O cinema e a publicidade deram sua imensa contribuição para a fama de Monument Valley: filmes de faroeste, caubóis, mundo de Marlboro. Aquela figura solitária do homem rústico e másculo montado em um cavalo – com cara de quem sabe das coisas da vida e vagando por uma terra seca entrecortada por montanhas de formato esquisito – faz parte do imaginário ocidental. Talvez seja a melhor fabricação de um mito vinculado a um destino que Hollywood já produziu. Mas nada disso foi por acaso.
O responsável foi um sujeito chamado Harry Goulding, que se mudou em 1920 para Monument Valley com a mulher, Leone, e se estabeleceu no sopé de uma área elevada cercada por escarpas, que em geologês se chama meseta. Em 1928, ele abriu ali um Trading Post, uma espécie de armazém de secos e molhados onde os índios trocavam objetos de prata e mantas de lã por comida e mantimentos. Durante os anos que se seguiram à Grande Depressão, a economia do lugar sofreu bastante, até que Goulding teve uma ideia.
Em 1938 ele viajou até Los Angeles, descolou um encontro com o diretor de cinema John Ford e conseguiu convencê-lo de que Monument Valley seria o lugar perfeito para rodar seu próximo filme de faroeste. Menos de um mês depois, lá estavam o cineasta e sua equipe para filmar No Tempo das Diligências, que alçou o ator John Wayne ao estrelato – e foi o primeiro de nove filmes que John Ford ainda rodaria por ali.
Mas o fato é que não existe filme, tela de cinema, IMAX ou full HD que faça justiça ao lugar. Só pisando e vendo. A chegada, por exemplo, é triunfal. Depois de seguir pela rodovia 160 e pegar a 163 em direção a Kayenta, a estrada faz uma pequena elevação, e, na descida repentina, surgem as primeiras formações ao longe, uma de cada lado da estrada.
Uau! Parece que chegou, mas ainda faltavam uns 20 quilômetros para alcançar o parque em si e suas mais famosas formações. Quando enfim surgirem placas indicando à esquerda Goulding’s Lodge e à direita Monument Valley, próximas a um cruzamento, é porque chegou.
Não existe ali um núcleo urbano, apenas uma escola e parcas construções aqui e acolá, o que só acentua a sensação de lugar indomado. À esquerda, como sinaliza a seta, está o hotel montado por Harry Goulding, que guarda dois lugares interessantes, mesmo para quem não for se hospedar.
Um deles é o Trading Post quase como Goulding o deixou: o térreo foi transformado em um museu meio mambembe e exibe fotos, objetos e pôsteres dos filmes rodados na região. No segundo andar está a casa em que Goulding viveu com a mulher. Um outro ponto curioso é a recriação da cabana usada pelo ator John Wayne nas filmagens de Legião Invencível, de 1949. Wayne e Huston eram os únicos que tinham cabanas privativas; o resto do elenco e da equipe precisava se virar em quartos coletivos e barracas.
Do Goulding saem os jipes que vão em direção ao parque, 8 quilômetros adiante, mas não sei se está claro até aqui: Monument Valley já é tudo o que eu vejo ao meu redor. A primeira parada do jipe foi em um hogan, moradias típicas dos índios até tempos atrás, mas que hoje são mais usadas para cerimônias. Lá dentro uma índia navajo tecia uma peça de lã. Tive receio de que em algum momento poderíamos topar com alguma encenação para turista ver à la Santa Cruz Cabrália, mas terminou ali.
Aliás, ao passarmos pela escola, era a hora do intervalo e os índios jogavam futebol americano. Entramos pela guarita do parque. Da estrada já é possível ver as The Mittens, duas formações icônicas que parecem luvas sem dedos. Uma trilha chamada Wildcat é a única no parque inteiro aberta para caminhantes e circunda toda a luva esquerda, a West Mitten Butte. Logo em seguida saímos do asfalto e pegamos uma estrada de terra.
Dois tipos de passeio são os mais procurados por ali. Há um que dura duas horas e meia e outro que se estende por uma hora a mais. No mais curto você percorre 27 quilômetros dentro do parque por um caminho sem asfalto e vai passando por todas as formações mais famosas. Esse mesmo circuito é permitido aos carros, que têm por ali uma vastíssima vantagem diante dos jipes: a de poder fechar o vidro e ligar o ar-condicionado quando o pó e o calor forem insuportáveis, o que acontece com muita frequência no verão.
O tour que dura uma hora a mais, o que fiz, percorre áreas permitidas somente aos navajos e tem a vantagem de chegar muito perto das gigantescas formações, algumas com até 300 metros de altura. Uma das mais curiosas é o Ouvido do Vento, uma pedra furada de proporções gigantescas. Um pouco mais adiante o tour nos deixou cara a cara com o Olho do Sol, maciço côncavo com um buraco no alto. Foram eras para o vento, a chuva e outras forças da natureza esculpirem tudo aquilo.
Durante o passeio existe um momento de pausa no John Ford’s Point para umas comprinhas de artesanato feito pelos índios. Quem se animar pode também tirar foto à la John Wayne, posando em cima de um cavalo ao estipêndio de US$ 3. Por US$ 5 você pode ir com o cavalo até a beirada de uma meseta e ser enquadrado com as famosas formações ao fundo. É um mico bastante cinematográfico.
O crepúsculo e o alvorecer são momentos cruciais em Monument Valley. No fim do dia, o sol se põe no lado oposto das formações e elas são iluminadas de frente para quem se encontra no mirante do hotel The View, o único dentro do parque – é uma hospedagem que eu recomendo vivamente.
Entretanto, a experiência mais singular é quando o sol nasce por trás das formações às 6h40. Meninos, eu vi. E, para ser ainda mais incrível, foi da varanda de uma das 29 cabanas em uma área afastada do prédio principal do The View. Eu me levantei da cama e enxerguei, através da persiana vertical que deixei semiaberta, as The Mittens pegando fogo bem na minha frente.
Abri a porta e comecei a fotografar compulsivamente, naquela inútil tentativa de guardar cada segundo do momento. Sorte que, lá pelas tantas, eu desisti daquilo. Combinada ao silêncio da manhã, foi uma experiência mais forte do que o passeio de jipe do dia anterior. Ali sentado, eu só me lembrei de que a diária terminaria dali a quatro horas – e que o mundo não é justo.
Aproveite as distâncias para conhecer o Antelope Canyon e o Horseshoe Bend, os parques nacionais de Bryce, de Zion e do Grand Canyon, e a cidade de Sedona.
Guia VT
DE VEGAS PRA LÁ
A empresa Bindlestiff Tours tem passeio com duração de três dias que sai de Vegas e passa por Zyon, Bryce, Monument Valley e Grand Canyon.
COMO CIRCULAR
Com o próprio carro ou de jipe que pode ser contratado no Goulding’s Lodge ou no The View, que também abriga o centro de visitantes e uma loja ótima de suvenires. Entrada: US$ 20 (carro) e US$ 10 (pedestre). Mais informações sobre Monument Valley aqui.
FICAR
O The View Hotel fica de frente para as famosas formações, e o Goulding’s Lodge organiza passeios.