Se você chegou até aqui por meio do Guia de Lima, reparou que lá a parte gastronômica se limitou aos bares e terraços (ou rooftops). A gastronomia da capital do Peru merecia um capítulo exclusivo, tamanha a variedade e notoriedade que ganhou na última década. Mas caso você esteja chegando aqui sem escalas, ao final clique no Guia de Lima para conhecer os encantos da cidade, que são muitos e justificam uma estada de no mínimo três dias – antes ou depois de Machu Picchu. |
Resido na capital peruana há mais de cinco anos e nesse tempo pude frequentar dezenas de restaurantes, da cozinha do dia a dia frequentada pelos limenhos aos premiados pelo World’s 50 Best (a capital tem hoje 4 endereços entre os 50 melhores do mundo – incluindo o número 1, o Central – um feito que nenhuma outra cidade do planeta conseguiu alcançar).
Lima é sinônimo de ceviche, mas não só. Cada região do país desenvolveu sua própria culinária. Tem a comida de la costa, da sierra (Andes) e da selva (Amazônia). A imigração também produziu novas cozinhas como a criolla (influência da colonização espanhola e o tráfico de escravos), a chifa (com os chineses) e a nikkei (com os japoneses).
Em meio a tantas influências, existe um denominador comum: o ají, a pimenta peruana. Mas não existe apenas um tipo, mas centenas de variedades. O ají limo, um dos mais conhecidos, é usado no ceviche e, sim, arde bastante (ou pica mucho, como dizem aqui), mas também perfuma o prato. Se preferir, peça ao garçom que prepare sin picante ou con poco picante.
Já o ají amarillo e o ají panca não ardem e são usados em uma infinidade de pratos. Não precisa se assustar se topar com eles no cardápio.
A seguir, você vai ver um dossiê com 42 casas no total, de restaurantes a sorveterias passando por chocolaterias e comida de rua que eu venho frequentando ao longo dos anos. E também dois ranking muito especiais: 5 ceviches imperdíveis e 10 pratos que valem a viagem a Lima.
O primeiro mandamento do prato mais famoso do Peru é: quanto mais fresco, melhor. O segundo mandamento, o tipo de peixe escolhido, é o que define o sabor e a textura. Vale pagar mais pelos mais nobres, como linguado, corvina e mero.
Um bom ceviche se faz com bastante leche de tigre, um molho feito com caldo de peixe, cebola roxa, limão e ají limo, mas há diversas outras variações da receita. Os mais populares são o ceviche carretillero (com lula à milanesa), o mixto (com peixes e mariscos) e o de conchas negras (considerado uma iguaria).
Comida de la costa
A comida marinha segue com o tiradito (peixe cru em lâminas com limão e ají), sudado (peixe ensopado), arroz com mariscos e o chicharrón (peixes ou mariscos à milanesa).
Em Miraflores, peça seu ceviche sem medo de ser feliz no La Mar, restaurante do chef mais famoso do Peru, Gastón Acurio, e no El Mercado, do chef Rafael Osterling. Espere pratos bem executados, preços altos, boa ambientação e descontração.
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Não perca o La Picantería, em Surquillo, um bairro vizinho a Miraflores que viveu anos de decadência e está se renovando como polo gastronômico. Os peixes ficam expostos em um bloco de gelo apenas com a cabeça de fora, como se fossem troféus. O cliente paga pelo peso e a cozinha se encarrega de usar todas as partes (da cabeça à cauda) em diversos preparos: ceviche, ensopado, assado na brasa e outros preparos muito típicos como o aguadito e o jaladito (veja fotos na galeria abaixo). O restaurante não trabalha com reservas, confira os horários e chegue cedo.
Já o Piedra Cocina Libre, também em Surquillo e aberto em 2023, não tem menu. Quem dita os pratos é o mar. O chef Sebastián Vega serve o que há de mais fresco em preparações diferentes todos os dias, elaboradas com técnica de quem passou por casas como o Astrid & Gastón e o Lasarte, um três-estrelas Michelin que fica em Barcelona. Da cozinha, saem ceviche de linguado com polvo e vieiras salteadas na manteiga. O banquete, com até oito pratos, custa em torno de 130 soles (consulte aqui o câmbio do dia)**. Somente com reserva.
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Ainda em Surquillo, o La Capitana é um hit entre os foodies de Lima com vinis tocando salsa das antigas. Experimente o famoso ceviche apaltado (foto abaixo), que leva abacate e alcaparras e vem acompanhado de patacones (banana amassada e frita, influência amazônica). O prato foi eleito o melhor de Lima em um concurso local.
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Para comer se sentindo em casa, vá ao Canta Rana, em Barranco, que tem cara de boteco brasileiro: serviço simples, comida boa, cerveja gelada e temática de futebol. Alternativas mais econômicas, o Punto Azul e o Segundo Muelle têm várias unidades em Lima.
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Localizado na orla e famoso pelo porto, o bairro de Chorrillos tem huariques interessantes – que é como os peruanos chamam os restaurantes familiares, low profile e famosos pelo boca a boca. O Sonia nasceu nos anos 1980 do amor entre uma cozinheira e um pescador e segue fazendo sucesso entre os limenhos até hoje. Peça o mushiame de atum (peixe salgado e curtido em azeite de oliva, preparado como se fosse um jamón espanhol).
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Já no El Huarique de los Cuchitos, ainda em Chorillos, a estrela é Cucho La Rosa, um cozinheiro que ficou famoso décadas atrás por suas receitas na TV. Don Cucho adora bater papo com os clientes enquanto prepara seu famoso ceviche em frente a uma janela criada especialmente para que o público aprecie o espetáculo. Peça o arroz com mariscos ou o arroz com camarões jumbo (fotos abaixo) – inesquecíveis. Atendimento somente com reserva.
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CINCO CEVICHES IMPERDÍVEIS EM LIMA
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Comida criolla
Os melhores lugares para experimentar os pratos encorpados da cozinha criolla são as tabernas, restaurantes com ambiente descontraído onde se come e bebe com o mesmo entusiasmo. Espere receitas tradicionais, sabor caseiro e boa coquetelaria.
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Para provar clássicos como o ají de gallina e o lomo saltado, vá às tabernas Isolina, com unidades em Barranco e Surco; El Bodegón, em Miraflores, e Cumpa, em Surquillo. Outra pedida é o restaurante José Antonio, com ambiente mais clássico e que tem unidades em San Isidro e San Borja – esta última é a mais ampla e interessante, instalada em um casarão colonial.
Comida andina e amazônica
A culinária andina é marcada por grãos como a quinoa, inúmeras variedades de batata (no Peru crescem mais de 4 mil tipos) e carnes de cordeiro e cuy, o porquinho-da-índia. Os preparos abarcam técnicas ancestrais, como a pachamanca, uma receita que envolve cozimento com pedras quentes embaixo da terra.
Não é fácil encontrar restaurantes desse tipo em Lima. Um dos poucos representantes é o Huancahuasi. São quatro unidades – a da avenida Javier Prado é a maior e mais interessante.
Amada pelos peruanos, a comida amazônica é caracterizada pelo uso da banana e da cecina, uma carne de porco seca e defumada. Com várias unidades na cidade, o El Aguajal é uma boa opção, principalmente a unidade do bairro San Borja.
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Comida nikkei e chifa
Fruto da fusão da culinária chinesa com a peruana, os restaurantes chifa são uma obsessão nacional. Os mais tradicionais são o Chung Yion Unión, em Barranco, e o San Joy Lao, no Barrio Chino. No Titi, em San Isidro, o mais celebrado e elegante da categoria, paga-se mais.
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Já a fusão japonesa-peruana, a chamada cozinha nikkei, só caiu de vez no gosto local há poucos anos. Seguindo a filosofia dos maiores chefs do país, o Shizen, em San Isidro, tem apostado em produtos sazonais e sustentáveis, além de investir em pesquisa e viagens de estudo. O resultado na mesa é uma jornada ao Japão com escalas no Peru, um deleite. Experimente o ceviche chirashi, com sashimi, polvo, arroz de sushi, ají amarillo e creme de batata doce (foto abaixo).
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Alta cozinha peruana
Para quem gosta de pratos bem executados, mas não abre mão de comfort food, o endereço é o Cosme, em San Isidro, perfeito para paladares pouco acostumados à profusão de ajíes. O mais pedido é a molleja emparrillada (moela de vitela na brasa), que se desmancha na boca. A crema volteada (pudim) é uma das melhores sobremesas da cidade.
No Siete, em Barranco, o ambiente é casual e a comida, atrevida. Com a bagagem de quem passou pelo Central, o atual melhor restaurante do mundo, o chef Ricardo Martins mistura Peru, Ásia e Mediterrâneo. Músico e antropólogo, ele está sempre criando collabs com outros chefs e promovendo pocket shows – de jazz a Joy Division, passando pela música peruana – que embalam as refeições.
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Quando já tiver comido ceviche suficiente, corra para o Alado, em San Isidro, onde os protagonistas são o fogo e a brasa. Carnes e mariscos são preparados no forno à carvão Josper, um dos mais cobiçados e caros do mundo. No menu, quase tudo passa por ele – até as sobremesas.
DEZ PRATOS QUE VALEM A VIAGEM A LIMA
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Cozinhas estreladas
Para conhecer o Central, alçado a melhor restaurante do mundo em 2023 pelo 50 Best, e o Maido, eleito no mesmo ano melhor restaurante da América Latina também pelo 50 Best e sexto melhor do mundo, faça reserva com ao menos dois meses de antecedência. Se não conseguir, tente a lista de espera online.
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No Central, em Barranco, o menu do chef Virgilio Martínez é uma viagem por diferentes altitudes do Peru e parte de 1260 soles. Já no Maido, em Miraflores, o chef Mitsuharu Tsumura combina técnicas japonesas com insumos peruanos (nikkei). A experiência sai a partir de 649 soles (menu vegetariano) ou 899 (com carne). Confira nesta outra reportagem como foi comer no Maido.
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Também no topo do ranking estão o Kjolle (7º da América Latina e 28º no mundo pelo ranking do 50 Best), da chef Pia León, que comandou o Central por anos e é casada com Virgilio Martinez, e o Mayta (10º da América Latina e 47º do mundo). Os dois oferecem serviço à la carte e menu degustação. No Kjolle, que fica ao lado do Central, em Barranco, o jantar custa a partir de 988 soles. No Mayta, em Miraflores, sai por 845 soles.
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Amado pelos foodies locais e estrangeiros, o Mérito, em Barranco, está em 13º da América Latina e em 59º lugar no ranking mundial. Comandado pelo venezuelano Juan Luis Martínez, a cozinha tem influência latina. As tostadas acevichadas e a panceta glaceada com yacón, um tubérculo andino doce, são os hits do menu.
Lanches e comida de rua
Fartos, os sanduíches peruanos podem servir como uma refeição. Prove os clássicos pan con chicharrón (panceta de porco e batata doce frita) e butifarra (presunto artesanal) nas redes La Lucha e El Chinito.
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Para comida de rua, vá à Alameda Chabuca Granda, no Centro de Lima, onde estão organizados carrinhos com petiscos como anticucho (churrasquinho de coração de vaca) e sobremesas como os picarones (bolinhos de batata doce e abóbora banhados em calda).
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Se quiser se recuperar de uma noitada ou dar uma folga para o estômago depois de tanto ají, vá ao Siete Sopas, que serve uma receita diferente a cada dia da semana. O restaurante tem sete unidades em Lima – a da Avenida Angamos, em Surquillo, funciona 24 horas.
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Cafés e doces
O Peru tem uma produção importante de cafés de especialidade e chocolates finos. Para experimentar os dois, vá ao Ciclos Café e ao El Cacao Tal, que funcionam juntos em Barranco e fazem uma ótima curadoria de produtos. É possível fazer degustações (com reserva prévia).
A Alanya, com unidades em Barranco e Surco, já levou prêmios de melhor cafeteria e melhor confeitaria de Lima. A especialidade são os croissants – há mais de 20 tipos. Para pães artesanais, vá ao El Pan de la Chola, com unidades em Miraflores (a mais interessante), San Isidro, Surco e La Molina.
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Não saia do Peru sem experimentar alguma sobremesa com lúcuma, uma fruta de polpa aveludada. Resolva isso em uma das 16 lojas da Maria Almenara ou na Dolce Capriccio, em Miraflores. E se o tempo pedir um sorvete, os melhores estão na Blu, no Helado de Lima, na La Latteria e na Cremeria Toscana.
** Cotação: R$ 1 = 0,75 nuevo sol (em 16/01/2023); consulte a cotação do dia
Para saber mais sobre Lima, siga a autora da reportagem em @angelicanoperu
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