Natureza, ativar! Um relato de viagem ao Equador
Vulcões, praias, matas densas, lagos, bichos evoluídos. O Equador, do tamanho do estado de São Paulo, é o destino certo para quem adora estar nos cenários naturais mais diversos
Estávamos havia mais de 40 minutos subindo a montanha por uma sinuosa e irregular estrada cheia de pedras, variante da Panamericana, a principal rodovia do Equador. No Corolla, um carro claramente inadequado para a missão, sabíamos que já era hora de recebermos um sinal. E ele não tardou a vir. De repente, lá estava, não o sinal, mas a coisa em si. O gigante.
O monstro. O maioral. O superior. O colosso. O corpo perfeitamente simétrico e uma brilhante crista nevada. “Pare imediatamente o carro”, devo ter dito, transida, para meu companheiro de viagem, o Fábio. Precisava admirar aquela imagem de longe por alguns instantes. Com 5 897 metros, o Cotopaxi é o vulcão ativo mais alto do país e reina absoluto em um parque nacional de mais de 33 mil hectares que protege os campos de páramo, a vegetação típica andina. Ali vivem mais de 90 espécies de pássaros e animais adaptados às baixas temperaturas, como lhamas, veados e cavalos selvagens.
Eu estava no Equador como uma espécie de plano B pessoal. Pretendia mesmo era ficar lagarteando em uma praia de areia branca da República Dominicana, país onde meu irmão viveu até o ano passado. Mas o danado do Alex acabou se transferindo para o Equador, e, como havia prometido visitá-lo, embarquei meio assim, assim para o país andino.
Ainda bem.
Espremido entre a Colômbia e o Peru, com uma área similar à do estado de São Paulo, o Equador tem de tudo: floresta amazônica, vulcões em série, Pacífico com Galápagos (e seus estranhos cormorões, tartarugas gigantes e pelicanos), cidades históricas que são Patrimônios Mundiais pela Unesco. Menu que faz do país um destino certamente subestimado na América do Sul. Cerca de 1 milhão de estrangeiros aportam lá anualmente, quase três vezes menos do que no vizinho hypado, o Peru. O governo do socialista Rafael Correa vem investindo no setor, até por uma questão de sobrevivência: é preciso diversificar a economia do país, dependente do petróleo e da agricultura.
Ouro da Iglesia La Compañia de Jesús, em Quito – Foto: Ritterbach/ Glowimages
Desde janeiro, o Brasil tem um voo direto para o país, pela equatoriana Tame, entre São Paulo e a litorânea Guayaquil. Mas eu e o Fábio voamos Avianca e desembarcamos em Quito, a capital, vindo de uma conexão por Bogotá. Andina como a capital colombiana, Quito está a 2 850 metros de altitude, e por isso não foi surpresa sermos recebidos por uma chuva fina e um fiozinho de montanha. Com cerca de 2 milhões de habitantes, Quito é um mergulho na história equatoriana. A Plaza Grande, as igrejas e os casarões não destoam do padrão colonial espanhol que se vê em outras cidades latino-americanas. Assim como no Peru, o colonizador impôs seus símbolos e sua arquitetura e os fincou sobre as ruínas incas. A Iglesia La Compañia de Jesús, construída entre 1605 e 1765, impressiona pela fachada barroca talhada em pedra vulcânica e pelas 7 toneladas de folhas de ouro que revestem seu interior. Na mesma rua há ainda outras seis joias arquitetônicas cristãs, justificando o antigo nome da rua, Calle de las Siete Cruces, hoje Calle Garcia Moreno. Ali por perto estão também o Museo de la Ciudad, o Palacio Presidencial e a descomunal Basilica del Voto Nacional. A basílica, em um estilo neogótico que você talvez esperasse encontrar em Paris ou Barcelona, tem gárgulas tropicalizadas que simbolizam animais autóctones, como iguanas e tartarugas.
Ninguém que vai a Quito deixa de visitar o complexo La Mitad del Mundo, onde um obelisco e uma faixa amarela pintada no chão marcam a divisão do globo terrestre em seus dois hemisférios. Pode ser coisa de turista, mas é divertidíssimo brincar de colocar um pé no norte e outro no sul. É emocionante estar na latitude 0 0’0”, ainda que essa marca na verdade não seja assim tão precisa. É a 200 metros dali, no Museo de Sitio Intiñan, que se encontra de fato o meio do mundo segundo medições mais acuradas feitas com GPS. O curioso, nesse local, é passear pelas instalações que recriam cabanas indígenas e acompanhar a apresentação dos guias (em espanhol ou inglês) sobre os costumes e as tradições das culturas précolombianas. Ao fim do passeio há o convite para participar de experiências supostamente reveladoras dos mistérios da latitude zero. Em uma delas, uma pia cheia d’água é colocada sobre a Linha do Equador. Quando a tampa do ralo é retirada, a água escorre sem formar redemoinhos. Depois, quando a pia é colocada primeiro ao norte e então ao sul da linha, a água gira em direções opostas. A explicação solene que é dada ali é que, devido à rotação diária da Terra, as forças que atuam sobre o Equador levam a movimentos retilíneos e perpendiculares. Uma breve pesquisa na internet, porém, mostra que a suposta força não tem força para mudar o rumo da água a tão pequena distância. Um show magnético para gente que não o Marcelo Gleiser.
Depois de Quito, a outra grande atração andina do país é Cuenca. Fundada em 1557 e com cerca de 500 mil habitantes, Santa Ana de los Cuatro Ríos de Cuenca tem um quê de Colonia del Sacramento, no Uruguai. Não que se pareçam, mas Cuenca é também do gênero “cidadezinha”, dessas que deixam saudade justamente por terem ruas estreitinhas, calçamento de paralelepípedos, jardins bem-cuidados. Em nossa primeira noite no local, fomos a um tradicional restaurante, o Raymipampa, para provar a comida local. Enquanto, na costa, os frutos do mar e os ceviches (servidos com pipoca e milho de todos os tipos e incontáveis formatos) representam deliciosamente a base da alimentação, nos Andes a refeição tem mais “sustança”. Experimentamos o seco de pollo, um guisado de carne de fango. Estava com sabor equilibrado e combinou perfeitamente com o abacate que o acompanhava. O Raymipampa também cativa pela localização: ele fica sob a arcada externa da Catedral Nueva, bem na praça principal, o Parque Calderón. A comida desceu bem naquele cenário eclesial. Do lado oposto à Catedral Nueva, com seus marcantes domos azuis, está outra catedral, a Vieja, erguida no século 16 e que agora dubla de museu.
Uma vez em Cuenca, vale se programar para fazer os diversos tours pelos arredores da cidade. Pode-se ir às comunidades indígenas Gualaceo e Chordeleg, conhecer algumas das mais de 230 lagoas de origem glacial do Parque Nacional Cajas, banhar-se nas termas vulcânicas de Baños ou visitar as ruínas incas do Complexo Arqueológico Ingapirca. Nesta última, quem recebe é uma guia vestida com uma típica saia de lã bordada, trança nos cabelos, manta nos ombros e dentes com apliques de metal, que, polida, pede desculpas por não falar direito o espanhol (em seu cotidiano, usa o quíchua). Ela nos explicou que ali ficam os vestígios de uma cidade que pertenceu à etnia cañari antes de ser tomada pelos incas. A certa altura, comentou: “Ali passava a estrada real inca, que levava de Quito até a capital do império, Cusco”.
O gigante, o maioral,o colosso Cotopaxi,o vulcão ativo maisalto do Equador – Foto: Hemis/ Alamy
Mas muito antes de chegar a Cuenca, para quem sai de Quito, está a Avenida dos Vulcões, que concentra 14 dos 55 vulcões equatorianos. É lá que brilha Cotopaxi, o colosso que convulsionou o Corolla no começo de tudo. Há outras atrações ali, como a linda Laguna Quilotoa, formada na cratera de um vulcão extinto e de cores espetaculares, ora verde, ora azul, ora mesmo amarelo, a depender da intensidade de luz que incide sobre a água (e das coisas que incidem sobre a cabeça do espectador). Ter descido à borda do vulcão, que está a 4 mil metros de altitude, caminhar até a Laguna 400 metros abaixo e, claro, retornar ao ponto inicial foi um dramático treino de esforço em altitude. A superfície já era complicada: areia e pedregulhos pouco confiáveis. Na descida, o presságio não era dos melhores: eu via nos turistas que subiam fisionomias demasiadamente sofidas. Nem cheguei a passar por isso. Na volta, com falta de ar e roupas pouco adequadas, capitulei e tive de recorrer aos serviços de uma mula. Foram os US$ 8 mais bem gastos de toda a viagem. Fui rever um Fábio suado e sem camisa, a despeito dos 10 graus daquela hora, já no fim da trilha.
Para quem em algum momento sonhou com uma praia dominicana, ter descido das alturas dos Andes em direção ao Pacífico foi quase um acerto de contas. É na província de Manabí que está o litoral mais extenso do Equador. Ali fica um dos principais portos do país, Manta, distante 200 quilômetros de Guayaquil, a base para as viagens a Galápagos. O ouro se encontra entre as duas, os diversos vilarejos de pescadores que aparecem aqui e acolá. Assim, soou como música a dica de uma amiga do Alex, a engenheira ambiental Maria de Los Angeles, que nasceu e trabalha na região, que nos disse para conhecer a Praia de los Frailes. Meus olhos brilharam quando ela descreveu o mar azul-turquesa e a areia branca ornada pelos cactos. E quase marejaram quandoela disse que, como se não fosse suficiente, o lugar era vazio e tranquilo. A praia está no Parque Nacional Machalilla, que protege a floresta tropical seca local. Logo na entrada, uma trilha saindo da areia leva em poucos minutos até o alto de um penhasco, onde um mirante de madeira propicia uma vista inesquecível da costa.
Era surpreendente a quantidade de cenários naturais os mais diversos que eu e o Fábio já havíamos visto tendo nos deslocado não muito mais do que o equivalente à distância entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Os leões-marinhos e as tartarugas das Ilhas Galápagos ainda nos aguardavam e, se quiséssemos, também havia toda a região amazônica além dos Andes para ser conhecida. Vai ser preciso voltar ao Equador. Meu irmão disse depois que deve retornar à República Dominicana no final do ano. Eu espero, sinceramente, que ele leve mais tempo do que isso.
Dias livres com bichos em Galápagos
Nas Ilhas Galápagos é normal topar com um quelônio de mais de 100 anos e dividir espaço na praia com iguanas. Pessoas que, como eu, sofrem da síndrome de Felícia (personagem de desenho animado que esmaga animais de tanto amor) precisam também se segurar para não pular no meio dos leões-marinhos. Eles são tão folgados e metidos que invadem as ruas e os bancos (como na foto) das praças de vilarejos como Puerto Baquerizo Moreno, porta de entrada para a Ilha San Cristóbal. Mas não se empolgue: tocar nos animais é perigoso e proibido. Pelicanos, arraias, atobás-de-pés-azuis, pinguins, golfinhos, caranguejos: assim como Charles Darwin no século 19, eu vi tudo isso. Mais: nadei com tartarugas marinhas e dei de cara com tubarões tintorera, como os locais os chamam, enquanto perseguia um cardume de peixes coloridos. Só não pude dar bom dia para o célebre Solitário George, tido como o último exemplar das tartarugasgigantes da Ilha de Pinta, morto em 2012. Para aproveitar Galápagos, você pode fazer um cruzeiro, hospedar-se nas ilhas de Santa Cruz, Isabela ou San Cristóbal ou ficar em Puerto Ayora, que é perto do aeroporto, e contratar passeios de agências como a Galextur (galextur.com) e a Galicia Tours (galiciatours.com.ec).