48 horas no Vale do Loire
Castelos e palácios em um roteiro rodoviário pelo coração da França
Se nos arredores de Paris estão dois dos mais belos palácios da Europa, o benchmark, ultra-copiado e invejado Versalhes e o não menos suntuoso Fontainebleau, não longe dali está um vale inteiro salpicado de castelos dos sonhos, com jardins de insensata simetria e cômodos saturados de mármore, ouro e obras de arte. O Vale do Loire era uma espécie de jardim de reis e aristocratas da corte, que aqui davam vazão a seus sonhos e, por vezes, ideias bizarras. Ao longo do maior rio da França estão châteaux que são o ponto alto da Renascença Francesa, vinhedos a perder de vista e o verdadeiro cinturão verde do país, onde se colhem frutas, legumes e frutas saborosíssimos que darão origem a criações culinárias extraordinárias.
Nossas 48 Horas no Vale do Loire são mais uma extravagância que um roteiro rodoviário a ser seguido à risca. Porém, nada impede que ele seja completado sem grandes correrias com um carro alugado, a forma mais prática para fazer sua viagem pela região.
A primeira dica para conseguir isso é não entrar em todos os castelos. O motivo é que, passado o êxtase das primeiras visitas, todos os palácios ficarão meio parecidos. É algo como tentar conhecer todas as igrejas barrocas entre Ouro Preto e Sabará em uma só viagem. No final, todas parecerão iguais. Em Villandry, por exemplo, atenha-se aos jardins, enquanto que em Chenonceau os olhos deverão estar voltados à sua singular arquitetura.
A segunda sugestão é ficar cerca de duas horas em cada grande atração. Longe do tempo ideal, não deixa de ser suficiente para absorver a história de cada local. No entanto, se quiser dedicar um pouco mais de tempo a alguma delas, Chambord e Amboise-Clos Lucé merecem uma esticada.
Isto posto, pé na estrada.
Dia 1 (Paris-Chartres-Orléans-Chambord-Blois)
Saia bem cedo de Paris e pegue a autoestrada A11 rumo a Chartres (90 km de distância, 1h40 de viagem). Apesar da atmosfera simpática, com escadarias e muros com ar medieval, a razão para estarmos aqui é uma só: a Catedral de Chartres. A mais elegante joia gótica da França apresenta dois campanários elegantemente desiguais, pináculos que dominam todo o entorno. Sob a fachada de talha românica está o primeiro vitral a impressionar o visitante, a enorme rosa flamejante do século 13. No total, são 76 conjuntos policromáticos.
De Chartres, siga para Orléans (76 km, 1h30 de viagem). A cidade guarda fortes conexões com Joana d’Arc, que rompeu o cerco inglês à cidade em 1429. Depois de conduzir o delfim ao trono francês, foi capturada pelos britânicos e queimada viva como bruxa em 1431. Quinhentos anos mais tarde, seria canonizada pela igreja católica. Há uma estátua equestre dela na Place du Martroi, mas a nossa passagem aqui se resumirá a uma parada para o almoço. Coma algo leve, faça a digestão e volte ao carro.
Vamos conhecer agora nosso primeiro castelo do trajeto, Château de Chambord (48 km, 1 hora). E não é qualquer um, mas o mais imponente de todos. Antigo pavilhão de caça do rei Francisco I, ele é um elaborado projeto arquitetônico, com alas e salões majestosos. Embora muitos destaquem sua interessante escada central (onde duas pessoas, subindo ou descendo ao mesmo tempo, podem se encontrar somente no topo ou no térreo), a marca registrada do conjunto é seu recortado telhado, com torres, chaminés e torretas apontando para o céu.
Fique aqui até a hora de fechamento (18 horas no verão, 17 horas nas demais estações), tentando aproveitar também a agradável área verde que cerca o château.
Encerrado o expediente, passemos a noite em Blois, uma cidade repleta de ruas íngremes e estreitas, ladeadas por edifícios históricos. No jantar, experimente vinhos espumantes ou do vale com peixinhos fritos. Uma boa casa é o Au Rendezvous de Pêcheurs (27, Rue de Foix, 33(2)5474-6748; www.rendezvousdespecheurs.com)
Clos-Lucé, Amboise, Vale do Loire, França
O parque junto ao palacete de Clos Lucé é pontilhado de reproduções de obras de Leonardo da Vinci. Crédito: Sam Nimitz/Creative Commons
Dia 2 (Blois-Amboise-Chenonceau-Villandry-Tours)
Prontos para continuar a viagem? O dia será recheado com um castelo de rainhas, a última casa de um mestre universal e o mais belo jardim de toda região. Mas, antes de mais nada, faça um belo café da manhã, experimentando duas especialidades da confeitaria local: o gâteau pithiviers (uma torta de massa folhada e amêndoas) e o tarte tatin, a famosa torta de maçã caramelizada. Agora sim podemos voltar à estrada.
Amboise, a primeira parada, fica a 36 quilômetros de Blois, uma curta viagem de 45 minutos. Enquanto a maior parte dos châteaux do Loire é mais palácio que castelo, Amboise possui uma atmosfera um tanto mais bélica. Sua entrada protegida e as ameias à distância de um tiro de arco do rio dão o devido tom defensivo ao lugar. Foi aqui que o rei Francisco I (ele, de novo) instalou o gênio renascentista Leonardo da Vinci, que para cá trouxe a Mona Lisa (daí a razão dela estar no Louvre). No palacete de Clos Lucé, aqui perto, onde ele passou os últimos anos de sua vida, está um pequeno museu dedicado a ele, com maquetes e projetos, além de um interessante parque público.
Faça um almoço (ou lanche rápido) por aqui. No centrinho há vários restaurantes, lanchonetes e quiosques onde você achará de uma baguete com queijo de cabra a refeições mais completas (tente um sandre au berre blanc, um peixe de rio ao molho de manteiga).
Próximo a Amboise está um dos mais curiosos castelos da região, o Château de Chenonceau (16 km, 30 minutos). Diz-se que ele foi construído por mulheres e para mulheres. Seu percurso são só fatos: a primeira titular da casa foi Catherine Briçonnet, no início do século 16. Anos mais tarde, quem entrou em campo foi a amante do rei Henrique II, Diana de Poitiers, que encomendou uma ponte sobre o rio Cher para facilitar suas saídas para cavalgadas. Quando o monarca morreu, a enfurecida rainha Catarina de Médicis despejou a pobre caçadora. A mais famosa da propriedade, A galeria dupla sobre a ponte é a característica mais marcante da propriedade, mas não a única. Aparentemente, as únicas coisas que esposa e amante fizeram complementarmente foram os magníficos jardins, esplendidamente esparramados sobre a margem norte do rio.
Mas não nos demoremos muito por entre estas sebes e desenhos verdes formais, pois o mais formoso jardim do Vale do Loire está no Château de Villandry (55 km de distância, 50 minutos). Num amplo emaranhado de hortaliças, flores e cerca vivas descortinam-se surpreendentes desenhos geométricos. A simetria toma conta de boa parte do terreno, dividido em três terraços. No canto sudoeste está o famoso labirinto verde que agrada tanto às crianças.
Com o fim do dia chegando, vamos tomar um bom vinho branco do Loire, fresco e leve, em Tours (17 km, 30 minutos). Ele cai perfeito no acompanhamento de mariscos ou o salmão à l’oseille, um molho de azedinha. Se preferir algo mais encorpado, fique entre enguias ao vinho tinto ou os rillons de tours, pedacinhos fritos de carne de porco que servem de base para alguns pratos (ou serem apreciados assim mesmo).
Rillons do Vale do Loire, França
Torta preta guarnecida por cozido de feijão branco e rillons, carne de porco frita na própria banha. Crédito: avlxyz/Creative Commons
Se tiver dias extras…
Faça o trajeto acima em um passo menos acelerado. Daí, cumpra um jogo de ligar pontos indo até outros châteaux interessantes. Chinon, Saumur, Azay-le-Rideau e Angers – onde há uma belíssima tapeçaria – guardam cada qual uma característica marcante. Se quiser uma experiência mais singular, hospede-se em um palácio transformado em hotel.