San Diego é o eldorado de brasileiros na Califórnia
A cidade sinônimo de praia tem outros ingredientes naturais, históricos e culturais, com um apimentado toque mexicano
Nem San Francisco, nem Santa Bárbara, nem Santa Monica. A cidade que melhor materializa o sonho de viver a vida sobre as ondas na Califórnia é San Diego, não por acaso um dos principais destinos dos intercambistas brasileiros nos Estados Unidos. Na fronteira com o México, extremo sul do estado, a região está em uma latitude subtropical que garante muitos dias de praia e poucas semanas realmente frias. Foi para o condado de San Diego, por exemplo, que o skatista brasileiro-americano Bob Burnquist se mudou, em 1995. Já o surfista Filipe Toledo escolheu se transferir para San Clemente, um pouco mais ao norte, em 2014. Sem os meses de vida boa de que nossos estudantes e esportistas dispõem por lá, eu maximizei meus dois dias na cidade fora das praias, apesar de me hospedar em La Jolla (lê-se “La Róia”), o balneário mais charmoso. Vi, da estrada, as falésias de La Jolla Cove e dirigi feliz pelas ruas arborizadas e aprazíveis do bairro, entre belas casas em estilo neo-hispânico. Do bom hotel Grande Colonial, na Prospect Street, a uma quadra da praia, saí a pé para os restaurantes e bares da vizinhança, sem pressa de voltar.
Com uma praia habitada por centenas de leões marinhos, La Jolla fica 20 quilômetros ao norte de Downtown, trajeto feito mais rapidamente pela bombada Highway 5 – assim como o acesso a quase tudo na espalhada San Diego. Pouco antes do Centro estão as saídas para o parque SeaWorld, que ocupa uma área imensa da Baía de Mission, e para Old Town, o bairro turístico de herança mexicana. Downtown, mais ao sul, é cercada por um estuário de frente para a Ilha de Coronado (na verdade, uma península), com a qual se conecta por uma ponte. A leste do Centro fica o famoso Balboa Park.
Assim, meu itinerário começou pelo SeaWorld que, apesar das críticas, continua sendo sinônimo de shows com animais adestrados. Polêmicas levantadas pelo documentário Blackfish levaram a empresa a extinguir as apresentações no Shamu Stadium, onde meia dúzia de baleias orca faziam nados sincronizados e davam mortais inacreditáveis, sobretudo por se tratar de criaturas que pesam, cada uma, o equivalente a duas Land Rover. A atração foi substituída pela Orca Encounter, mais pedagógica e sem adestradores nadando junto com as baleias. Pelo fato de não poderem ser devolvidas aos oceanos, já que não conseguiriam sobreviver por terem sido criadas em cativeiro, as orcas precisam se manter ativas, e essa é uma forma de elas continuarem se exercitando, segundo o SeaWorld, que disse não incentivar mais a reprodução em cativeiro.
Porém, no anfiteatro dos leões marinhos, o palco continua simulando um programa de TV com palhaçadas dos animais. Os assentos são livres, então é possível conseguir um lugar próximo aos tanques, como foi o meu caso no show dos golfinhos. Inteligentes e flexíveis, os cetáceos dão saltos com até dez animais na coreografia. A respeito do meu lugar “privilegiado” na plateia, faltou dizer que eu escapei da primeira rodada de banhos que os golfinhos dão nos espectadores, o que é parte do show, mas não da segunda: o bicho rodeou toda a borda do tanque, de costas, abanando freneticamente a cauda, como uma pá. Quando ele passou por mim, um leque imenso de água se abriu acima da minha cabeça e então despencou, sem dó. Na boa? São muito mais divertidas – e éticas – as montanha-russas radicais como a Manta, que simula os movimentos feitos pelas arraias.
Aproveitei a tarde para fazer um tour por três cervejarias artesanais de San Diego, o maior polo dessa indústria nos Estados Unidos, com mais de 150 fábricas em todo o condado. A bordo da van da Brew Hop, que organiza o passeio, eu e dois casais americanos paramos na poderosa Stone, que tem até bistrô gourmet, na informal The Lost Abbey e, por fim, na Ballast Point, da qual não lembro muita coisa. O passeio guiado é prático, ainda mais considerando o alto teor alcoólico das IPAs gringas. Para visitar uma microcervejaria de San Diego por conta própria, você pode procurar uma fábrica próxima do seu hotel pelo site California Craft Beer. À noite, já um pouco baleado, fiz uma incursão no Gaslamp Quarter de Downtown, uma área histórica hoje tomada por bares, baladas, muito trânsito e uma molecada no fervo.
Sonho Californiano
No meu último dia, eu dirigi até a pacata Old Town, região com casario histórico onde surgiu o primeiro assentamento europeu não apenas de San Diego como de toda a Califórnia, no século 18. De lá parte um trolley aos principais pontos turísticos da cidade. A primeira grande atração é um museu-porta-aviões ancorado na Baía de San Diego, o USS Midway. Minha falta de interesse por temas bélicos acabou por deixar a visita mais interessante, já que nunca tive a oportunidade de entrar num monstro daqueles, com caças e helicópteros de diversas gerações, um hangar do tamanho de um campo de futebol, cabines e salas de instruções cheias de histórias. O trajeto segue pela ponte sobre a baía para chegar à Ilha de Coronado, o melhor ângulo para se ver o Centro de San Diego e endereço do clássico Hotel del Coronado. No retorno, o trolley para no Balboa Park, desembarque que já vale pelo paisagismo, com jardins impecáveis, palmeiras, uma linda estufa botânica e incríveis prédios coloniais espanhóis transformados em museus – o Model Railroad parece um palácio por fora, e o Museu de Arte tem o acervo mais interessante. É possível passar um dia todo ali, sobretudo se você visitar o San Diego Zoo. Espécies ameaçadas como o urso-panda, muito verde e um teleférico de leste a oeste são alguns dos atributos do parque, que vira uma festa no verão, com pocket shows e cerveja rolando solta.
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Retornei à Old Town somente para pegar o carro, já de noite, mas o bairro estava bem mais convidativo. Nos bares e restaurantes mexicanos, como o Café Coyote e o Old Town, o movimento transbordava na calçada, onde as filas seriam impensáveis horas antes. Resolvi parar numa pizzaria qualquer, fora da muvuca. Ali, encontrei um estafe inteiro de brasileiros, dispostos a uma boa conversa. Eles me contaram que, se não viviam o sonho americano, estavam melhor que no Brasil, à custa de muito trabalho e pouco mimimi. Um dos funcionários era uma jovem advogada do interior paulista em sua segunda passagem por San Diego. Desiludida da profissão, ela havia voltado à Califórnia para trabalhar de caixa, de garçonete, do que fosse, e ser feliz. E com eles, se pudesse, eu também ficaria, mesmo que só para mais uma cerveja, mas uma highway me esperava a caminho do aeroporto. O sonho acabou.
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