Salta e Jujuy: vinhos, folclore e os cenários de outro mundo
Formações geológicas milenares fazem das regiões, no extremo norte da Argentina, grandes forças da natureza
A paisagem do norte da Argentina está bem mais ligada à de seus vizinhos andinos – Bolívia, Chile e Peru – do que com o restante do país. Vejamos. Deserto de sal à la Uyuni? Tem. Ruínas incas? Também tem. Estradas inóspitas que poderiam estar no Deserto do Atacama? Aos montes. Mal-estar por causa da altitude? Bem comum – e dá-lhe chá de coca. O norte é onde a herança indígena no país é mais forte e as comunidades tradicionais resistem e persistem para manter seus costumes.
Para explorar a região, o melhor é começar por Salta, que recebe voos diretos de Buenos Aires. Conhecida como La Linda, a cidade é a sétima mais populosa da Argentina e guarda mui lindos exemplares de arquitetura colonial. A praça central está rodeada de restaurantes, bares e construções históricas, como a catedral, o Museu de Arte Contemporânea e o imperdível Museu de Arqueologia de Alta Montaña. Ali são exibidas bem conservadas múmias de três crianças, descobertas em 1999 no alto do Vulcão Llullaillaco, com mais de 500 anos e que, na época, teriam sido oferecidas em sacrifício.
Em Salta, a dica é esta: passar o dia na Praça 9 de Julio e à noite caminhar pela Calle La Balcarce, logo ao lado. A rua concentra bons restaurantes e alguma vida noturna. Se preferir algo mais típico, nada melhor do que ir em busca de uma peña, apresentações musicais de folclore, um dos gêneros mais tradicionais da cultura andina. La Casona del Molino, que ocupa uma construção do século 15, recebe diariamente apresentações em que o público se envolve, canta e dança. Vale aproveitar sua estada na cidade e comer as salteñas, empanadas cada vez mais populares no Brasil, e também o locro, um tipo de feijoada que leva cortes menos nobres, mas, no lugar do feijão, entram abóbora, fava, batata e milho.
Nas quebradas
A Ruta 68, rodovia que corre paralela ao caminho Inca, é atração imperdível para quem está em Salta. São 190 quilômetros até a cidade de Cafayate. A distância nem é tanta, mas é desejável que o trajeto leve horas: impossível não se apaixonar pelo caminho. O hit é a Quebrada de las Conchas, a 90 quilômetros de Salta, em Valles Calchaquíes. As quebradas são resultado da ação da chuva e do vento que por milhares de anos esculpiram as rochas, dando a elas formações inusitadas. Duas delas merecem atenção: o Anfiteatro, uma gigante concha acústica natural, e a Garganta del Diablo, um cânion muito estreito e imponente. Mais adiante, à altura do km 62, caso você encontre turistas fazendo selfie em frente a uma ponte de pouco apelo, pra não dizer nenhum, certamente foi porque eles assistiram ao filme argentino Relatos Selvagens. O episódio em que dois sujeitos se digladiam até seus carros despencarem por uma das laterais da Ponte Morales foi inteiro rodado ali.
Não há em toda a Argentina lugar melhor para vinhos brancos como Cafayate. A área se destaca, sobretudo, no cultivo da uva torronté. As bodegas mais celebradas são a Porvenir, a San Pedro de Yacochuya, a Colomé, a Etchart e a Casa de la Bodega.
Próximo a Cafayate, há outros tesouros esculpidos pela natureza. Em direção ao simpático e pequenino vilarejo de Cachí, a Ruta 40 guarda 20 quilômetros de uma paisagem surpreendente. A partir do km 4380, surgem rochas pontiagudas, muitas inclinadas, de quase 20 metros de altura, conhecidas como Quebrada de las Flechas. A parada em Cachí vale para quem está viajando em ritmo lento: vila calma, com ampla oferta de trilhas e um museu arqueológico.
Uyuni reloaded
Seguindo para o norte de Salta, já na província de Jujuy, a Quebrada de Humahuaca guarda a cidadela Tilcara e as ruínas de Pucará, fortaleza construída, provavelmente no século 12, pelo povo Tilcara a uma altitude de 2.400 metros. O que existe atualmente é uma reconstrução da original, e a visita pode ser feita sem guias. Por lá ficam ainda as Salinas Grandes, um deserto de sal relativamente pequeno se comparado ao boliviano Uyuni, mas quebra um galhão. No verão, com as chuvas, formam-se espelhos-d’água iguaizinhos aos de seu congênere boliviano. Fique atento aos guanacos, bonitinhos animais da família das lhamas.
O lugar mais bacana para curtir a província de Jujuy é Purmamarca, um vilarejo calmo à noite e agitado durante o dia quando turistas em excursões vêm até ali para comprar artesanatos, beber vinhos locais e fotografar o impressionante Cerro Siete Colores. A superfície dessa montanha parece ter sido pintada com as cores do arco-íris, mas é obra da natureza, resultado de sedimentações marinhas, lacustres e fluviais, que levaram milhões de anos. O melhor ponto de visualização é o mirante localizado na Ruta 52, bem em frente à entrada da vila. É recomendável pernoitar lá e fazer o passeio bem cedo pela manhã, quando os raios de sol intensificam as cores, e percorrer a trilha de três quilômetros que leva à base da montanha.
Turismo comunitário
O norte da Argentina pode ficar ainda mais lado B. Nos arredores de Salta, foi criada uma rede de turismo comunitário coordenada pela agência Origins. A rede compreende 12 comunidades pelos Valles Calchaquíes, envolvendo cerca de 40 famílias descendentes dos povos pré-colombianos. A proposta é imersão: conhecer a região conduzido por algum morador e dormir na casa deles. Para se adequar aos gostos de cada turista, os roteiros são personalizados e podem durar até sete dias; optamos pelo de três.
Saindo de Salta, um guia nos levou em carro próprio até a comunidade de Curralito, na linda região de Los Colorados, onde realizamos a primeira atividade: uma cavalgada sobre a terra vermelha durante o pôr do sol até chegar ao Morro El Zorrito. No segundo dia, em El Divisadero, outro cenário bacana: um guia leva para um trekking de seis horas pelo Rio Colorado que termina em um mirante em frente a uma cachoeira.
No último dia em El Barrial, um dos mais tradicionais povoados saltenhos, conhecemos o artesanato de Dolly Graña, vasos com desenhos dos povos tradicionais, e também a música indígena. É uma viagem para fugir do óbvio e mergulhar em uma Argentina profunda.
Trem das nuvens
O nome Tren a las Nubes não surgiu à toa. Trata-se de um dos roteiros ferroviários mais altos do mundo em que os vagões da locomotiva chegam a atingir 4.200 metros de altitude. A linha foi criada para levar e trazer cobre entre Salta e Antofagasta, no Chile, mas hoje carrega apenas turistas a salgados AR$ 6.800. A viagem acontece às terças, quintas e sábados, com saídas às 7h e às 12h. O trem cruza 29 pontes, 21 túneis, 13 viadutos e faz várias paradas para fotos e atividades. O retorno a Salta é de ônibus.
QUANDO IR
Primavera e outono são as melhores épocas para fugir ou do calor ou do extremo frio em Salta e Jujuy, que têm sua melhor época entre maio e setembro. Evite o verão, que pode ser muito chuvoso.
ONDE FICAR
Em Salta, o Legado Mítico e o Balcón de la Plaza são butique. Em Cafayate, o Grace organiza tours por seus vinhedos e jantares românticos. O Casa de la Bodega organiza degustação de torrontés. Em San Sebastián de Jujuy, o melhor é o Howard Johnson Plaza. Em Pumamarca, a Huaira Huasi fica a apenas a 60 quilômetros das minas de sal. O Reposo del Diablo e o Manantial del Silencio são boas opções próximas à Tilcara.
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