Ilha de Chipre: passeios, hospedagens, praias e mais
O país que foi o berço da deusa Afrodite é repleto de sítios arqueológicos, natureza e praias belíssimas
A bandeira azul e branca da Grécia está por todos os lados, mas não estamos na terra de Zeus, e sim em solo da deusa do amor, Afrodite. Durante o verão, as praias da ensolarada ilha de Chipre se enchem de festas, tão fascinantes quanto a história turbulenta deste pequeno país localizado no leste do mar Mediterrâneo. Por ali, Ares, o deus da guerra, também marcou presença, numa série de invasões estrangeiras.
Elas começaram na Antiguidade com os gregos, que foram sucedidos por romanos, venezianos, otomanos e ingleses. Hoje, parte da ilha está sob domínio da Turquia. No sul, com quase 60% do território, estão os cipriotas de origem grega – daí as bandeiras. Ao norte ficam os cipriotas turcos da República Turca do Norte do Chipre, instalada em 1974 após a invasão dos vizinhos, condenada pelas Nações Unidas.
Apesar dessa tensão política, não há hoje nenhum conflito armado no país, considerado seguro para turistas. Mas as marcas estão lá, despertando a curiosidade dos visitantes. Nicósia (ou Lefkosia para os locais) é a última capital do mundo cortada por um muro, que em alguns trechos forma de tambores cheios de cimento empilhados, mato e pichações.
Qualquer caminhada pelo centro antigo da cidade acaba levando à Linha Verde, que guarda a zona desmilitarizada. Há pouco patrulhamento, mas é bom prestar atenção nos avisos de não tirar fotos. O local passou por reformas seletivas recentemente. Casas de pedras charmosas e galpões restaurados estão ao lado de terrenos baldios com edifícios em ruínas, em típicas cenas de zonas de guerra.
Bem perto do muro, com vista para os minaretes da mesquita do lado turco, fica a microcervejaria Pivo, primeira da cidade, instalada numa casa de 1910. A quatro minutos a pé está a doceria Melissa, com deliciosas baklavas quentinhas. Há inúmeros restaurantes com mesas ao ar livre, prontos para servir comida mediterrânea, além do halloumi, um queijo grelhado feito com leites de cabra e ovelha.
Para entender melhor Nicósia, o Observatório da Torre Shacolas oferece uma vista geral da capital do alto dos seus modestos 50 metros de altura, mas também vídeos com imagens antigas. Bem mais antigas são as peças do Museu Municipal Leventis, com sua coleção de cerâmicas que inclui peças datadas da Era do Bronze, além de artefatos medievais e mapas antigos.
Para quem quiser saber mais de seus anos sangrentos, o Museu da Resistência exibe fotografias chocantes da luta dos cipriotas pela independência contra os ingleses. O tour ao passado se completa com as ruínas da muralha circular, que é símbolo bem preservado da cidade. Foi levantada pelos venezianos no século 16 para tentar, inutilmente, deter as invasões do Império Otomano. As batalhas da conquista deixaram mais de 50 mil mortos.
Espuma do mar
Apesar do passado bélico, Chipre é o berço mesmo de Afrodite. Diz a lenda que a deusa do amor, da beleza e da fertilidade nasceu da espuma (aphrós, em grego) do mar e foi levada em uma concha até a praia hoje conhecida pela Rocha de Afrodite, no distrito de Pafos, no sudoeste da ilha.
Na verdade, são duas praias, divididas por imponentes formações rochosas. Uma tem areia preta lisinha, e a outra é feita de pedras redondas. Como banhos de mar não são recomendados por conta das fortes correntezas, a melhor hora para visitá-las é no fim da tarde, para ver seu espetacular pôr-do-sol.
Pafos guarda também alguns sítios arqueológicos como o Santuário de Afrodite, onde templos e objetos de adoração à deusa foram encontrados, incluindo um grande vaso de cerâmica datado do século 14 a.C. As fundações dos templos são reconstruções feitas pelos romanos no século 1.
A mitologia inspirou a única cervejaria da região, a Aphrodite’s Rock Brewery, a 25 quilômetros do santuário. Além das cervejas artesanais, há também cidras e pizzas generosas.
Não muito longe, nas montanhas de Tala, fica o Tala Monastery Cats, parque que abriga mais de 700 gatos, cuidados por voluntários. Mais uma pitada de passado remoto: foi em Chipre que se encontrou a mais antiga ligação entre homem e felino, numa sepultura de quase 10 mil anos. Dentro, estavam restos de um corpo humano e de um gato de oito meses. Os bichanos seguem populares na ilha – estão por todo lado.
Mais ao norte, em Peyia, dois restaurantes prometem algumas das vistas mais inesquecíveis da viagem: um é o Viklari, especializado em souvla (o churrasquinho cipriota) e instalado no topo de uma montanha; o outro é o Oniro By The Sea, de frente para um navio encalhado e com boas opções de frutos do mar.
Mas o que mais atrai os jovens turistas europeus a Chipre são as baladas noturnas do lado sudeste da ilha, na cidade-resort de Ayia Napa. Quem brilha é Nissi, um dos cartões postais do país: são duas praias que se encontram na areia, separadas por uma pequena colina. No verão, as festas começam durante o dia e se estendem noite adentro pelos inúmeros clubes da região.
Também nos arredores fica uma série de cavernas marinhas inusitadas e a Ponte do Amor – um arco de rocha natural na beira do mar, cenário de muitas fotos de casamento.
Longe da agitação, mais para o interior do país, dois vilarejos simpáticos são bem populares entre os locais: Omodos e Laneia. Ambos têm ruas labirínticas de pedras e vinícolas com degustações gratuitas. E, ainda mais embrenhado nas florestas de Chipre, fica o Monastério de Kykkos, a duas horas de carro de Nicósia, inteiramente decorado com mosaicos coloridos brilhantes.
Há um museu de arte bizantina e uma loja de vinhos produzidos pelos monges, como o típico commandaria, feito de uvas secas, bem doce e forte. No local estão a tumba e o memorial do arcebispo Makarios III, líder da resistência contra os britânicos e primeiro presidente do país após a independência, em 1960.
Além do Muro
Não é complicado visitar o norte de Chipre, atravessando um dos postos de controle em Nicósia. O primeiro foi aberto em 2003, liberando o vai-e-vem de cipriotas gregos e turcos após 30 anos de proibição.
Dentro da zona desmilitarizada do lado de lá está o Ledra Palace Hotel, o maior e mais glamouroso do país nos anos 1970. Hoje, serve de hospedagem para as tropas de paz das Nações Unidas e sede de encontros entre líderes dos dois países. Em frente ao hotel fica o centro comunitário Home for Cooperation, onde funciona um café que disponibiliza materiais de leitura, vende souvenires e organiza eventos para unir as duas comunidades.
Para adentrar de fato o lado turco, é preciso mostrar o passaporte para soldados dos dois lados. Uma vez lá, de imediato se nota uma mudança cultural e na paisagem, com ruas não tão bem cuidadas e prédios mais caídos.
Também desaparecem as igrejas e surgem as mesquitas, em especial a grandiosa Selimiye, que foi a catedral gótica de Santa Sofia até o século 16, quando chegaram os turco-otomanos. Em vez da cerveja cipriota Keo e os docinhos Cypriot delights, temos a turca Efes e os Turkish delights. Pra pagar a conta, nada de euros, apenas liras turcas.
Mudam também as histórias sobre a guerra. E as versões. Após as lições de história no sul, é bom poder ouvir o outro lado. Na falta de um grande museu cipriota turco para contá-las, o rústico Museu do Barbarismo serve de consolo.
O espaço funciona na ex-casa de um general do exército turco, invadida em 1963 por gregos, que mataram sua mulher e três crianças que se escondiam na banheira. As roupas sujas de sangue estão em exibição, assim como a banheira e as marcas das balas nas paredes. Para chegar ao museu, é rápido e seguro pegar um táxi local, mas combine o preço antes.
Muda a narrativa também sobre a invasão de 1974, levada a cabo cinco dias após uma tentativa de golpe de Estado orquestrada por cipriotas e militares gregos, que queriam anexar a pequena ilha à Grécia. Na versão dos turcos, eles se defendiam do genocídio de seu povo.
Praia Fantasma
Aventurando-se no norte de Chipre, o destino é a praia de Cirênia, que atrai mais turistas europeus que Nicósia do norte. A van que sai de Nicósia leva 40 minutos.
A grande atração é o castelo fortificado de Kyrenia, à beira-mar. As fundações foram levantadas por bizantinos no século 7, e a formação atual do edifício foi obra dos venezianos do século 15. É possível caminhar por suas muralhas e curtir a vista do mar e dos iates ancorados no porto. Seus salões guardam curiosidades, como um barco datado do século 4 a.C. Encontrado nos anos 1960, foi restaurado e é exibido com as cerâmicas e amêndoas encontradas a bordo.
Talvez um dos grandes mistérios do norte esteja em Famagusta, a uma hora de ônibus de Girne. A cidade era um dos resorts mais sofisticados do Mediterrâneo no início dos anos 70, mas tudo ruiu com a invasão turca. Gregos cipriotas fugiram com podiam para o sul, deixando para trás mansões, hotéis de luxo e apartamentos recém-construídos.
Hoje, dá para tomar sol num pequeno trecho da praia de Varosha, tendo prédios bombardeados como cenário ao fundo. Uma divisão mequetrefe de arames farpados e metal, vigiada por um soldado solitário, foi instalada na areia e adentra o mar. Por cima, dá para ver o lado proibido: um litoral completamente deserto, com uma fileira de prédios em ruínas, fechada ao público desde 1974. Outro fantasma da guerra, encravada numa ilha nascida para o amor.
Prepara-se para ir
FICAR
Em Maroni, ao sul da ilha, fica a pousada Teacher’s House, no meio do caminho entre as praias de Ayia Napa, a leste, e as locações de Afrodite, a oeste. Não muito longe, em Limassol, fica um dos hotéis mais luxuosos de Chipre, o Four Seasons, à beira-mar, com cinco restaurantes e spa.
COMER
No centro antigo da capital, a moçada se vê na cervejaria Pivo ou nas dezenas de barzinhos espalhados pelas ruas fechadas para carros. A melhor doceria do pedaço é a Melissa (Aischylou, 82). Fica meio escondida, mas vale a procura. Do lado sudoeste da ilha, em Peyia, está a cervejaria Aphrodite’s Rock Brewery e os restaurantes Viklari (Avakas Gorge Road) e o Oniro By The Sea, todos com vistas maravilhosas.
PASSEAR
Para se situar na cidade antiga de Nicósia, suba até o Observatório da Torre Shacolas e procure do alto pela Linha Verde. Não deixe de conhecer a coleção do Museu Municipal Leventis e a história sobre a invasão britânica no Museu da Resistência. Do lado turco, o Museu do Barbarismo (Irhan Sokak 2) dá outra versão sobre a invasão turca. Na região de Pafos, vá com calma para explorar o Santuário de Afrodite, em Kouklia, e o Sítio Arqueológico de Pafos (Kato Paphos), com mosaicos inspirados na mitologia grega.
AGITAR
Ayia Napa hiberna no inverno e explode no verão, principalmente entre junho e agosto, com dezenas de discotecas e bares. A cena vai até o amanhecer e rivaliza com Ibiza. Um dos destaque é Castle Club, com cinco pistas de dança.
TRANSPORTE
A forma mais fácil de explorar o litoral e o interior é alugando um carro – mas não se esqueça que em Chipre a mão é inglesa. Para se aventurar no norte, vans e ônibus cobrem os destinos principais, já que o carro alugado não pode atravessar a fronteira. Horários, itinerários e preços podem ser conferidos no site North Cyprus Online.
Quando ir: O clima mediterrâneo significa invernos bem mais quentes que no resto da Europa (em torno de 23ºC). Não é a melhor época para as baladas, mas tem a vantagem de não ter a muvuca e os preços salgados do verão, quando a temperatura passa dos 30ºC.
Dinheiro: Do lado grego, euro; do lado ocupado pelos turcos, liras turcas.
Língua: Grego e turco, mas o inglês é corrente nas áreas mais turísticas.
Como chegar: Não há aeroporto internacional em Nicósia – os voos que chegam da Europa vão ou para Lárnaca, mais próximo da capital, ou Pafos.