cozinha é grega, no Japão a cozinha é japonesa, na Itália é italiana e aqui em Portugal… é portuguesa, claro. Longe de mim reclamar das altas e macias postas de bacalhau, dos polvos feitos à perfeição no carvão, das amêijoas, alheiras e açordas. Pelo contrário, sou adepta de privilegiar sempre a comida típica e amo muito tudo isso – tanto que quase não sinto falta de otras cositas más. Quase. Porque descobrir que o país está se abrindo com comiseração e sem exageros aos sabores do mundo tem sido uma delícia.

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Papparedelle com ragu de coelho do Memoria: massa feita in loco (Bruno Barata/Reprodução)

Eu já falei aqui do SUD, em Belém, que tem menu de sotaque italiano e recebe remessas semanais de burrata fresquíssima diretamente da região da Campanha. Também já contei da proliferação de pizzarias com massa de fermentação lenta e toppings de qualidade – adoro a Zero Zero e a In Bocca al Lupo. Ainda não tive a oportunidade de conhecer o Fiametta, mix de empório e restaurante no Campo de Ourique, mas está no topo da minha lista. Mas nos últimos dias fui desbravar dois recantos que me fizeram sentir em casa e entender que a tendência, aparentemente, chegou para ficar. 

Detalhe da mesa no Memoria: comfort food nível máximo (Bruno Barata/Reprodução)

O primeiro deles foi o Memoria, que ocupa uma casinha simpática de porta e janelas vermelhas no número 26A da Rua 4 da Infantaria, no Campo de Ourique. A melhor surpresa fica nos fundos: um quintal delicioso, com direito a árvore, muro de pedra e mesinhas ao ar livre (devidamente aquecidas no inverno). Todas as massas são feitas artesanalmente in loco: seja para os pratos da seção de “pasta fresca”, seja para as pizzas assadas em forno a lenha. 

Ravióli com castanhas, alho-poró e queijo fontina: lascas de trufa por cima (Bruno Barata/Reprodução)

Para começar, há queijos e frios vindos diretamente da Itália: presunto cru San Danielle com cura de 14 meses (€ 10), mortadela de Bolonha com trufa (€ 10), taleggio (€ 8), stracciatella (€ 14), parmigiano reggiano (€ 10)… De entrada, a burrata é servida com um gostoso pesto caseiro (€ 13) e os frutos do mar vão ao forno com uma cobertura de massa leve, tipo pão, que é quebrada à mesa (€ 14). No fim, uma massa de ovos cozida na hora desembarca para ser misturada ao molho do fundo. Uma agradável surpresa que não aparece no cardápio!

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Entre as massas, destaque para o pappardelle ao ragu de coelho, cozido lentamente (€ 14), e o ravióli com castanhas, queijo fontina e alho-poró, coroado com lascas de trufas negras (€ 17). Mesas grandes têm um alento: receitas fartas servidas em travessas, oficialmente para três pessoas (extra-oficialmente para quatro). Entre as opções, linguini nero com frutos do mar (€ 38) e espaguete com tomate e burrata (€ 35).

A lista de pizzas inclui da clássica margherita à quatro queijos, passando por combinações como burrata e presunto cru ou pancetta, abóbora e ricota. Não provei desta vez, mas os valores variam dos € 9 aos € 14. Para encerrar, o tiramisù (€ 5) é servido diretamente da travessa com uma grande colherada. E viva a grande famiglia!

O ambiente do Caffè di Marzano: moderninho, com clima de bar à noite (Bruno Barata/Reprodução)

Já no Chiado, em pleno Largo Bordalo Pinheiro, a outra descoberta tem mais ares de bar do que de restaurante. E, de fato, é uma ode aos típicos cafés italianos, com perfis distintos ao longo do dia. Inaugurado no final do ano, o Caffè di Marzano serve panquecas, ovos e bowls de manhã, acompanhados de um belo espresso, per favore (de 8h às 12h); massas e pequenos pratos na hora do almoço (12h às 16h); e se transforma em uma baladinha à noite (16h à meia-noite). 

Barman do Caffè di Marzano em ação: bons drinques (Bruno Barata/Reprodução)

Chegamos às 21h, e as mesas já estavam animadas ao som de clássicos da disco music. O pequeno mezanino é uma graça, e descortina a pracinha em frente através da imensa fachada de vidro. Para abrir os trabalhos, o simpático Nelson nos recomendou o Moot William Hinton, um delicioso vermute bianco da Madeira (€ 5), e um Negroni (€ 8). Na sequência, passamos para o vinho  e as comidinhas do menu. A tábua de queijos e frios pode ser montada com um ingrediente (€ 4) ou três (€ 10,50). O taleggio e o presunto cru – minha obsessão – estavam ótimos, mas o gorgonzola brilhou na companhia da noz pecan.

A “pizzeta” de funghi e speck: surpreendentemente boa (e crocante!) (Bruno Barata/Reprodução)

Os pratos são simples e, por isso mesmo, uma delícia. O espaguete à bolonhesa (€ 7,50) estava no ponto, e o molho com pedacinhos de cenoura me lembrou a infância. Depois de saber que o forno era elétrico, não botei muita fé na pizza, mas resolvi arriscar a de funghi e speck (€ 7,50) – que foi uma agradável surpresa. As massas (bio e levíssimas) vêm de bicicleta da vizinha e irmã Valdo Gatti. O grand finale foi o mesmo: tiramisù (€ 3,50).

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O bar visto do mezanino: para embalar a noite (Bruno Barata/Reprodução)

Em ambos os casos, vale dizer, não estamos falando de alta gastronomia ou de cozinhas tradicionalíssimas e fiéis da boa e vecchia Itália. São endereços gostosos e, acima de tudo, despretensiosos. Assim como o risoto na casa do amigo ou a pizza do domingo, que deixam o programa sempre com gosto de quero mais.

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