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Roma, doce Roma

Roma: história, arte, atores americanos e Ele mais perto de nós na Cidade Eterna, o lugar em que todos se sentem em casa

Por Júlia Gouveia
Atualizado em 16 dez 2016, 08h58 - Publicado em 16 nov 2011, 15h24

Era meu penúltimo dia em Roma quando entrei no Vaticano pela primeira vez. Na capital italiana, meus olhos já tinham visto alguns dos monumentos mais belos construídos pelo homem: o Panteão, o Coliseu e, por que não?, a Fontana di Trevi. A essas alturas, eu já desdenhava de prédios com menos de 500 anos. Ia agora ao Vaticano, devo confessar, menos por minha ligação com Deus e seu representante terreno atual e mais por interesse turístico. Mas, no instante em que cruzei as portas da Basílica de São Pedro, bambeei. Enquanto era impelida intuitivamente a seguir em direção ao altar-mor, como se anjos me guiassem, lágrimas escorriam pelo meu rosto. Ao erguer a cabeça, a cúpula projetada por Michelangelo. É verdade: a igreja do fundador da Igreja, a Sé de todas as sés, merecia um teto de grife – da maior das grifes ao tempo de sua construção, no século 16. Se é ao olhar para cima que se conversa com Deus, Michelangelo tornou esse diálogo mais fácil.

Essa historieta ilustra bem a razão de Roma e o Vaticano serem lugares tão visitados, desejados, queridos. Cerca de 43 milhões de turistas vão à Itália todos os anos. E muitos deles a Roma, atraídos pelo que a cidade um dia representou como a capital do maior império da Antiguidade – e, quiçá, de todos os tempos. Se a Grécia é o berço da civilização, é em Roma que o passado sobrevive em sua forma mais viva. A Itália tem o maior número de patrimônios mundiais culturais do mundo, 44, e isso porque Roma e seus inúmeros monumentos contam como um.

Conhecer ou reviver a história de Roma in loco é uma tarefa fácil e difícil a um só tempo. Fácil porque, como num parque temático arqueológico, o melhor a ver fica concentrado. Mas como saber se a ruína que parece ter milênios de idade é mesmo relevante? Para isso, a dica número 1 é não fazer como os romanos. E a 2, portanto, contrate um guia.

O que eu contratei chama-se Philip Ditchfield. Encontrei-o, e ao grupo, no Oppio Café, restaurante bem gostoso ao lado do Coliseu. Com um sotaque ainda mais british que o do Hugh Grant, o inglês Philip é arqueólogo e fala grego. Ele nos conduziu ao Coliseu entre turistas, gente fantasiada de soldado de César e indianos vendendo sombrinhas. Curioso é que esses tipos não são tão extemporâneos assim. É que o monumento foi criado para eventos de massa – comportava 60 mil pessoas. Soldados com armaduras e espadas selecionavam quem podia entrar e onde cada um deveria ficar. Philip usou o cenário para fazer uma comparação que deve já ter feita milhares de vezes, mas que causou. “Os gladiadores eram os astros pornôs da época. Fortes, famosos, as mulheres aos pés”, começou. “Mas ninguém se esquecia de que eram escravos. Imagine o escândalo caso Obama recebesse atores pornôs na Casa Branca.”

De lá fomos seguindo pela Via dei Fori Imperiali, que margeia as ruínas de Roma e tem nas pontas o Coliseu e a Coluna de Trajano. Em dada altura há um paredão com quatro mapas de pedra, cada um simbolizando os avanços do Império Romano. O que pouca gente sabe é que o lugar receberia um quinto mapa, com as conquistas territoriais da Itália do eixo. A relíquia foi encontrada recentemente, empoeirada, no sótão de um ex-soldado americano que esteve no front com os aliados. Entramos então à esquerda em uma rua onde eu não via nada de especial. Em uma portinhola, havia a placa da Basílica de São Cosme e São Damião. A igreja foi consagrada no século 6 pelo papa Félix IV, mas muito antes disso havia no local um templo dedicado a Júpiter. Assim como faria na América, a Igreja Católica sempre deixou bem clara a nova ordem, erguendo suas casas exatamente sobre os antigos templos pagãos. Isso é uma constante em Roma. No fundo da igreja, uma parede de vidro deixa ver as ruínas dos tempos em que os romanos não queriam nada com o monoteísmo.

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Goste-se ou não do que é feito em nome de Deus, é verdade que é difícil não se emocionar nos Musei Vaticani. Se a Basílica de São Pedro já havia mexido comigo, agora vivia emoções mais fortes. Contratei um passeio exclusivíssimo, fora do horário de visita normal, em que se tem o privilégio de entrar na Capela Sistina vazia. Passamos pela Sala da Rotunda, com estátuas de mármore e seu mosaico no chão milenar, para então chegar ao Pátio Octogonal, que, segundo Jay Stanton, o guia, havia servido como ateliê de Michelangelo e Leonardo. Difícil crer que tal ambiente plácido receba até 18 mil pessoas por dia. Passamos então pela Galeria dos Mapas, com os 40 mapas pintados nas paredes, como afrescos. Saímos para outra seção, onde se concentram os cômodos pintados por Rafael. A Sala de Constantino parecia um corpo minuciosamente tatuado. O guia explicava cada detalhe, mas eu já não conseguia ouvir. As cores, o cheiro, o cair da noite: tudo competia com Jay pela minha atenção. Foi nesse estado que cheguei à Capela Sistina. Um a um fomos entrando e sendo hipnotizados. O teto e a parede de 20 metros de altura, de Michelangelo. A aproximação dos dedos de Criador e criatura. O Juízo Final: homens nus, querubins, santos pareciam flutuar na parede de tão nítidos. Há séculos ali são realizados os conclaves secretos para a escolha dos novos papas. E estávamos lá, absortos, quando a luz se acendeu, tornando as pinturas ainda mais vívidas. Logo tudo voltou à penumbra, mas Jay ficou exultante: aquilo acontecera pouquíssimas vezes com ele. Seria eu uma predestinada?

Roma 2011 d.C.

É curioso, mas todo o tesouro artístico e histórico romano cria um imaginário um tanto neurótico para quem vive lá. Como disse Roberta Cristallo, uma jornalista com quem jantei no Trastevere, o bairro boêmio da cidade: “As glórias de Roma nos mantêm presos ao passado”. Ela citou as obras da linha C do metrô, sempre interrompidas pelos achados arqueológicos do caminho. (Esquivei-me de dizer que no Brasil as obras do metrô vão a passo de tartaruga por razões menos nobres.) Em 2009, foram encontradas durante as escavações vestígios em ótimo estado de um Ateneu, instituição de ensino do século 2, dos tempos de Adriano, o imperador de verdade.

Olhar Roma como um romano, portanto, pode não ser uma boa receita. Mas é ilusório pensar que ela parou no tempo, como um frame de filme neorrealista (mesmo que as vespas desses tempos ainda sejam postais da cidade). Em menos de cinco anos, dois museus surgiram: o Museo dell’Ara Pacis, que provocou polêmica por ser “moderno” demais, com suas paredes de vidro e seus ângulos retos, e o Maxxi, dedicado à arte do século 21, cujo prédio, da badalada iraquiana Zaha Hadid, é seu maior trunfo. Até na filmografia a Roma de La Doce Vida, de A Princesa e o Plebeu, e de Roma, Cidade Aberta, tem novidades. Liz Gilbert e Julia Roberts comeram, rezaram e amaram (principalmente os gelatos da San Crispino) na cidade e Woody Allen a escolheu para cenário de seu novo filme, Bop Decameron. E se eu havia visto a Capela Sistina em privé, posso dizer que cruzei olhares com o ator Alec Baldwin, do seriado 30 Rock, que filmava com Allen. Andava com um ar de despreocupação digno de desarmar paparazzi até na terra em que eles foram inventados. Naquele momento, pensei que, príncipe ou plebeia, Roma é a cidade onde todos nos sentimos em casa.

Ficar

Se possível, fuja dos hotéis nos arredores da estação de trem Termini. Ficam longe das atrações e são pouco amigáveis de noite. O Hassler (Trinità dei Monti, 6, metrô Spagna, 699-340, www.hotelhasslerroma.com; Cc: A, D, M, V; diárias desde € 450) é um dos mais elegantes e bem localizados hotéis de Roma: fica no alto da escadaria da Piazza di Spagna. Com um quê de hotel-design, o Leon’s Place (Via XX Settembre, 90/94, 890-871, www.leonsplace.it; Cc: M, V; diárias desde € 180) prima pela decoração suntuosa, com lustres de cristais e cortinas de veludo. Mais econômico, o Primavera (Piazza San Pantaleo, 3, 6880-3109, www.hotelprimaveraroma.it; diárias desde € 80) fica atrás da Piazza Navona e, portanto, é estratégico para curtir o agito noturno do Campo dei Fiori. Perto da Fontana di Trevi, o Regno (Via del Corso, 330, 697-6361, www.hotelregno.com; Cc: A, D, M, V; diárias desde € 130) conta com 70 quartos com wi-fi, TV de tela plana e janela à prova de ruído.

Comer

Com três estrelas do Guia Michelin, o La Pergola (Via Cadlolo, 1013, 509-2152, www.romecavalieri.com; 3ª/sáb 19h30/ 23h30; Cc: todos) tem menu degustação de seis pratos por € 175. No Pigneto, o bairro da moda, a Trattoria Primo (Via del Pigneto, 46, 701-3827, www.primoalpigneto.it; 3ª/dom 20h/0h30; Cc: todos) faz comidas clássicas italianas, com um toque atual. No Trastevere, o Da Gildo (Via della Scala, 31-A, 580-0733; 2ª/4ª e 6ª/dom 12h/15h e 19/22h; Cc: todos) serve pizzas, massas e saladas. O Ristorante La Campana (Vicolo della Campana, 18, 687-5273, www.ristorantelacampana.com; 12h30/15h e 19h30/23h; Cc: todos) é o mais antigo de Roma, na ativa desde o século 16. Com vista para o Panteão, as mesinhas na calçada do Ristorante di Rienzo (Piazza della Rotonda, 8/9, 686-9097, www.gruppodirienzo.com; 7h/0h; Cc: todos) são perfeitas para observar o vaivém de gente em torno do monumento. Para a pausa do cafezinho, siga ao Caffè Sant’Eustachio (Piazza Sant’Eustachio, 82, 6880-2048, www.santeustachioilcaffe.it; 2ª/5ª 8h30/1h, 6ª 8h30/1h30, sáb 8h30/2h, dom 8h30/1h; Cc: M, V) é famoso pelo grancaffè, bem mais cremoso que o tradicional. No quesito sorvete (ou gelato) vá de Il Gelato di San Crispino (Via della Panetteria, 42, 679-3924, www.ilgelatodisancrispino.it; 2ª, 4ª/5ª 12h/0h30, 6ª/sáb 12h30/ 1h30, dom 12h/0h30.

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Como Chegar

A Alitalia (11/2171-7610, www.alitalia.com) é a única que voa direto de São Paulo para Roma, desde US$ 1539. Com conexão em Munique, o bilhete sai desde US$ 769 na Lufthansa (11/4700-1700, www.lufthansa.com) e, voando por Paris, a passagem pela Air France (0800-8889955, www.airfrance.com.br) custa desde US$ 860.

Quem leva

O pacote de seis noites pela Nascimento (0800-7741110, www.nascimento.com.br) custa desde US$ 1 511. Na Flot (11/4504-4500, www.flot.com.br), quatro noites com traslados e hospedagem com café da manhã saem por desde US$ 1 419. Bem completo, o roteiro da CIT (11/3138-3535, www.citbrasil.com.br) inclui passeios locais e ainda “bate e voltas” para Pompéia, Assis e Orvieto. Seis noites custam desde US$ 3 453. Uma vez em Roma, considere contratar tours especializados. A Context Travel (www.contexttravel.com) organiza walking tours conduzidos por profissionais, como, arqueólogos, historiadores e professores. Já a Italy With Us (www.italywithus.com) promove tours de 2h pelos Musei Vaticani fora dos horários normais de visitação (€ 275).

Top ten

Dez lugares fundamentais para ver em Roma

1 Panteão

De 27 a.C., o antigo templo pagão ostenta uma enorme cúpula de concreto com 44 metros de diâmetro – foi a maior do mundo até 1950. A abertura no topo, o oculus, permite a passagem da luz do sol. (Piazza della Rotonda, 6830-0230; 2ª/6ª 8h30/19h30, dom 9h/18h)

2 Coliseu

Construído em 72 d.C. a mando do imperador Vespasiano, era o palco das lutas sangrentas dos gladiadores. Procure comprar o ingresso com antecedência para evitar as filas. (3996-7700; 8h30/pôr do sol; € 12)

3 Fórum romano

Conjunto de ruínas que atestam como era Roma à época do Império. Por ali, o visitante conhece lugares como o Templo de Saturno, a Cúria (sede do Senado), a Basílica Julia (edifício judicial), entre outros. Vale contratar guia, pois a sinalização é escassa. (Largo Romolo e Remo, 3996-7700; 9h/19h; € 12)

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4 Fontana di Trevi

Eternizada na cena do clássico banho de Anita Ekberg em La Dolce Vita, de Federico Fellini, a fonte fica acoplada a uma das faces do Palazzo Poli. No centro, Netuno se faz ladear por outras figuras mitológicas.

5 Bocca della Verità

Imensa escultura de pedra com um rosto esculpido em sua superfície que servia como detector de mentiras na Antiguidade. Naquela época, o incauto precisava pôr a mão na boca da carranca e, caso contasse uma mentira, poderia ter o órgão decepado. Pelo sim, pelo não, melhor não arriscar. (Piazza della Bocca della Verità, 18, 678-1419; 9h30/17h30)

6 Palatino

Numa das sete colinas de Roma, que servia de residência para a aristocracia, guarda as ruínas dos palácios dos imperadores Augusto, Tibério e Domiciano. Segundo a lenda, foi ali que os gêmeos Rômulo e Remo foram criados por uma loba. (Via di San Gregorio, 30, 3996-7700; € 12)

7 Piazza del Campidoglio

Centro da Roma Antiga, onde ficava o Templo de Júpiter. No século 17, tornou-se esta praça, desenhada por Michelangelo. Concentra os Museus Capitolinos e a Basílica de Santa Maria in Aracoeli. De sua escadaria, tem-se linda vista da cidade. Um elevador (€ 7) leva ao topo do monumento em homenagem a Vittorio Emanuele, onde há um terraço. (Piazza del Campidoglio)

8 Basílica de São Pedro

Concluída no século 17, a igreja é uma das joias da humanidade, com projeto, pinturas e esculturas de Michelangelo, como a admirável Pietà. (Piazza di San Pietro, 6988-3712, www.vatican.va; 7h/18h30)

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9 Piazza Navona

Além de suas lindas fontes, como a dos Quattro Fiumi, de Bernini, é endereço da embaixada do Brasil, que está em um lindo palacete histórico.

10 Piazza di Spagna

Parece um set de cinema, com palmeiras e casas em tons rosados e sua esplêndida escadaria, a Scalinata di Spagna.

 

Leia mais:

Novembro de 2011 – Edição 193

Itália – Viagem e Turismo

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Itália antes de Roma

A Roma do Oriente

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