On the Road: infinita highway
Sempre sonhou com uma vida on the road? Walter Salles, o diretor de <em>Na Estrada</em>, tem algo a lhe dizer
Há algo de inspirador na estrada. Muito além de sua função desconectar cidades e pessoas, estar nela parece dar uma enorme sensação de liberdade. Algumas injetam um toque de desafio, e outras, menos metaforicamente, possuem cenários que valem horas ou dias de contemplação. Para muita gente, como ensina taoísmo, o caminho é mais importante do que o destino – e a viagem, consequentemente, é a própria estrada. O diretor brasileiro Walter Salles é um desses apaixonados pela vida on the road. Três de seus principais filmes, Na Estrada, Central do Brasil e Diários de Motocicleta, são o que se convencionou chamar de road movies: seus protagonistas vão se transformando ao longo de uma travessia, de uma viagem que não tem o destino como objetivo principal. Em Na Estrada, baseado no célebre On the Road,de Jack Kerouac, obra seminal da literatura beat, com estreia prevista para o dia 13, a equipe de Salles cruzou os Estados Unidos para filmar e dar vida às viagens interiores e exteriores dos protagonistas do romance.
VT – Como foi refazer a rota idealizada por Jack Kerouac?
Walter Salles – Bem emocionante. De 2005 para cá, eu e a equipe refizemos a viagem varias vezes. No inicio, filmávamos um documentário sobre o livro. Depois, já com os atores, caímos novamente na estrada. Por fim, com uma equipe menor, fizemos o trajeto inteiro mais uma vez. Foram três semanas para rodar da Costa Leste ate a Costa Oeste americana, parando em diversos pontos-chave do livro. Essa parte da filmagem foi essencialmente livre, como se estivéssemos reproduzindoo espírito do livro.
Os ambientes descritos no livro são fielmente seguidos no filme?
Filmamos naquelas regiões dos Estados Unidos onde a geografia não havia ainda sido conspurcada, mas essa não é uma tarefa fácil na América do Norte. Aconteceu uma homogeneização da paisagem, e muitas vezes você faz mil quilômetros e vê os mesmos shopping malls ou as mesmas lojas de fast food. Foi por isso que fomos longe, cada vez mais longe… No final filmamos em várias localidades nos Estados unidos, no Canadá e no México.
Em Diários de Motocicleta, você também caiu na estrada para rodar o filme. Como foi essa experiência?
Atravessar a América Latina, de Buenos Aires até a Amazônia peruana, foi um rito de passagem inesquecível para toda a equipe. Comecei a viagem me sentindo essencialmente brasileiro e terminei com a certeza de que, antes de tudo, eu era também latino-americano. Como o Brasil é um país de dimensões continentais, às vezes esquecemos disso.
Walter Salles (à esquerda) durante as gravações do longa-metragem – Foto: divulgação
As viagens têm um papel importante em seus filmes. Mas, e na sua vida, qual foi a mais marcante?
O lugar que mais me impressionou foi Machu Picchu, a mais perfeita harmonia entre a natureza e aquilo que foi construído pelo homem. Fernanda Montenegro me disse uma vez que há um antes e um depois de Machu Picchu na vida de qualquer pessoa que visita aquele lugar, e ela tem razão.
Depois de encarar tantas road trips, qual é a melhor estrada do mundo?
A próxima. Quando nos distanciamos do ponto de partida, ganhamos uma nova perspectiva sobre o mundo. Percebemos melhor de onde viemos e quem somos. É para isso que as viagens servem: para nos permitir não só uma compreensão de outras culturas, mas também um melhor entendimento de nós mesmos.
Você acha que viajam melhor aqueles que não têm destino?
Viajam mais livremente, sem dúvida. Muitas vezes o que acontece à margem da estrada é bem mais interessante do que acontece no centro dela. Pegar uma bifurcação, improvisar, isso deve fazer parte de toda viagem. Eu não sou fã de viagens planejadas, não sonho com a ideia de que, “se é terça-feira, nós deveríamos estar na Bélgica”.
Como o viajante convencional, aquele sem tempo para se aventurar, pode realizar uma viagem transformadora?
Viajar é antes de mais nada um estado de espírito. Uma vez, o cineasta inglês John Boorman [de Esperança e Glória e O Alfaiate do Panamá] foi conversar com um xamã de uma tribo indígena e tentou explicar a ele o que fazia: “Eu pego uma câmera, viajo e tento imaginar uma história”… O xamã olhou para Boorman e respondeu: “Eu faço isso toda tarde”.
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