Cheguei a Istambul há exatamente um ano para ter aqui um lar tranquilo enquanto fotografava a guerra civil síria, no país vizinho da Turquia. Mas não esperava ser surpreendida com os protestos que sacudiram Istambul, e daí o país. O estopim, você deve saber, foi o plano do primeiro-ministro Recep Erdogan de fazer do arborizado Parque Gezi mais um centro comercial.
Em mais de duas semanas cobrindo as manifestações, vi de tudo: de confrontos violentos com a polícia a práticas pacíficas de ioga na praça vizinha ao parque, a Taksim. Os manifestantes tiveram, durante todo esse tempo, muito senso de humor. Ao receberem do premiê turco o apelido de çapulcu (“marginal”), não se fizeram de rogados. No Parque Gezi, que virou um grande festival, era possível tomar um caldo de frango çapulcu, assistir a um filme çapulcu ou dormir em uma barraca çapulcu.
Encontrei muitos çapulcus adotivos, na maioria turistas que se viram tocados pela causa e se uniram aos locais. Na tentativa de coibir as manifestações, a polícia usou gás lacrimogênio e balas de borracha. Aliás, gás lacrimogêneo made in Brazil o que me valeram algumas críticas jocosas: “Por que seu país está mandando isso para cá?”, perguntavam. Eu não imaginava – nem ninguém – que poucos dias depois o Brasil seria tomado pela mesma onda de manifestações. “O que está acontecendo com o país do samba?”, passaram a indagar.
Depois de quase três semanas de conflitos, os manifestantes foram expulsos do parque, mas aí algo aconteceu: um homem iniciou um protesto silencioso, ficando parado por horas na Praça Taksim, calado. Outras pessoas o seguiram. Engravatados, estudantes, idosos e crianças simplesmente paravam por alguns minutos onde quer que estivessem. E novos protestos estavam sendo planejados em outros espaços públicos de Istambul. A disposição da população era continuar na luta até o governo renunciar a seu plano original.
Aqui tão longe do Brasil, passei a sentir um orgulho do meu país que havia muito não sentia. Porque sei que no Brasil, tal como em Istambul, os manifestantes tiveram coragem e persistência para se unir contra a brutalidade policial. Tudo por uma causa comum.
O COLUNISTA
Alice Martins tem um refrão na cabeça e uma câmera na mão
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