Imagem Blog Achados Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Sobre bolhas de viagem e o encolhimento do mundo

"Corredores de turismo" devem permitir a circulação de viajantes entre países onde a pandemia de covid-19 está controlada

Por Adriana Setti
Atualizado em 13 Maio 2020, 19h15 - Publicado em 13 Maio 2020, 12h04
A imponente igreja de São Olavo vista de um dos muitos lugares encantadores de Tallin, na Estônia
Recanto em Talin, na Estônia, que fará parte de uma "bolha" com a Lituânia e a Letônia (Stanley Chen Xi/Getty Images)
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Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena parabolicamará

A estrofe da música Parabolicamara, de Gilberto Gil, foi o tema da minha redação no vestibular da FUVEST. No saudoso ano de 1994, tínhamos a sensação de que nossos horizontes ganhavam amplitude, graças a novidades como internet e TV a cabo. Mas nem tudo girava na esfera virtual. Com o Plano Real, viajar ao exterior também começava a ser palpável para um maior número de brasileiros. Dólar a R (e até menos!). Fomos felizes.

Antes longe era distante
Perto, só quando dava
Quando muito, ali defronte
E o horizonte acabava
Hoje lá trás dos montes, den de casa, camará
Ê, volta do mundo, camará
Ê-ê, mundo dá volta, camará

Em plena pandemia de coronavírus, 26 anos depois, volto a escrever sobre a letra de Gil, com a impressão de que o mundo voltou a encolher (o valor da nossa moeda então…). Boa parte dos países do mundo estão com suas fronteiras fechadas e a criação de “bolhas de viagem” (travel bubbles, em inglês), ou “corredores turísticos”, vem sendo apontada como uma saída – pelo menos a curto prazo.

Os primeiros a cogitar a criação desse tipo de “panelinha” foram a Austrália e a Nova Zelândia, países nos quais a pandemia de covid-19 vem dando sinais de estar sob controle. A fusão dos dois irmãos da Oceania em uma “bolha de viagem” ainda não está confirmada. Mas, ao que tudo indica, pode acontecer a partir de agosto. A medida permitiria aos aussies aproveitar a temporada de esqui neozelandesa, enquanto os kiwis poderiam dar um tempo do inverno nas praias australianas – até lá, as fronteiras devem permanecer fechadas.

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A bolha na Europa

Dentro do Espaço Schengen (acordo que permitia a livre circulação de pessoas entre 26 estados), há 17 países com as fronteiras parcial ou totalmente fechadas atualmente. Vendo o cenário melhorar em seu quintal, no entanto, as nações europeias também começam a ensaiar a criação de patotas para evitar um verão monoglota. A medida serviria para reativar o sofrido setor do turismo no Velho Continente (que representa 10% do PIB da União Europeia).

Em um documento divulgado hoje, a Comissão Europeia recomenda que as fronteiras sejam abertas em três fases, com cada membro da UE dando preferência a outros que tenham um “perfil similar de risco”. Ou seja, que se permita a entrada e saída de viajantes procedentes ou com destino a países que se encontrem em uma mesma fase epidemiológica. O texto destaca que o levantamento dos controles não deve limitar-se à proximidade geográfica. Ou seja, não é necessário que os territórios estejam lado a lado para que se forme uma “bolha”.

Os amiguinhos do Báltico (Letônia, Estônia e Lituânia) foram os primeiros em anunciar que devem brincar entre eles, já a partir de 15 de maio. Áustria e Alemanha, companheiros velhos de guerra, também planejam começar sua ciranda-cirandinha em 15 de junho, talvez chamando a coleguinha República Tcheca para entrar na roda. De olho no dinheiro germânico, a Grécia também vem jogando charme para Angela Merkel, assim como os governos regionais das ilhas espanholas (Baleares e Canárias). Aqui na Espanha, porém, as fronteiras devem permanecer fechadas até o fim do processo de desconfinamento, que deve se prolongar até, pelo menos, o final de junho.

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Para estabelecer quais países estão na mesma “fase”, devem ser levados em conta quesitos como porcentagem de novos contágios, vagas em UTIs, capacidade de aplicar testes e rastrear contatos de pessoas infectadas, entre outros indicadores. Se já está sendo bastante difícil unificar os critérios para estabelecer uma classificação por províncias dentro da Espanha – onde o desconfinamento por “fases” passou a vigorar há duas semanas – fazer isso a nível europeu será infinitamente mais complicado.

Todo cuidado será pouco para evitar conflitos, em uma Europa que já anda mal das pernas em termos de união e entendimento. Estarão em jogo a dosagem das liberdades individuais, o nível de transparência de cada governo, entre muitos outros fatores. Enquanto as bolhas se formam, pretendo aproveitar o próximo verão para curtir Barcelona com menos turistas. Já está de bom tamanho.

 

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