Pressa de pousar
Difícil entender a fúria obsessiva de alguns passageiros que se levantam antes que os sinais de apertar cintos se apaguem
Durante 11 horas e meia, os passageiros do voo 456 da air France (Paris–são Paulo) comportaram-se de forma exemplar. Afora um sujeito na minha frente, que se mostrou irritado com a falta de macarrão no almoço (seu desprezo espumante pelas coxas de frango chegou até o chefe dos comissários), todos seguiram religiosamente as recomendações de apertar os cintos, não fumar nem fazer bagunça nos corredores.
É de espantar que, tão logo o avião baixe o trem de pouso, os civilizados passageiros se levantem descontroladamente e passem a abrir os compartimentos de bagagem, ignorando os avisos luminosos para manter os cintos afivelados e a súplica do piloto para que se aguarde o estacionamento definitivo da aeronave.
É só as rodinhas tocarem no chão que a obediência, o comedimento e mesmo o alívio da chegada são substituídos pela fúria cega de arrancar os cintos e pegar a bagagem de mão, postando-se no corredor.
Os comissários tentam conter a movimentação, que, porém, tem caráter de motim escolar, como se, após 11 horas de bom comportamento, não se consiga mais esperar um minuto para sair de lá.
A atitude é quase unânime e pode ser observada em voos de inúmeras procedências e durações – num voo de Berlim a Paris, o piloto foi pessoalmente ao microfone para passar um pito nos apressados: “Por favor, observem os avisos luminosos e mantenham os cintos afivelados. Aguardem a parada total da aeronave. Por favor, todos sentados. Os avisos luminosos continuam acesos”. Quando, enfim, todos retornaram aos assentos, os avisos se apagaram. “Agora, sim”, brincou o piloto.
No voo 456, a aeronave ainda estava a dezenas de pés do solo quando um sujeito se levantou para pegar a mala. em meio ao processo de aterrissagem, duas comissárias foram ralhar com ele. Como resultado, ele demorou 30 segundos a mais que seus vizinhos para apanhar as coisas e dirigir-se à saída, ainda que o avião levasse mais 15 minutos para taxiar, e ainda que as portas custassem a abrir.
Tanta pressa para depois ficar plantado no saguão esperando a mala surgir na esteira de bagagem.
→ *Vanessa Barbara prefere assentos na janela para evitar a sanha dos apressados