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Mais rápido que o som

Um voo no antigo caça russo MiG 29 à divisa espacial, com direito a manobras de Top Gun. Você também pode voar, caso tenha € 21 000

Por Domênico Massareto
Atualizado em 16 dez 2016, 09h07 - Publicado em 18 set 2011, 17h11

Houve uma época em que estava determinado a ser piloto da Força Aérea. Era 1983, e eu tinha cinco anos de idade. Não direi me tornei publicitário, mas, eterno apaixonado por aviões militares, achei um jeito de realizar meu sonho. A chance veio quando vi um anúncio na Internet, que dizia: “Pilote um caça MiG 29 na Rússia.” Logo me interessei por um pacote com cinco dias no país, estadia em hotéis cinco estrelas, guias fluentes em inglês e o principal, um voo de uma hora no caça MiG 29 até a fronteira espacial. Nada mal. Nada barato também, mas fazia cinco anos que não tirava férias. Eu merecia.

Fechei o pacote e recebi formulários e os contatos de clientes anteriores, para que eu pudesse perguntar-lhes sobre a experiência – e ficar mais calmo por ter de mandar € 21 000 antes mesmo de pisar em Moscou. Decidi pagar com cartão de crédito, o que me pareceu mais fácil e barato que uma transferência internacional, mas somou 5% ao valor final a título de “comissão” (hoje você ainda paga IOF nessa operação).

Três meses depois, já no aeroporto de Moscou, fui recebido pela guia que me levaria ao hotel. Minha impressão da cidade? Somando o luxo das vitrines dos bairros por onde andei e o trânsito, pode se dizer que é uma mistura de Paris com Mad Max (o filme).

No dia seguinte fui conduzido à estação de trem onde embarquei para Nizhny Novgorod, a cidade do voo. No desembarque, quem me recebeu foi Serge, da empresa que promove os voos, a Country of Tourism, e Oleg, diretor da base aérea Sokol. Eles me explicaram que o voo, marcado para o dia seguinte, envolvia uma equipe de 127 pessoas, entre engenheiros, médicos, bombeiros, meteorologistas, pilotos, controladores. Somadas as seis toneladas de combustível necessárias, me convenci da justeza do preço de tudo aquilo.

No fim do dia fui deixado no hotel com duas instruções: dormir como um bebê e não exagerar no café da manhã. De certa forma, segui a ordem: como um bebê, passei a noite em claro e duas horas antes do despertador tocar estava de pé. Um banho, meio copo de suco de laranja e dois pedaços de melancia depois, encontrei Irina, que me levaria à base aérea. E então conheci Segei Kara, 45 anos, piloto de teste chefe e excapitão da Força Aérea russa. Era com ele que iria voar.

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Uma médica veio medir minha pressão, que estava ok. “A doutora falou que você é corajoso”, disse Irina. Não sei se isso era de fato um elogio e na verdade mal deu tempo de pensar nisso, já que dois homens se aproximaram para me vestir o traje de pressurização: uma mistura de roupa de surfista e espartilho, com cadarços que correm por pernas, braços, costas e abdômen. Enquanto um deles segurava a roupa, o outro me empurrava para dentro dela. Em caso de despressurização, essa roupa me salvaria, disseram-me. Não me deixaria explodir. Cool. Era difícil me mover, e assim os homens me ajudaram a calçar as botas e colocar o capacete e a máscara de oxigênio. Agora precisava seguir Sergei e Irina ao avião. Paramos na porta e, cavalheiro, cedi passagem a Irina. Ela retrucou: “Pilotos, primeiro”. A frase me tocou profundamente e, antes de ocupar meu lugar no MiG, voltei a 1983. Vi então o Domênico de 5 anos de idade. Disse a ele: “Conseguimos, amiguinho!”.

Com o auxílio de uma escada, chegamos ao avião. Sergei apertou o cinto de segurança nos meus ombros, coxas e barriga. E apontou para as alavancas de ejeção do assento, advertindo: “Não puxe isso, ou seremos arremessados para fora do avião, que se perderá. E não queremos perder uma aeronave de US$ 30 milhões”. Uma bolha transparente se fechou sobre nossas cabeças, isolando-nos do resto do mundo.

Mais suave do que esperava, saímos do chão e, logo depois, o painel indicava que voávamos a 11 mil metros de altitude. Com pronúncia particular, Sergei me chamou pelo rádio: “Dominíko, sua vez de controlar o MiG”. Eu, que jamais havia feito coisa parecida, comecei. Subimos cortando o ar como num game. Então embiquei para baixo e, nesse momento, meu estômago veio à boca avisar que não estava num jogo, mas em queda livre. Precisei respirar fundo e, com os olhos nos instrumentos, tentei seguir os parâmetros que recebia pelo rádio para controlar o MiG.

De volta ao comando, Sergei acelerou ao máximo, o que nos espremeu contra o assento ao mesmo tempo que se ouvia um estrondo. Chegávamos à fronteira espacial. As linhas abaixo talvez descrevam os melhores momentos da minha vida.

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“Dominíko, 900 quilômetros por hora.” Bsshhhhhhhhhhh!

“Dominíko, 1000.” Bsshhhhhhhhhhh!

“Dominíko, 1 100 quilômetros por hora.”

De repente, silêncio absoluto. Sei que acelerávamos, já que continuava colado ao banco. Temia pelos meus tímpanos.

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“Dominíko, we are supersonic.”

Havíamos ultrapassado a velocidade do som. Empolgado, acenei para a câmera de vídeo apontada para meu rosto. Chegamos à altitude de 21 000 metros, o dobro da altitude de um voo internacional. Sobre minha cabeça, o sol brilhava em meio a um céu preto. Lá embaixo, a tranquila imensidão azul clara do nosso planeta. A grande ironia: um avião de guerra me levava ao lugar mais pacífico que jamais visitara.

Me despedi daquela beleza inédita com um mergulho vertiginoso para a última parte do voo: as acrobacias aéreas. Demos loops, rasantes, voamos de lado. O painel apontou quase 5G nas manobras – meu corpo recebeu uma força de cinco vezes o próprio peso. Um massacre.

Hora de descer e, suave como subimos, pousamos. Estava exausto, mas não parava de sorrir. Estava felicíssimo. Havia vivido uma aventura intensa, realizado um sonho e aberto os olhos para uma cultura fascinante. Só conseguia pensar na hora de recomeçar.

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